por Osvaldo Duarte
Sobre o Corpo:
“(...) este nosso corpo é para o espírito uma carga e um tormento”.
A noção de corpo como prisão da alma, já a encontramos entre os Órficos que, de certa forma, o estoicismo também se apropria, como veremos nas obras de Sêneca, dentre outras obras, fragmentos do Pórtico.
“(...) o espírito, encerrado nesta morada obscura e triste, procura sempre que pode, o ar livre e repousa através da contemplação da natureza.”
O corpo é para a alma uma prisão, um pesado fardo e um tormento. Ainda que o corpo esteja sujeito aos infortúnios da vida, deve servir de barreira para que os golpes da fortuna não cheguem à alma. Não devemos praticar os vícios em atenção a este corpo frágil e, muito menos, não nos deixemos levar pelas paixões (pathemata) que são de quatro gêneros a saber, a dor, o medo, a concupiscência e o prazer.
“(...) é possível que, até certo ponto, a nossa própria providência consiga prolongar um pouco a duração deste miserável corpo, desde que consigamos dominar e reprimir as paixões que consomem a sua maior parte.”
Segundo ainda a escola do Pórtico, como a maior parte dos homens tem como males: a pobreza, o sofrimento e a morte e, os discípulos deveriam praticar o exercício de meditação (Praemeditatio Malorum), fazendo com que o corpo habituasse às intempéries, à fome e à sede, tornando assim a alma temperante. O exercício consistia em habituar o corpo às adversidades da vida representando de antemão tudo que o afligia como a pobreza, o sofrimento, a morte, enfim todos os males. O exercício tinha por objetivo ajudar na aceitação das contingências da vida, agindo de acordo com a reta razão, considerando o que depende e o que não depende do homem e, mais do que isso, um viver conforme a Natureza. A razão é o supremo juiz do bem e do mal, uma parcela do espírito divino inserida no corpo do homem.
“As coisas que estão em nossa mão, de sua natureza são livres e senhoras, sem impedimento, nem embaraço. E as que não estão em nossa mão de si são fracas servis, embaraçadas e sujeitas.”
Sobre a Alma:
“a alma deve estar desperta, confiante, acima das contingências.”
Embora possivelmente seja anterior, encontramos em Anaxímenes o conceito de Alma como sopro (pneuma). A Stoa, por sua vez, também seguiu nesta mesma esteira. Zenão de Chipre, na sua obra infelizmente perdida - “Da alma”, a define como sopro quente, que nos permite respirar e mover-nos. Para o estoicismo, a Alma do homem é fogo, porção do Sopro Ígneo Universal, partícula viva, uma centelha divina.
Segundo ainda a Stoa, a Alma possui oito partes: os cinco sentidos, a faculdade da palavra, a faculdade mental, que é o pensamento em si mesmo, e a faculdade geradora. Os estados da Alma virtuosa são, a saber, liberdade, tranquilidade, simplicidade, liberalidade, firmeza, equanimidade e tolerância.
Tudo no mundo consta de matéria e espírito divino. A divindade que é o agente que tudo regula, tem sob sua sujeição a matéria. Assim como o universo, o corpo é matéria e, como tal, inferior à Alma; que sirva o inferior ao superior. Devemos ser fortes diante do acaso e não nos dobrarmos diante das injúrias, das feridas e da miséria. Alma virtuosa é a que não sucumbe à dor, ao sofrimento ou a qualquer espécie de transtorno. A virtude proporciona à Alma a retidão e constâncias de propósitos.
Ainda que aprisionada ao corpo, a alma pode através da filosofia libertar-se e alçar voos ocasionalmente e refazer-se as forças no firmamento e na contemplação da natureza.
“A alma deseja libertar-se e regressar aos elementos que já fez parte.”
A principal atitude do filósofo estóico era a prosochè, a atenção a si mesmo, a vigilância sobre suas ações a cada instante. O homem enquanto consciente, desperto, pratica o bem e conhece o seu lugar nos kosmós e a sua relação com o Universo.
“Para a alma, “pátria” são todos os espaços abarcados pelo universo, é toda esta esfera dentro da qual o ar separa e une ao mesmo tempo o divino e o humano, e na qual inúmeras forças divinas em perfeita ordenação, cumprem atentamente as respectivas funções. (...) Século nenhum permanece fechado aos espíritos superiores, tempo nenhum se mostra inacessível ao pensamento.”
Leituras:
DUMONT, Jean-Paul. Elementos de História da Filosofia Antiga. Trad. Georgete M. Rodrigues. Brasília, Ed. UnB, 2004
EPITÉTO, Manual de Epíteto. Trad. Frei Antonio de Souza. São Paulo: Edições Cultura, 1944
FOUCAULT, Michel. A hermenêutica do Sujeito. Trad. Márcio A. F. e Selma T.M. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
GOMPERZ, Theodor. História da Filosofia Antiga, Tomo I. Trad. Joé I. C. M. Neto. São Paulo, Ícone Editora, 2011.
HADOT, P. Exercícios Espirituais e Filosofia Antiga. Trad. Flavio F. L e Loraine O. São Paulo: É realizações, 2014.
PEREIRA, M. H. Rocha, Estudos de História da Cultura Clássica, vol. I. Lisboa: Fund. C. Gulbenkian, 1980.
SÊNECA, L. A., Cartas a Lucílio. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009.