Do conjunto dos hinos homéricos, um dos mais antigos é o Hino a Deméter, cuja composição data por volta do séc. VII. Embora este hino seja de autoria desconhecida, é considerado homérico pelo seu gênero épico, isto é, pertence ao conjunto de hinos dedicados a deuses e a heróis.
O Hino a Deméter está diretamente relacionado à origem Mistérios Eleusinos e narra a procura de uma mãe desolada pela filha desaparecida.
Perséfone, de pés finos, foi raptada por Aidoneu (Plutão), quando brincava, mas somente Hélio, que tudo vê, sabia do acontecimento. Deméter de gládio de ouro e de belos frutos, andou errante pela terra durante nove dias com tochas acesas nas mãos, sem comer ambrósia e sem beber néctar e nem o seu corpo banhava, apenas dedicava-se à busca da sua filha. Aflita, ao décimo dia procura Hélio que tudo lhe revela.
“Hélio, respeita, ao menos tu, a deusa que sou, se um dia, com palavras e ações teu coração e espírito alegrei, da filha que gerei, doce rebento, famosa pela beleza, ouvi a voz lancinante através do éter estéril, como se tivesse sido coagida, mas nada vi com meus olhos. Mas tu, que toda terra e todo mar, desde o divino éter, olhas com teus raios luminosos, com sinceridade, conta-me se em algum lugar viste, quem, deus ou homem mortal, partiu, tendo para longe de mim arrebatado minha filha, sem que ela quisesse e com violência”.
“Filha de Rea de belos cabelos, soberana Deméter, tu o saberás. Sinto muito respeito e piedade por ti, que sofres por causa de tua filha de pés finos. Nenhum dos imortais é responsável, a não ser Zeus, acumulador de nuvens, que deu a Hades, seu próprio irmão, para que fosse chamada sua esposa forescente, ele a raptou e em seus cavalos a conduziu às brumosas regiões inferiores, apesar de seus fortes gritos”.
Irada, Deméter afasta-se do Olimpo e, disfarçada de velha senhora chamada Doso chega a Elêusis, onde as filhas de Celeu de Elêusis a convidam para ser ama de Demofonte, filho de Metanira, cuja missão aceitou. Ao entrar no palácio, sentou-se em um banquinho, permaneceu em silêncio e com o rosto coberto por véu; mas s criada Iambé a fez rir com gracejos obscenos. A deusa não aceitando uma taça de vinho oferecida por Metanira, apenas pediu uma mistura de farinha e água com poejo tenro (kukeôn).
“Salve, ó mulher! Penso, de fato, que não nascestes de pais comuns, mas nobres, brilha em teus olhos dignidade e graça, como no olhar de reis justiceiros. O que os deuses enviam, apesar de nossa dor, é forçoso que nós homens soframos, pois seu jugo se assenta sobre nossa nuca. Mas agora que vieste aqui, está a tua disposição tudo que é meu: cria-me esta criança, filho tardio e inesperado, muito implorado por minhas preces e que os imortais me deram...”.
“Eu te saúdo também, mulher, que os deuses te concedam bens. De boa vontade me encarregarei desta criança, como me pedes; eu a criarei; não creio que, por imprudência de nutriz, algum sortilégio bebida mágica a perturbará, pois conheço um remédio bem mais forte que os vermes, conheço um bom recurso contra sortilégio maléficos”.
A criança crescia parecida com um deus, pois, Deméter tinha a intenção de torná-lo imortal. Certa noite, Metanira descobriu seu filho em meio às brasas e lamentou-se, a deusa então exclamou:
“Homens ignaros, insensatos, incapazes de discernir o que de bom ou mau o destino lhe reserva!”
Demofonte já não pôde ser imortal.
Então Deméter aparece em todo seu esplendor e ordena que lhe seja construído um grande templo e, sob ele, um altar. Após a construção do templo, ela em pessoa ensinará seus ritos aos mortais, deixando em seguida o palácio recolhendo-se ao interior do templo e provoca uma terrível seca, escondendo as sementes no chão. Zeus, incomodado com ausência da grande deusa, pede a Plutão que devolva Perséfone, Hades aquiesceu-se:
“Vai, Perséfone, para junto de tua mãe de peplo negro, no peito conservando benevolente teu espírito e teu coração, e não te atemorizes excessivamente em vão. Entre os imortais não serei um esposo indigno de ti. Sou irmão de Zeus Pai. Aqui, quando estiveres, reinarás sobre todos os que vivem e se movem e terás maiores honras entre os imortais. Entre os que te houverem injuriado, receberão punição para sempre os que não tornarem favorável teu espírito com sacrifícios, oferecendo-os com pureza, fazendo-te oferendas apropriadas”.
Mas Aidoneu deu-lhe de comer uma romã, um grão doce como mel, e autorizou a sua volta.
Ao ingerir a romã, foi determinado que ela retornasse a região inferior da terra por um período de quatro meses durante ano e, os outros dois terços do ano, deveria viver entre os imortais junto de sua mãe.
Deméter antes de regressar ao Olimpo, ensinou todos os Mistérios a Triptólemo, Diocles, Eumolpo e Celeu.
Os Mistérios de Elêusis
As escavações em Elêusis foram encerradas sem qualquer achado, tabuinha em Linear B ou até em grego que pudesse lançar luzes sobre esta manifestação religiosa, cujos Mistérios foram celebrados por quase dois milênios, sucumbindo apenas ao Cristianismo que destruiu seu santuário.
Todos os atenienses era iniciados nos Mistérios, inclusive mulheres e escravos, depois foram admitidos outros gregos e, por último, os romanos inclusive o imperador Antonio Pio.
Do pouco que sabemos, para ser aceito, uma das condições era saber grego (para entender as partes essenciais do ritual), e estar livre de crime de homicídio.
Sua origem já foi atribuída aos egípcios, mas não foi encontrado nas escavações qualquer artefato daquela região; outros propuseram a proveniência cretense; mas no telesterion (sala de iniciação) é micénica, e não minóica. Outros acreditaram que é procedente da Tessália ou Trácia, mas ainda é uma questão non liquet. Com base nos dados literários, não poderíamos recuar além do séc. VII, data da composição do hino homérico a Deméter, como vimos acima, mas parece que Elêusis foi colonizada por volta de 1580-1500 a .C..
Segundo Isócrates, no Panegírico, Deméter concedeu aos atenienses dois grandes benefícios: a agricultura e os Mistérios com as suas esperanças mais doces quanto ao termo da sua vida e toda a eternidade, sendo que os atenienses transmitiram aos outros.
A natureza do culto é agrária, destina-se a propiciar a fertilidade com auxílio das duas deusas: Deméter e Perséfone. O rito era algo muito sigiloso, pois os sacros Mistérios, que não podem transgredir e nem divulgar: “um grande temor dos deuses susta a voz”; apenas conhecemos o que se passava no exterior, em Atenas:
Uma vez por ano, entre o final de setembro e começo de outubro, proclamavam as tréguas sagradas para celebrarem os Mistérios. Os objetos sagrados eram levados de Elêusis para Atenas.
No primeiro dia o arconte-rei convocava o povo na Ágora. O povo era advertido que só poderiam seguir adiante os que tinham “mãos limpas e fala inteligível”.
No segundo dia era “mistas, ao mar”, onde os iniciados tomavam um banho ritual no mar.
O terceiro dia era consagrado aos sacrifícios de animais (porcos).
O quarto dia era o da comemoração de Asclépio e sua iniciação.
No quinto dia organizava-se o cortejo para Elêusis: ao passar pela ponte, trocavam gracejos e ditos obscenos, conhecidos por “ponte”, o que segundo alguns, tinham como finalidade apotropaica.
O sexto dia era de descanso, jejuns, purificações e sacrifícios.
A partir daí, os Mistérios eram celebrados no santuário às portas fechadas, o que conhecemos são apenas palavras vagas:
Coisas feitas – provavelmente o rapto de Perséfone.
Coisas mostradas – eram os hiera.
Coisas ditas – Palavras importantes, daí conhecer a língua grega era exigência para a iniciação.
O hierofante aparecia com suas vestes sacerdotais esplendorosas, banhado de luz maravilhosa, em contraste com a escuridão. Segundo Aristóteles, os iniciados sofriam mais do que aprendiam, isto é, que a experiência era mais emocional do que intelectual.
Clemente de Alexandria nos dá uma pista, uma fórmula secreta, o súnthêma, palavra de ordem dos mistas, que utilizavam na iniciação:
“Eu fiz jejum, bebi kukeôn; tomei do cesto, depois de tê-lo manuseado, coloquei dentro da corbelha; em seguida, tornando a pegara corbelha, recoloquei-a no cesto”.
Assim, nos diz Eliade:
“Seu prestígio ímpar acabou por fazer de Elêusis um símbolo da religiosidade pagã. O incêndio do santuário e a supressão dos mistérios assinalam o fim “oficial” do paganismo. O que, aliás, absolutamente não traz como conseqüência o desaparecimento do paganismo, mas apenas a sua ocultação. Quanto ao segredo de Elêusis, ele continua a desafiar a imaginação dos pesquisadores”.
Créditos
ELIADE, Mircea. História das Crenças e Ideias Religiosas – da idade da pedra aos mistérios eleusis. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 2010.
Daisi Malhadas & Sílvia M.S. Carvalho, O Hino homérico a Deméter e os mistérios eleusinos, Cadernos de Ensaio e Literatura, São Paulo, 1978.
M.H. Rocha Pereira, Estudos de História da Cultura Clássica, vol. I Cultura Grega, Lisboa, 1980.
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