Drag and drop a picture here or Double click to open a picture

Pansophia

Pansophia

sábado, 31 de março de 2012

Antropomorfismo - Xenófanes de Cólofon – séc. VI a.C.

 

por Osvaldo Duarte

xenofanes de colofon

Xenófanes, historiador, poeta e sábio, aos vinte e cinco anos abandonou Cólofon devido à invasão dos medos estabelecendo-se em Eléia, onde funda a sua Escola; teve uma vida longa e, faleceu mais ou menos no mesmo ano que Heráclito. Segundo Diógenes Laêrtius, para alguns autores não foi discípulo de ninguém, no entanto, para outros, foi discípulo de Bôton, e ainda, de Arquêlaos; foi contemporâneo a Anaxímandros. Posteriormente, Parmênides foi considerado seu discípulo, esta afirmação talvez tenha como origem em Aristóteles.

Da sua obra, escrita em verso épico, elegias e iambos, subsistem um certo número de fragmentos, sendo que ele próprio recitava seus versos, criticando Hesíodo e Homero pelo que haviam dito a respeito dos deuses. Parece que Xenófanes sustentou opiniões contrárias às de Tales e às de Pitágoras.

Para Berge, Xenófanes utiliza-se da observação metódica estabelecendo algo como graduação do conhecimento, pois, faz afirmações de valor absoluto e universal, como também, restrita e relativa, o seu critério é único: a perceptibilidade positiva.

Sua crítica é assaz contundente a Homero e a Hesíodo pelas atribuições humanas às divindades, as quais são fruto do antropomorfismo. Nosso sábio vai além, pois mostra a causa, que segundo Berge, seria a “transposição mecânica do humano para o divino”; repudia também, as teogonias e a qualquer atribuição ou figuração material aos deuses. Com efeito, no segundo fragmento abaixo, a humanização dos deuses, i. e., os mortais imaginam os deuses com indumentárias, voz e corpo humano semelhante aos seus.

antropormofismo

Fragmentos:

Homero e Hesíodo atribuíram aos deuses tudo quanto entre os homens é vergonhoso e censurável, roubos, adultérios e mentiras recíprocas.

Mas os mortais imaginam que os deuses foram gerados e que têm e vestuário e fala e corpos iguais aos seus.

Os Etíopes dizem que os seus deuses são de nariz achatado e negros, os Trácios, que os seus têm olhos claros e cabelos ruivos.

Mas se os bois e os cavalos ou leões tivessem mãos ou fossem capazes de com elas, desenhar e produzir obras, como os homens, os cavalos desenhariam as formas dos deuses semelhantes às dos cavalos, e os bois à dos bois, e fariam os seus corpos tal como um deles o tem.

Um só deus é o maior entre os deuses e os homens, dissemelhante dos homens em figura e em modo de perceber.

Permanece sempre no mesmo lugar, sem se mover; nem é próprio dele ir a diferentes lugares em diferentes ocasiões, mas antes, sem esforço tudo abala com pensamento do seu espírito.

Para Kirk, as críticas de Xenófanes são claras, pois, tanto Homero como Hesíodo atribuem com frequência imoralidades humanas aos deuses, sendo que não há boa razão para tal. Xenófanes dá-se conta de que diferentes povos atribuem as suas próprias características particulares aos deuses; e ainda, por reductio ad absurdum, que os animais poderiam fazer o mesmo.

Portanto, por tais apreciações subjetivas e sem valor, os homens deveriam abandonar a tradição estabelecida por Homero, por quem todos aprenderam.

Créditos

BERGE, Damião. O Logos Heraclítico. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1969.

DUMONT, Jean-Paul. Elementos de História da Filosofia Antiga. Tradução: Georgete M. Rodrigues. Brasília, Editora UnB, 2004.

KIRK, G. S e RAVEN, J. E. Os Filósofos Pré-socráticos. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1982.

LAÊRTIOS, D.. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Tradução: Mário da Gama Kury. Brasília, Editora da UnB, 2008.

sexta-feira, 23 de março de 2012

O logos como discurso, segundo a sofística gorginiana

por Osvaldo Duarte
Górgias, filho de Carmântides, nasceu por volta do ano 490-485 em Leontinos na Sicília. Segundo testemunhas, Górgias teve uma vida longa, morrendo aos 109 anos; o motivo desta longevidade é que, segundo alguns, permaneceu solteiro, sem encargos familiares ou qualquer preocupação que se impõe a um homem casado, além de possuir uma excelente saúde pela dieta frugal e uma vida afastada dos prazeres.
Górgias, o Leontino, chegando a uma extrema velhice, e aproximando-se do término da sua carreira, foi acometido por uma doença que lhe causava um adormecimento quase contínuo. Um de seus amigos, tendo ido visitá-lo, perguntou-lhe como ele se encontrava:

“-Sinto –respondeu -lhe Górgias-que o sono começa a entregar-me a seu irmão”.
                                                                                                          
Górgias é um exemplo de sofista itinerante, pois viajou por todo mundo grego: Olímpia, Delfos, Beócia, Argos, Tessália, entre outros lugares; tinha muita celebridade entre os gregos. O sofista costumava aparecer em público sempre com túnicas de cor púrpura.
O Elogio de Helena é, provavelmente, um exercício utilizado por Górgias na sua atividade como professor onde procura fazer apologia assente numa estrutura mítica, tendo a pretensão de mostrar a inocência de Helena, acusada de ser o motivo da guerra de Tróia. O autor procura mostrar as razões que a levaram a seguir Páris, sendo que tais motivos (a necessidade do destino, a violência física e a persuasão do discurso i.e. o logos enquanto discurso) a inocentam de tal acusação.
“É dever do mesmo homem dizer corretamente o que é devido refutar [o que se disse erradamente. Importa refutar] os detratores de Helena (...). Portanto, eu quero, desenvolvendo o discurso segundo certo raciocínio, libertá-la da acusação que a difamou e, ao demonstrar que os detratores mentem e ao mostrar a verdade, pôr termo à ignorância”.
Os excertos que nos interessam, são os que se referem à persuasão do discurso.
O discurso (logos) exerce na alma ações divinas provocando afecções. O logos tem o poder de suprimir o medo, cessar a dor, provocar alegria e intensificar a paixão. O discurso é comparado à poesia, à magia e aos medicamentos.  Assim diz o Sofista de Leontinos:
“(...) O discurso é um tirano poderoso que, com um corpo microscópio e invisível, executa ações divinas. Consegue suprimir o medo e pôr termo à dor e despertar a alegria e intensificar a paixão”.
A poesia como discurso:
“Considero e denomino toda a poesia um discurso com medida. Daqueles que a ouvem apodera-se um arrepio de terror, uma compaixão comovida e uma saudade nostálgica; pelas palavras, a alma experimenta um sofrimento particular em relação ao sucesso e infortúnios de acontecimentos e de pessoas que lhe são alheios”.
O discurso como magia:
“Os encantamentos inspirados pelas palavras levam ao prazer e libertam da dor. Na verdade, a força do encantamento, misturando-se com a opinião da alma, sedu-la, persuade-a e a transforma por feitiçaria. Descobriram-se duas artes de feitiçaria e magia que são, uma os erros da alma e a outra os enganos da opinião”.
”(...) Se, de fato, todos possuíssem a respeito de tudo memória do passado, do presente e previsão do futuro, o discurso não seria exatamente igual; mas agora não lhe é fácil nem recordar o passado nem ponderar sobre o presente nem prever o futuro. Deste modo, a maior parte dos homens, sobre a maior parte dos assuntos, oferece à alma opinião como conselheira. Todavia, a opinião, que é vacilante e insegura, lança as situações vacilantes e inseguras os que dela fazem uso”.
O discurso comparado às prescrições de medicamentos:
“A força do discurso em relação à disposição da alma é comparável às prescrições de medicamentos em relação à natureza dos corpos. Assim como os diferentes medicamentos expulsam do corpo os diferentes humores e a uns põe termo à doença e outros à vida, assim também entre os discursos uns entristecem e outros alegram, uns amedrontam e outros incutem coragem nos ouvintes, outros há que envenenam e enfeitiçam a alma com uma persuasão perniciosa”.
Créditos
ELIANO. Histórias Diversas. Tradução: Regina Schopke  e Mauro Baladi. São Paulo, Martins Fontes, 2009.
LAÊRTIOS, D.. Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres.  Tradução: Mário da Gama Kury. Brasília, Editora da UnB, 2008.
SOFISTAS. Testemunhos e Fragmentos. Tradução: Ana Alexandre Alves de Sousa e Maria José Vaz Pinto. Lisboa, INCM, 2005.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Antifonte, o Sofista - (séc. V a.C.)

“De tudo o quanto gastamos, o mais caro é o tempo”.


por Osvaldo Duarte

Antifonte, ateniense, nasceu no séc. V, foi poeta épico, adivinho, intérprete de sonhos e professor de retórica. Sua identidade ainda é discutida, pois não se sabe se o sofista era o mesmo Antifonte Ramnunte, o orador. Como pensador,  só despertou interesse dos eruditos, após a descoberta dos Papiros de Oxyrinchus entre 1915 e 1922. Hoje sabemos que seus interesses eram polifacetados, isto é, abrangiam a preocupação com a linguagem (correção de nomes), ciências matemáticas e física. Com efeito, sua investigação procurava vocábulos mais ajustados para exprimir as experiências para obter o verdadeiro conhecimento das coisas.
 Viveu em uma época em que os sofistas faziam conferências e lecionavam em diversas cidades, mas sem se fixarem, demorando um pouco mais em Atenas, palco de grandes concursos, sendo uma ótima oportunidade para mostrarem seus métodos educacionais.  Foram criticados, principalmente na doxografia platônico-aristotélica, por cobrarem por seus ensinamentos junto a seus discípulos de famílias mais abastadas e, pelo modo que educavam – a defesa da índole instrumental e moralmente neutra das habilitações adquiridas; considerados caricatura, imitação do Filósofo, pois, seu conhecimento ainda é doxa, não apreendendo a realidade em si mesma.
“Concluiu-se, em primeiro lugar, que o sofista era um caçador de jovens ricos...”.  




Antifonte, o adivinhador de sonhos:
Um corredor que pensava chegar a Olímpia via-se em sonho conduzindo uma quadriga. De manhã, ele vai ver o intérprete, e este lhe diz: “Tu vencerás, pois isso significa rapidez e a força dos cavalos”. Pouco depois, o mesmo homem vai ver Antifonte que, então, lhe diz: “Tu serás necessariamente vencido: tu não compreendeste que há quatro corredores à tua frente”? Mas tomemos outro corredor, (...), ele conta ao intérprete que em um sonho ele lhe parecia ter-se tornado uma águia, então este: Tu venceste; nenhum pássaro tem vôo mais poderoso que a águia”. Mas semelhante, o mesmo Antifonte disse-lhe: “Imbecil, tu não vês que foste vencido? Pois este pássaro, que persegue e caça outros, é sempre o último”.
Antifonte, o consolador:
Mas além da poesia, ele compôs uma Arte de fugir à aflição, análoga àquela que utilizavam os médicos para curar seus doentes. Em Corinto, ele instalou-se perto da Ágora e anunciou, por libelos, que ele podia, durante as entrevistas, curar aqueles que estavam aflitos; uma vez conhecidas as causas do sofrimento, ele aliviava os enfermos com palavras de consolação.

Antifonte, o pensador:
Por isso [Deus] não carece de nada, nem recebe nada de outrem, mas é ilimitado e sem necessidades.
Os homens são naturalmente iguais:
Aqueles que descendem de ilustres ancestrais, nós os honramos e os veneramos; mas aqueles que não descendem de uma ilustre família, nós não os honramos e não os veneramos. Nisso, somos bárbaros uns em relação aos outros, pois por natureza somos em tudo semelhantes, tantos os bárbaros quanto os gregos. Convém considerar as necessidades que a natureza impõe a todos os homens: todos a alcançam nas mesmas condições, e no que se refere a essas necessidades, nenhum de nós é diferente, quer ele seja bárbaro, quer grego: todos respiramos o mesmo ar com uma boca e um nariz, todos comemos com ajuda de nossas mãos [...].
Physis e Nomos
A justiça consiste, pois, em não exceder as leis da cidade em que se vive. O homem terá a maior vantagem em usar a legalidade, perante testemunhas, se tiver em grande conta as leis; e, quando sozinho, sem testemunhas, em respeitar as da natureza. De facto, aquelas são adventícias, ao passo que as da natureza são necessárias. As primeiras são convencionais, e não espontâneas, ao passo que as da natureza são espontâneas, e não convencionais.
Crítica ao modo de viver de Sócrates
“Sócrates, eu julgava que os que se dedicavam à filosofia deviam ser mais felizes, mas parece-me que tu extraíste da filosofia o contrário. O que é certo é que vives como nenhum escravo, em casa do seu senhor, conseguiria viver: comes e bebes as bebidas mais vulgares e envergas um manto que é de qualidade inferior e é o mesmo de Verão e de Inverno, e passas a vida descalço e desprovido de túnica. Além disso, não recebes dinheiro, apesar de ele provocar regozijo aos que ganham e permitir uma vida mais livre e mais agradável aos que possuem. Se, portanto, tu tornares os teus discípulos teus imitadores, tal como fazem os mestres de outras profissões, considera-te um mestre da infelicidade”. Então Sócrates retorquiu: “Parece-me, Antifonte, que tu crês que tenho uma existência de tal modo horrível que, estou convencido que preferirias morrer a viver como eu. Pois bem, examinemos o que na minha vida concebes como penoso. Porventura será porque os que recebem dinheiro precisam de fazer aquilo para que são pagos, enquanto eu, como nada recebo, não tenho de dialogar com quem não me aprouver? Ou desprezas o meu gênero de vida, por comer alimentos menos saudáveis do que tu e que dão menos força? Pareces pensar, Antifonte, que a felicidade é abundância e magnificência.  Eu, pelo contrário, considero o não precisar de nada é algo divino; o precisar de menos possível está ais próximo do divino e, sendo o divino melhor, o mais próximo do divino está mais próximo do melhor.”
Créditos
DUMONT, Jean-Paul. Elementos de História da Filosofia Antiga. Tradução: Georgete M. Rodrigues. Brasília, Editora UnB, 2004.
PEREIRA, Maria Helena da Rocha – Hélade Antologia da Cultura Grega I, Lisboa: Guimarães Editores SA, 2009.
PEREIRA, Maria Helena da Rocha – Estudos de História da Cultura Clássica, vol. I, Lisboa, Fundação Calouste
SOFISTAS. Testemunhos e Fragmentos. Tradução: Ana Alexandre Alves de Sousa e Maria José Vaz Pinto. Lisboa, INCM, 2005.
                                                                                                              
                                                     
                                                                                                          

terça-feira, 13 de março de 2012

Ferecides de Siros (séc. VI a.C.)

por Osvaldo Duarte

Ferecides, mitógrafo e teogonista, nasceu em Siros por volta do séc. VI a.C., foi contemporâneo de Tales, atingiu o seu acme em 544-1 a.C.. Sua vida, assim como a vida de Pitágoras, foi repleta de fatos extraordinários e prodígios, desde naufrágio de navios até terremotos:
“Certa vez ele passeava pela praia em Samos e viu uma nau avançando a favor do vento, e predisse que dentro de não muito tempo ela afundaria; a nau soçobrou diante dos seus olhos. Tirando água de um poço e bebendo-a, o filósofo prognosticou que no terceiro dia a contar daquele haveria um terremoto, e isso realmente aconteceu. Vindo de Olímpia para Messene, ele aconselhou Perílaos, seu anfitrião, a mudar-se com todos os seus parentes; Perílaos, todavia, não se deixou persuadir, e Messene foi capturada pouco tempo depois”.
Alguns autores afirmam que Ferecides foi mestre de Pitágoras e, sendo ele autodidata,  aprendeu através dos livros secretos dos Fenícios.
Obras de Ferecides
Ferecides foi o primeiro a escrever sobre a natureza e da origem dos deuses e o primeiro livro em prosa. Não obstante, sua obra sobreviveu ao incêndio da Biblioteca de Alexandria – 47 a.C.. É Interessante notar os quatro elementos nos fragmentos abaixo:
“Zeus, Cronos e Ctônia sempre existiram; Ctônia recebeu o nome de Gé (Terra), porque Zeus a distinguiu com honrarias (geras)”.
“Zás existiu sempre, assim como Chronos e Ctónia, os três primeiros princípios... e que Chronos fez do seu próprio sémen o fogo e o vento [ou hálito, sopro] e a água... a partir dos quais, após terem sido dispostos em cinco recessos, se formaram numerosos outros descendentes dos deuses, que são chamados “dos cinco recessos”, o que é talvez o mesmo que dizer dos cinco mundos”.
Mas considera obra do Sírio, e Zás e Ctónia e Eros entre eles, e o nascimento de Ofioneu e a batalha dos deuses e a árvore e a veste.
Ferecides que viveu muito antes de Heráclito, criou o mito dos dois exércitos que estavam alinhados frente a frente, e deu Cronos como chefe um, e Ofioneu do outro, e descreveu os reptos e os combates e o acordo que eles fizeram entre si, que dos dois exércitos, aqueles que caíssem em Ogenos, esses seriam os vencidos, ao passo que aqueles que os tivesses expulsado e ficado vencedores, possuiriam o céu.
Cornford faz o seguinte comentário sobre esta passagem:
“Esta história volta a aparecer em Apolónio de Rodes, a seguir uma cosmogonia órfica. Ofioneu e Eurínome, filha do Oceano, detinham o Olimpo. Ofioneu foi forçado a dar seu lugar a Cronos e Eurínome o dela a Reia, e ambos caíram nas ondas do oceano. Cronos e Reia governaram os abençoados deuses Titãs quando Zeus ainda era uma criança na caverna de Dicteia, antes dos Ciclopes lhe terem dado o raio e o relâmpago”.
Conservou-se também seu relógio solar na ilha de Siros.
Excerto da carta a Tales.
Ferecides a Tales
“Desejo-te uma boa morte quando chegar a hora fatal. Estou doente desde que recebi a tua carta. Os piolhos infestaram-me e padeço de acessos de febres violenta. Dei portanto instruções a meus familiares para te levarem meus escritos após o meu sepultamento. Se aprovares junto com os outros sábios, manda publicá-los. Em caso contrário, não, pois eu mesmo não estou satisfeito com ele. Os fatos não estão perfeitamente corretos, nem tenho a pretensão de conhecer a verdade, mas somente as coisas que alguém percebe especulando sobre os deuses. O resto deve ser intuído, pois faço alusão a tudo por meio de enigmas”.
Para a sua morte, também existem várias versões, a saber:
Que indo a Delfos, ele se lançou do alto do monte Côricos. Outra versão é que ele morreu de morte natural sendo enterrado por Pitágoras em Delos. Existe também a versão de que Ferecides morreu de ftiríase, e ainda, a versão de que ele foi enterrado em Magnesia.

Créditos

CORNFORD, F.M.. Principium Sapientiae. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1952.
KIRK, G. S e RAVEN, J. E. Os Filósofos Pré-socráticos. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1982.
LAÊRTIOS, D.. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres.  Tradução: Mário da Gama Kury. Brasília, Editora da UnB, 2008.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Estesícoro (séc. VII – VI a.C.)

por Osvaldo Duarte
Estesícoro, poeta lírico, viveu por volta do séc. VII – VI a.C.. Estesícoro não é nome, mas sim, indicativo de profissão, pois, dirigia coros possivelmente em diversas partes do mundo grego.
Após ter cantado o rapto de Helena por Teseu, acabou perdendo a visão que, só foi recuperada, depois de ter escrito a célebre palinódia. Platão faz alusão a este episódio na República 586c e no Fedro 243a.

(...) tal como se combatia em Tróia pelo fantasma de Helena, conforme diz Estesícoro...  República 586c.
Para os que cometem pecado de mitologia, há uma purificação antiga que passou despercebida por Homero, não, porém, a Estesícoro. Privado da vista por haver injuriado Helena, não lhe escapou, como a Homero, a causa de semelhante fato; por frequentar as Musas, reconheceu-a e de pronto compôs os versos:
Foi mentira quanto eu disse.
Nunca subistes nas naves
De belas proas recurvas,
Nem castelo de Tróia
Jamais pisaste algum dia

Havendo escrito nesse estilo toda a denominada Palinódia ou Retratação, imediatamente recuperou a vista. Fedro 243a.

Não é verdade esta história.
Não embarcastes nas naus de sólidos bancos
Não fostes à fortaleza de Tróia. Frag. 15 Page

Créditos
PEREIRA, Maria Helena da Rocha – Estudos de História da Cultura Clássica, vol. I, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1980.
PEREIRA, Maria Helena da Rocha – Hélade Antologia da Cultura Grega I, Lisboa: Guimarães Editores SA, 2009.
PLATÃO. A República. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.                                                                                        
PLATÃO. Fedro, vol. V. Trad. Carlos Alberto Nunes. Pará: Universidade Federal do Pará, 1975.

sábado, 3 de março de 2012

Martinho de Dume - (518-579)

por Osvaldo Duarte

Natural da Panónia (Hungria), São Martinho de Dume, também conhecido como São Martinho de Braga, nasceu entre 518-525. Foi nomeado bispo de Dume e, posteriormente, arcebispo de Braga, falecendo em 20 de março de 579.
Martinho, que é considerado Apóstolo dos Suevos, tinha como missão evangelizar a Galécia, região conquistada pelo povo germânico (Suevos), os arianos. Sua missão foi bem sucedida, pois, dada a afirmação da fé cristã esta região não mais caiu em heresia.
Possuidor de vasta cultura e conhecedor da Patrística, sua formação ainda é uma questão non liquet; segundo alguns autores, sua formação cultural se desenvolveu na Itália, possivelmente em Roma; segundo outros, ocorreu no Oriente; mas não sabemos ainda com certeza, onde o bispo aprendeu grego.
 A tradição atrelou o nome de Sêneca às principais obras de Martinho, sendo que até o séc. XVI algumas obras de Martinho gozaram na Europa medieval como sendo obras de Lúcio Sêneca, como por exemplo: De Ira, o que nos leva a outra questão interessante proposta por A. Miranda Barbosa: A influência de Sêneca na Idade Média; infelizmente, ainda inconclusiva e pouco estudada. Quanto à influência do bispo de Hipona, Martinho trabalha o texto agostiniano com liberdade ao escrever De Correctione Rusticorum (Contra as Superstições: Da instrução dos Rústicos), do qual seguem excertos, mais adiante.
Sua obra, ao que tudo indica, não é trabalho original, mas ordenação de textos alheios, o que é natural neste período de decadência cultural, cuja preocupação dos raros eruditos era salvaguardar os tesouros da Sabedoria antiga.
A. Miranda, nos chama a atenção para a questão da autoria dos textos, e que poderia ter saído da pena de algum filósofo pagão. Na Fórmula, no De Moribus e no De Ira, não há sequer uma citação Bíblica e, muito menos, de algum Padre.

Apresentamos abaixo, excertos do opúsculo De Correctione Rusticorum, que provavelmente foi redigido por volta do ano 572, após a realização do II Concílio de Braga, em 1 de junho daquele ano. Esse texto é um trabalho de fixação de crença, no caso, a fé cristã; e foi dirigido ao povo rústico, os aldeões da zona da Galécia, tendo como destinatário o bispo Polémio de Astorga. Essa afirmação da fé cristã pretende levar os aldeões a abandonarem seus ritos sagrados, substituindo-os pelo batismo, abandonando as heresias e aceitando a verdade cristã sob a ameaça de sofrer o castigo eterno.
Do bispo Santo Martinho para o bispo Polémio.
(...) Vendo o Diabo que o homem fora criado, precisamente, para ocupar no reino de Deus, o lugar de onde ele tinha caído, roído de inveja, persuadiu o homem a transgredir os mandamentos de Deus. Devido a esta ofensa, o homem foi expulso do Paraíso, para exílio deste mundo, onde sofreria muitos trabalhos e dores.
(...) Então, o Diabo e os seus ministros, os demónios, que foram expulsos do Céu, vendo os homens ignorantes, esquecido de Deus seu Criador, começavam a entre as criaturas e aparecer-lhes, manifestando-se-lhes de diferentes formas, a falar com elas e a pedir que lhes oferecessem sacrifícios no alto dos montes, nas florestas frondosas e a considera-los como deuses, dando a si próprios nomes de homens celerados, que tinham passado a vida a cometer celeridades de toda a espécie de crimes, um chamou a si de Júpiter, o qual fora mago e se manchara e adultérios e incestos, de tal modo que tomou por sua mulher a irmã, que se chamava Juno, corrompeu as suas filhas Minerva e Vênus e cometeu incesto, torpemente, com todos os seus parentes.
Um outro demónio quis chamar-se Mercúrio, que foi inventor dos roubos e das fraudes dolosas, q quem os homens cobiçosos, como se fosse ao deus do lucro, oferecem sacrifícios, ao passarem pelas encruzilhadas, lançando pedras e com elas formando montes.
Outro demónio atribuiu a si próprio o nome de Saturno, que vivendo em total crueldade, até devorava os seus filhos recém-nascidos.
Outro demónio fingiu que era Vênus, que foi mulher meretriz. Não só cometeu inumeráveis adultérios, como se prostitui com o seu pai Júpiter e com seu irmão Marte.
(...) Os demónios também persuadiram a que lhes construíssem templos e que neles colocasse imagens ou estátuas de homens celerados e lhes erguessem altares nos quais sacrificassem sangue, não só de animais, mas também de homens.
Além disso, muitos demónios, que foram expulsos do Céu, presidem o mar, aos rios, às fontes, às florestas, aos quais os homens ignorantes de Deus, do mesmo modo adoram como se fossem deuses e oferecem-lhes sacrifícios. No mar são chamados Neptuno, nos rios Lâmias, nas fontes Ninfas, nas florestas Dianas; todos eles são demónios e espíritos malignos que atormentam e perturbam os homens infiéis, que não sabem proteger-se com o sinal da cruz.
Contudo, não os atormentam sem a permissão de Deus, porque têm irritado Deus e não crêem, com todo o coração, na fé de Cristo, mas são dúbios. “A ponto de darem os nomes próprios dos demónios a cada um dos dias e chamam-lhes dia de Marte, de Mercúrio, de Júpiter, de Vénus e de Saturno, eles que não fizeram nenhum dia, mas foram homens péssimos e celerados entre gente grega.”
Preparai a vossa vida com boas obras. Frequentai a Igreja ou os lugares sagrados para rezar a Deus. Não desprezai o dia do Senhor, mais respeitai-o com reverência, o qual se chama Domingo, porque o Filho de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, nesse dia ressuscitou dos mortos.
Como é iníquo e vergonhoso que aqueles que são pagãos e que ignoram a fé Cristã, adorando os ídolos dos demónios, guardem o dia de Júpiter ou de qualquer outro demónio e se abstenham de trabalhar, quando na realidade os demónios não criaram e nem possuem nenhum dia.

Uma pitada de ceticismo?
Regra de vida Honesta
“É próprio do prudente, escreve S. Martinho de Dume, examinar conselhos e não se deixar levar arrebatadamente dos falsos com fácil credulidade. Nas coisas duvidosas não decididas, mas suspende o teu juízo: nada afirmes sem o teres averiguado, porque nem tudo o que tem aparência de verdade é verdadeiro; assim como, muitas vezes, o que à primeira vista parece incrível nem por isso é falso. De facto, frequentemente a verdade conserva a cara da mentira e não poucas a mentira se esconde debaixo da aparência da verdade”.
Créditos
MARTINHO DE DUME. Opúsculos Morais. Tradução: Maria de Lourdes Sirgado Ganho. Lisboa, INCM, 1998.
BARBOSA, A. Miranda. Obras Filosóficas. Lisboa, INCM, 1996.
MARTINS, Mário. Correntes da Filosofia Religiosa dos séc. IV a VII. Porto, Livraria T Martins, 1950.