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Pansophia

Pansophia

sábado, 21 de dezembro de 2013

O Mito de Sísifo e a Náusea da Vida

 

por Osvaldo Duarte

 

Considerado o mais astuto dos mortais e o mais inescrupuloso, Sísifo, filho de Éolo da raça de Deucalião, foi fundador de Corinto. Sua lenda é constituída de várias histórias de astúcias, mas o que nos interessa aqui é o recorte de uma das versões do mito que faz alusão ao seu sofrimento:

 

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Quando Zeus raptou Egina, filha de Asopo, para levá-la a Enone, passou por Corinto e Sísifo viu-o. Sabendo que procurava sua filha, Sísifo foi ter com Asopo, prometendo relevar-lhe o nome do raptor se o mesmo fizesse brotar uma nascente na cidade de Corinto. Asopo[1] assentiu, e Sísifo denunciou Zeus. Esse episódio atraiu sobre o delator a cólera do senhor dos deuses. Zeus o fulminou de imediato e o precipitou nos Infernos. Sísifo teve como castigo rolar um enorme rochedo na subida de uma vertente. Mal o rochedo atingia o cimo, voltava a cair por causa do seu próprio peso e o trabalho de Sísifo tinha de recomeçar, ad aeterno.

 

Muitas vezes nos cansamos da mesmice que a vida nos impõe. Dia após dia, assim como Sísifo, fazemos as mesmas coisas: rolamos nosso rochedo morro acima - choramos, reclamamos, labutamos e nos enfastiamos, mas sempre firmes empurrando o nosso rochedo, acreditando que o amanhã será diferente. Viver é para os fortes, os fracos sucumbem.

 

“Até quando aguentaremos sempre o mesmo? Nunca faremos outra coisa senão acordar e adormecer, comer e sentir fome, ter frio e calor?! Coisa alguma tem um termo, está tudo urdido em círculo, tudo se sucede alternadamente sem parar: a noite põe termo ao dia, e o dia à noite, o verão vai findar no outono, ao outono segue-se o inverno, que por seu turno é destronado pela primavera; tudo passa para regressar novamente. Não realizamos nada de novo: e aqui reside por vezes a causa da náusea!”

                                                                                                         Sêneca

“... Examina os dramas e as cenas que conheces por tua experiência pessoal ou pela história antiga, coloca diante dos teus olhos toda corte de Adriano, Augusto, Felipe, Alexandre e Creso, por exemplo. Todos esses espetáculos se assemelhavam, os atores é que eram outros.”

                                                                                                                                                         Marco Aurélio

 

Se o estoicismo nos mostra essa condição de impotência diante da vida, também nos ensina como lidar com esta situação. Não basta viver (ser forte), mas viver sabiamente, isto é, conforme a natureza. Viver conforme a natureza é uma aceitação da vida que nos foi dada pelos deuses. Devemos sempre desempenhar o nosso papel da melhor maneira possível, ainda que nos seja de sobremaneira penoso.

 

“Lembra que és tal como um ator no desempenho do papel que o autor quis proporcionar: se breve, breve, se longo, longo. Se quiser que representes um papel de mendigo, faze por representar aquela figura o

melhor que puderes; e assim se for de um manco, ou de um príncipe, ou de um plebeu, porque o teu ofício é representar bem a personagem que lhe derem, e o de escolher o papel, é de outrem.”

                                                                                                                                                         Epicteto

 

 

“Eu me conformo com tudo que te convém ó mundo! Para mim, nada é prematuro ou tardio, se é oportuno para ti. As tuas estações, ó natureza, para mim só produzem frutos, tudo vem de ti; tudo em ti existe; tudo para ti retorna.”

“Entrega-te de boa vontade a Cloto[2]; deixa-a fiar a tua vida com os acontecimentos que lhe aprouver.”

                                                                                                                                                         Marco Aurélio

 

E quando tentamos mudar, isto é, representar um papel que não nos foi destinado pelos deuses, a Stoa nos adverte:

 

Se quiseres representar nesta vida algum personagem que exceda as tuas forças e capacidade, farás duas coisas, que isto não podes, fá-lo-á mal e indecentemente; deixarás o que poderias fazer bem e com louvor.

 

                                                                                                                                                         Epicteto

 

 

 

Diante do infortúnio, das adversidades, do sofrimento que a vida nos impõe, os estóicos nos ensinam a viver sabiamente - devemos encarar a dor como uma provação, um aperfeiçoamento, portanto, sejamos sábios, e, sempre  manter a calma, a serenidade e não nos entregarmos às aflições, ao desespero, afinal, isso de nada adianta, pois o nosso caminho já foi traçado pelas Moiras.

 

 

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Créditos:

 

AURÉLIO, M. Pensamentos. São Paulo, Edições Cultura, 1942.

AURÉLIO, M. Meditações. São Paulo, Editora Iluminuras, 1995.

GRIMAL, P., Dicionário da Mitologia Grega e Romana. Trad. V. Jabouille. Bertrand Brasil, 2000.

EPICTETO, Manual de Epitecto: Máximas Diatribes e Aforismos. Lisboa: VEGA, 1992.

EPITÉTO, Manual de Epiteto. Trad. Frei Antonio de Souza. São Paulo: Edições Cultura, 1944.

PENSAMIENTOS. Trad. Joaquin Delgado. Buenos Aires: El Ateneo, 1945.

SÊNECA, L. A., Cartas a Lucílio. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009.



1 - Asopo - deus do rio que levava o seu nome.

2 - Moira Cloto – Presente.

domingo, 8 de dezembro de 2013

A parteira : O livro de um poema só.

 

Mais uma vez, a editora da gente nos brinda com a obra do poeta Adenildo  Lima.

 Veio a lume o livro A parteira, com ilustrações do artista plástico JP - João Paulo de Melo.

 

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Para degustação,  reproduzimos abaixo, o excerto da obra:

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http://www.editoradagente.com.br/

sábado, 19 de outubro de 2013

A democracia ateniense

por Osvaldo Duarte
 
“Governar, é ser, por sua vez, governado.”
 
A democracia ateniense: uma sociedade democrática possível entre iguais e diferentes.
À letra, democracia política (demokrateia) significava para os gregos “domínio do povo” ou “poder do povo”.  
Como já observamos noutros textos*, a sociedade ateniense era composta por cidadãos, mulheres, homens livres (metecos) e escravos. O exercício da cidadania era permitido apenas aos cidadãos, e consequentemente, a democracia, cuja expressão mais sublime, ao menos sob o nosso ponto de vista, se dava na constituição das assembléias.
A vida política na pólis girava em torno das Assembléias. Duas grandes Assembléias asseguravam a democracia ateniense: A Assembléia dos Quinhentos (Bulê - Boulê), e a Assembléia do povo (Eclésia - Ekklesía), realizadas uma vez por mês.
 
 
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A Bulê era composta por quinhentos membros (buleutas), sendo que cada uma das dez tribos era representada por cinquenta cidadãos com mais de trinta anos, escolhidos por sorteio a cada ano. Essa escolha à sorte permitia a composição da Bulê sempre por pessoas diferentes, evitando assim, que os contemplados desenvolvessem sentimentos de corporação. Todo cidadão podia exercer esta função apenas duas vezes na vida. Cabia ao Conselho dos Quinhentos a administração das Assembléias; era sua função preparar as questões que deveriam ser submetidas à Assembléia do Povo, como também, apresentar os projetos de decretos-lei (probuleumata), e formular a ordem do dia. Além dessas funções, sua competência abrangia a vigilância e a fiscalização da administração como um todo.
 
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Eclésia, a Assembléia soberana do Povo. Todo cidadão era soldado ou marinheiro, legislador, juiz, e administrador; esse era o seu dever: servir à pólis. Em meados do séc. V estima-se que a totalidade dos cidadãos era entorno de trinta a quarenta mil, entretanto, cerca de dois terços não moravam na cidade e costumavam participar das Assembléias somente em situações importantes. Outro tanto servia na frota ou no exército ou ainda tinha outras ocupações. A soberania do povo era exercida dentro de certos limites: só podia deliberar sobre questões ou decretos que lhe eram submetidos pela Bulê, mas poderia alterá-los através de emendas, sendo que a ordem do dia deveria ser sempre respeitada. Qualquer cidadão tinha liberdade de propor emendas. Quando aprovado algum decreto, gravava-se numa pedra com o nome do autor ou autores do decreto ou emendas, feito isso, era colocado em exposição para que dele todos tomassem conhecimento. Caso a lei fosse desastrosa, saberiam quem eram os responsáveis para submetê-los à justiça. À Eclésia era vedado fazer leis diretamente sem submetê-las a um processo longo como garantia e prudência. Para que todos os cidadãos pudessem cuidar dos assuntos da pólis, isto é, comparecer às Assembléias e ter acesso às magistraturas e lugar nos júris, o Estado sabendo das dificuldades, pois, nem todos tinham recursos financeiros para tal, ou ainda, muitos tinham de deixar sua lida, criou a mistoforia (misthos – salário), assim, todos os cidadãos que participavam das Assembléias eram remunerados.
 
Como vimos acima, os cidadãos não só tinham em suas mãos as rédeas, como também  teciam o fio do destino da pólis. A democracia representativa era estranha aos gregos - não se delegava a outrem a responsabilidade da cidadania; é bem possível soubessem que essa representação fosse o melhor caminho para eleger os seus próprios tiranos.
 
* A cidadania Ateniense
 Da não cidadania ateniense
 
Créditos:
 
CROISET, A. As Democracias Antigas. Rio de Janeiro, Livraria Garnier, 1923.
GLOTZ, Gustavo. História Econômica da Grécia. Lisboa, Edições Cosmos, 1973.
KITTO, H. D. F , Os gregos. Coimbra, Armênio Amado, Editor, Sucessor, 1960.
LEVÊQUE, Pierre, A Aventura Grega, Edições Cosmos, 1967.
MOSSÉ. Claude. O Cidadão na Grécia Antiga. Lisboa, Edições 70, 1999.

sábado, 10 de agosto de 2013

A consciência das máquinas

por Leandro Morena
O mundo em que vivemos passa por grandes transformações, e uma delas é no campo da tecnologia. Nas últimas décadas, a tecnologia das máquinas vem crescendo, chegando num patamar espantoso de linguagens computacionais cada vez mais sofisticadas, e cada vez mais, estão fazendo parte do cotidiano das pessoas.  Hoje em dia, um aparelho pequeno pode armazenar milhares de informações, que jamais a mente humana foi capaz de guardar. Num passado não muito distante, uma fábrica de biscoitos empregava uns 200 funcionários. Hoje em dia, com a sofisticação das máquinas, essa mesma substituiu a mão de obra dos humanos pela máquina, ou seja, uma única pessoa que controla essa máquina substituiu 90% da mão de obra braçal da empresa.
             clip_image002

clip_image004O filósofo francês René Descartes (1596 -1650), afirmava que o corpo humano é uma máquina sofisticada, só que, diferentemente das máquinas, possui consciência, a capacidade da linguagem e de raciocinar, pois possui uma alma imortal. Vemos que essa teoria de Descartes pode-se empregá-la para os dias de hoje, pois as máquinas raciocinam, tem a capacidade da linguagem e até, no caso dos robôs, andam. Um exemplo disso é no Japão, onde existem robôs com uma tecnologia extremamente avançada onde o robô é capaz de subir e descer escadas, fazer a limpeza da casa, conversam entre outras funções.
                                          clip_image005                           

clip_image006O filósofo inglês John Gray (1948-   ) afirma no seu livro Cachorros de Palha, que as máquinas estão adquirindo consciência e poderão futuramente  substituir os seres humanos, pois o sofisticação da inteligência artificial está tão rápida que fará com que os humanos percam o controle sobre elas. Segundo Gray, a substituição da humanidade pelas máquinas é um fato curioso e um cenário inédito, pois o ser humano se viria empobrecido e tentará lutar por sua sobrevivência contra um inimigo que ele mesmo criou. Gray cita aqueles que têm medo de que as máquinas se tornem conscientes, e temem pelo simples fato de pensar que a consciência é a característica mais preciosa que o ser humano pode ter.  Segundo Gray, as máquinas não só adquirirão consciência, como também, tornar-se-ão seres espirituais, por uma vida interior não mais contida pelo pensamento consciente do que dos seres humanos. As máquinas adquirirão autoconsciência e com isso cometerão erros a cairão na ilusão.
                Gray afirma que com a criação de novas tecnologias, automaticamente, se criarão novas linguagens, e em consequência, fará com que as linguagens artificiais das máquinas passarão a ser linguagens naturais. Máquinas conversarão com máquinas e com o próprio humano, e será uma linguagem que ninguém compreende completamente e é uma linguagem não menos rica e confusa que a dos humanos.
                Para o filósofo esse futuro não está distante, à medida que as máquinas ficam cada vez mais sofisticadas, será maior a semelhança das máquinas com o homem, pois a consciência pode ser a característica humana que as máquinas poderão, mais facilmente, reproduzir.
                                  clip_image007
                Gray afirma que a invenção do mundo digital foi como uma extensão da consciência humana, só que transcendeu. Para Gray está nascendo uma nova selva virtual que nunca compensará a perda da selva natural que os seres humanos estão destruindo rapidamente, mas pode-se comparar a esta por ser passível de ser entendida por eles. Nas palavras de Gray, essa nova selva virtual é um caminho que leva além dos limites do mundo dos seres humanos.
clip_image009Gray cita a afirmação de Bill Joy (1954 -  ) que é um cientista da computação, um dos arquitetos dos microprocessadores:
“Agora, com a possibilidade de termos computadores no nível de humanos em cerca de trinta anos, uma nova ideia se apresenta: que posso estar trabalhando para criar ferramentas que possibilitem a construção da tecnologia capaz de substituir nossa espécie. Como me sinto a esse respeito? Muito desconfortável.”
                                                                                                    Trad. Maria Lucia de Oliveira

clip_image011Na visão de Gray conforme as máquinas vão se sofisticando, elas possuirão uma alma, e isto se deve ao fato de usar uma forma de se comunicar que antecede em muito a religião, citando a cristã. Gray cita a afirmação do filósofo e poeta espanhol George Santayana (1863-1952):
“O próprio espírito não é humano; ele pode surgir em qualquer vida; pode separar-se de qualquer provincianismo; assim como existe em  todas as nações e religiões, também pode existir em todos os animais, e não se sabe se em muitos seres nos quais nem sonhamos e no meio de quais mundos.”
Trad. Maria Lucia de Oliveira

                Na modernidade, às dificuldades oriundas da nova tecnologia, faz com que milhares de pessoas fiquem desempregadas, ocasionando uma crise mundial sem rumo, e catastroficamente sem nenhuma solução de emergência, mostrando que as próximas décadas, o número de pessoas desempregadas por causa da robotização será espantosa. 
 No dia 08 de agosto desse ano, deparei-me com a notícia que está repercutindo no mundo inteiro, sobre a crise da União Européia, crise essa que não é nenhuma novidade e o destaque dessa vez foi a Grécia que, cada vez mais, afunda-se numa crise de proporções devastadoras, e o que me chamou a atenção nessa notícia, foi o fato do número de jovens  desempregados nesse país, chegando a um número espantoso de 65% dessa faixa etária, deixando os governantes desesperados e o pior, sem nenhuma solução para resolver essa “tsunami”, digamos assim, num curto ou num longo prazo.  Frutos de um mundo cheio de tecnologias que não para de crescer.
clip_image012 A queda de braço entre máquinas e humanos está apenas começando, e se, continuarmos assim, o que podemos esperar do futuro? Até onde chegará a sofisticação das máquinas? Será que um dia a tecnologia terá de ser freada para que a humanidade não entre em colapso? A humanidade terá um futuro promissor, fantástico e fora do normal? Ou será que o futuro da humanidade vai ser um desastre?  Perguntas essas difíceis de responder e mostram-nos um futuro inserto. E deixo para vocês, caros leitores, tirarem suas próprias conclusões.

Créditos:
GRAY, John. Cachorros de Palha. Trad. Maria Lucia de Oliveira. 2ª Edição, Rio de Janeiro, Editora Record,  2006.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Crítica à vivissecção Parte II

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por Leandro Morena

clip_image002O filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860) foi um crítico severo na questão da prática da vivissecção. Para ele essa prática tem por objetivo causar sofrimento nos animais, pois é puramente cruel e ilógica. Schopenhauer critica os biólogos alemães de sua época, pois tratavam os animais com crueldade, com a finalidade de resolver questões de caráter inútil, questões essas, que muitas vezes a solução encontra-se nos livros; e ele ainda afirma que esses biólogos são preguiçosos por não lerem tais livros. 

 Na época de Schopenhauer, foi muito comum cientistas, filósofos, médicos e teólogos praticarem experiências com os animais, pois essas experiências soavam como um status, mesmo se essas teorias funestas elaboradas por eles não causassem nenhum progresso, eram aplaudidos e elogiados.

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            Schopenhauer cita alguns exemplos da crueldade praticada com os animais por intelectuais da época.  Um dos casos de crueldade com os animais narrada por Schopenhauer foi o episódio do professor Ludwing Fick (1813-1858), que foi um professor de anatomia na Universidade de Marburg, e na sua obra “Causas das formações ósseas” de 1857, o próprio relatou que praticou a extirpação nos globos oculares de animais filhotes com a única finalidade de comprovar que a cavidade deixada por tal prática faz com que os ossos comecem crescer cobrindo essas cavidades. Noutro exemplo, do mesmo patamar do primeiro e não menos tétrico, foi a experiência absurda feita pelo barão Ernst von Bibra (1806-1878), um naturalista alemão, que afirmara, numa de suas palestras, que fez com que uma dupla de coelhos viessem a morrer de fome, e fez tal prática, apenas para concluir, simplesmente, que os componentes químicos existentes no cérebro desses animais sofreram uma modificação proporcional devido à morte pela clip_image006falta de alimentação; o filósofo afirma ter sido essa uma experiência fútil e faz uma crítica severa ao barão, afirmando: para que o barão deixou os pobres animais ficarem presos e famintos para sofrer dessa maneira? O filósofo afirma que existem outros caminhos e métodos que podem ser pesquisados e não precisam sentenciar os animais à crudelíssima prática, como fez Von Bibra, que por sua vez, tem muito que ler e aprender nos livros.

 

Schopenhauer termina a crítica afirmando:

  Ninguém que ainda não conheça nem saiba tudo o que está contido nos livros sobre a circunstancia a ser pesquisada tem o direito de praticar vivissecção!

                                                                                 Trad.: E. Brandão e K. Jannini

No mundo contemporâneo não mudou muito esse pensamento científico, continua-se com essa prática cruel, pois muitos cientistas afirmam que se não fossem as pesquisas da experimentação animal, não se teriam conseguido avanços contra enfermidades que acabrunham os seres humanos. Os cientistas lutam há décadas para descobrir uma cura contra muitas doenças, e muitos animais indefesos passam por sofrimentos até que cheguem a óbito, mas sabemos que muitas vezes as pesquisas são fracassadas e não chega a nenhuma conclusão positiva, sentenciando milhares de animais à morte, como se fossem objetos de descarte, sem que tenham o direito de viver.

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Créditos:

SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de insultar. Organização e ensaio: Franco Volpi.

Tradução: Eduardo Brandão e Karina Jannini. São Paulo, Martins Fontes, 2005.

 

 

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Da não cidadania ateniense

por Osvaldo Duarte

Em outro texto (A cidadania ateniense), trouxemos à luz o cidadão ateniense, cumpre-nos agora mostrar o outro lado, isto é, as pessoas que não possuíam o título de cidadão: as mulheres, os metecos, os escravos e os libertos.

mulher

As mulheres

Embora desprovidas do direito de cidadania em Atenas, onde apenas homens (cidadãos) partilhavam entre si o poder decisório das questões atinentes à cidade, as mulheres tinham papel preponderante, era através delas que se transmitia a cidadania, pois, como já dissemos*, para ser cidadão na época de Péricles, tinha de ter pai cidadão e mãe ateniense. O casamento legítimo, o único reconhecido como tal, só acontecia entre o cidadão e a filha de outro cidadão.

O estado matrimonial reconhece-se à que procriou, à que apresentou os seus filhos à frátria e ao demo, as que dão as próprias filhas em casamento. As cortesãs, têmo-las para o prazer; as concubinas para os cuidados do dia-a-dia; as esposas para ter uma descendência legítima e ser uma fiel guardiã do lar.

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Os metecos

Estrangeiros domiciliados na cidade, os metecos, deveriam registrar a sua inscrição no demo[1] para obter seu estatuto pessoal. Era vedado aos metecos a propriedade fundiária, o casamento misto e ter descendentes cidadãos.

Como pessoa, a justiça os protegia menos do que os cidadãos, o que não acontecia com os seus bens. Pagavam impostos ordinários e, em alguns casos, as liturgias[2] (consoante a sua fortuna), e a taxa de residência.

Os metecos instalavam-se onde desejavam e tinham liberdade de culto. Serviam no exército como hoplitas[3], ou na marinha como remadores ou marinheiros.

Havia na cidade, aqueles que não tinham uma ocupação, esses estavam fadados à miséria; mas grande parte dos metecos, pobres e ricos, tinha trabalho regular.

Os metecos atuavam na indústria e no comércio. Era comum também, encontrar metecos cabeleireiros e almocreves. A liberdade comercial era quase absoluta; em Atenas, era exigido dos estrangeiros o pagamento de uma taxa para exercerem o comércio. A exploração do subsolo era a única empresa que não estava nas mãos dos metecos, pois não podiam ter propriedade fundiária; nesse ramo de negócio, geralmente os escravos trabalhavam nas minas, e os concessionários eram os cidadãos. Os metecos desprezavam essa tarefa por considerá-la humilhante e penosa.

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Os escravos

Para os gregos era inconcebível uma sociedade sem escravos O cidadão destinava a sua força e inteligência nos interesses da cidade. Com efeito, para o exercício da cidadania, o ateniense deveria estar livre das ocupações domésticas e dos trabalhos manuais. A servidão era um processo natural, legítimo e necessário para a sobrevivência duradoura de uma sociedade. Os escravos natos existiam, eram os bárbaros.

A condição servil em Atenas era considerada melhor do que a miséria extrema como muitos que viviam à margem da cidade. Os escravos eram alimentados pelos seus senhores e providos do mínimo indispensável à vida humana. Alguns historiadores asseguram, com base em pinturas dos vasos e outras fontes,  que não era incomum a amizade entre senhor e servo. Asseveram-nos ainda, que muitos escravos eram inteligentes e homens dignos, fazendo com que os cidadãos soubessem distinguir entre a condição servil e a pessoa. O escravo que conseguia a sua emancipação tornava-se meteco.

A condição servil tinha três origens: O nascimento, a guerra e a condenação em julgamento. A maioria dos escravos provinha da guerra.

 

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Os libertos

Dos diversos modos de manumissão, o mais comum era a obtenção da liberdade através de resgate. E senhor não era obrigado a aceitar o resgate oferecido diretamente pelo escravo, era necessário conquistar a sua benevolência, ou então oferecer uma soma que lhe despertasse o interesse. Geralmente utilizava-se um terceiro na transação, ou seja, o escravo entregava o valor a um terceiro que o comprava do senhor e depois concedia a sua liberdade.

Os libertos, na condição de meteco, geralmente viviam do trabalho no comércio ou na indústria. Era possível encontrar liberto tanto cozinheiro quanto banqueiro. Moravam nos arredores da cidade, nos bairros mais afastados.

* Veja o textoA cidadania ateniense”.

 


1 - Demos eram as divisões territoriais -administrativas .

2 - Despesas públicas destinadas aos mais ricos.

3 - Hoplitas – infantaria pesada.

 

Créditos:

 

CROISET, A. As Democracias Antigas. Rio de Janeiro, Livraria Garnier, 1923.

GLOTZ, Gustavo. História Econômica da Grécia. Lisboa, Edições Cosmos, 1973.

KITTO, H. D. F. Os gregos. Coimbra, Armênio Amado, Editor, Sucessor, 1960.

MOSSÉ, Claude. O Cidadão na Grécia Antiga. Lisboa, Edições 70, 1999.

domingo, 2 de junho de 2013

Eudaimonía, a Felicidade Grega

por Osvaldo Duarte

 

 

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O que entendemos hoje por felicidade (eudaimonía) é bem diverso do que os antigos gregos a entendiam como tal. Com efeito, a felicidade para nós hoje é apenas um decalque do que era a felicidade para os gregos. O conceito grego de felicidade, ao menos para os filósofos, estava ligado ao conceito de virtude ou excelência (aretê).

 

Demócrito servia-se de vários termos para designar a felicidade, sendo que para ele, felicidade era algo interno, da alma, e não se encontrava na posse de bens materiais:

 

A felicidade e a infelicidade são fenômenos psicológicos.

 

A felicidade não consiste na posse, nem de rebanhos, nem de ouro, porque a causa da felicidade reside na alma.

 

As forças físicas e as riquezas não dão a felicidade, que só é dada pelo caráter e pela sabedoria.

                                                                                                 Trad. P. Gomes

 

Para Platão, ser feliz é viver bem e ser justo.

 

Logo, a alma justa e o homem justo viverão bem, e o injusto mal.

Mas sem dúvida o que vive bem é feliz e venturoso, o que não vive bem, inversamente.

Logo, o homem justo é feliz, e o injusto é desgraçado.

Contudo, não há vantagem em ser desgraçado, mas sim em ser feliz.

                                                                                                                         Trad. M.H.R.Pereira

 

... para os deuses a vida mais agradável * é também a mais justa.

                                                                                                                              Trad. C.A.Nunes

 

 

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Aristóteles considerava a felicidade como  excelência  da ação contemplativa.

A felicidade como fim último de todas as ações humanas, e tem como sentido “o melhor de tudo”. A felicidade é o supremo bem prático.

 

O estagirita distribui os bens em três classes, a saber:

Bens exteriores, por outro lado, os bens que dizem respeito à alma humana e, por último, os do corpo próprio.

 

Os bens que concernem à alma humana são os mais autênticos e os mais extremos. Mas a felicidade são as ações e o exercício das atividades concernentes à alma humana. Quem é feliz vive bem e age bem.

 

A felicidade é então o bem supremo, o que há de mais esplendoroso e o que dá um prazer extremo.

 

A felicidade é uma atividade de acordo com a excelência e da melhor parte do humano, essa atividade é, segundo Aristóteles, contemplativa.

 

 

Nós pensamos também que a felicidade tem de estar misturada com o prazer, porque a mais agradável de todas as atividades que se produzem de acordo com a excelência é unanimemente aclamada como a que existe de acordo com a sabedoria. Parece, então, pois que a filosofia possui a possibilidade de prazer mais maravilhosa que há em pureza e estabilidade...

 

Enquanto humanos, temos necessidades vitais, mas uma vez suprida essas  necessidades, o sábio se volta para a contemplação, o que possibilita a sua independência auto-suficiente.

 

O sábio é capaz de criar uma situação contemplativa sozinho apenas a partir de si próprio e em si próprio, e quanto mais sábio for mais facilmente o consegue fazer.

                                                                                                                      Trad. A. C. Caeiro

 

 

Léon Robin define a felicidade grega como algo parecido com a “boa sorte” atribuída por uma graça divina; há um daimon que acompanha homem grego por toda vida como guardião da sua sorte, seguindo-o até o Juízo.

Platão, na República, recupera, em parte,  este mito através de Er.

Para os gregos, a felicidade se dava numa completa realização da natureza humana. A essência da moralidade como fim último tanto na obtenção como na manutenção da felicidade.

 

 

* Agradável entenda como feliz.

 

 

Créditos

 

ARISTÓTELES, Ética a Nicómano. Trad. António de Castro Caeiro. Lisboa: Quetzal Editores, 2012.

PLATÃO. A República. Trad. Maria H. da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.

             . Leis, vol. XII-XIII. Trad. Carlos Alberto Nunes. Pará, Universidade Federal do Pará, 1980.

ROBIN, L., A Moral Antiga. Porto: Edições Despertar, [19??]