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Pansophia

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domingo, 27 de dezembro de 2015

RACISMO AO EXTREMO



por  Leandro Morena

                                   

Ao longo dos séculos o corpo humano sempre despertou a curiosidade do homem. Na história da medicina, desde a Grécia antiga o médico Hipócrates (460 a.C .-377 a.C.) já debruçava-se para entender a anatomia do corpo humano e dedicava-se aos estudos das epidemias. Foi Hipócrates quem criou o juramento dos médicos que vigora até os dias atuais. O filósofo francês René Descartes (1596-1650) afirmava em seu pensamento de que o corpo humano é uma máquina perfeita e movimenta-se através de engrenagens, além disso, o pensamento cartesiano elaborou alguns escritos de medicina entre eles a descrição da circulação do sangue. Quando a anatomia humana começou intensificar-se, a medicina voltava-se para descobrir a causa das enfermidades. Muitas vezes seres humanos foram colocados a mercê de testes para descobrir vacinas e drogas que poderiam ajudar a combater tais enfermidades. É lógico que leis internacionais obrigaram os cientistas praticar experimentação em seres humanos somente com o consentimento do próprio voluntário, pois uma pesquisa experimental precisa em primeiro lugar ser ética. Diferentemente disso, é um processo criminoso, colocar a vida do indivíduo em risco sem que o próprio saiba do que se trata. Um exemplo criminoso disso foi os experimentos nazistas em seres humanos que levou a mortandade de milhares de vítimas. 




Os voluntários de um determinado experimento têm a compreensão total e uma visão detalhada do que vai ocorrer no processo de experimentação. E o que se leva em conta com o voluntário é que não possua problemas psicológicos, que sejam voluntários não por receberem algum tipo de gratificação ou promessas e que não foram coagidos ou obrigados a exporem-se e tenham a compreensão de que nem sempre a experimentação pode ser benéfica a eles. Muitas vezes esses voluntários são precursores do bom desenvolvimento de uma vacina ou remédio, lembrando muito a corrente filosófica do utilitarismo, que o sacrifício de poucos é necessário para o bem estar da maior parte das pessoas. A medicina deu grandes passos, pois descobriu vacinas que erradicaram epidemias e remédios que ajudaram no controle de doenças fazendo com que o ser humano tenha uma vida melhor e longínqua.
Um exemplo contemporâneo de experimentos em voluntários é a futura vacina contra a dengue que está sendo elaborada no Brasil e muitos voluntários estão cadastrados e já estão participando das pesquisas, tudo sendo seguido com o código de ética e tudo conforme a lei determina. Respeitar as pessoas é baseado no pensamento do filósofo Kant (1724-1804) que afirmara  que o homem é um fim em si mesmo e não um meio.
Infelizmente a experimentação em seres humanos também teve seus abusos na trajetória da história. Como afirma o filósofo Nietzsche (1844-1900): “humanos demasiados humanos” existem pesquisadores que romperam com a conduta ética e passaram a exercer e cometer atos ilícitos e esses demasiados humanos praticaram malefícios contra pessoas inocentes.
Os EUA nunca foi um país modelo a se seguir na questão do racismo, pois até os dias de hoje os noticiários vem mostrando episódios de preconceitos e racismo puro, ou contra afrodescendentes, ou contra latinos, ou contra muçulmanos e por aí vai. E na experimentação com seres humanos, esse país foi alvo de um dos maiores escândalos no campo da medicina.
Mesmo antes de ser descoberta a penicilina, a doença sífilis era tratada com drogas que eram injetadas nos pacientes, essas drogas continham metais pesados o que já não é um bom sinal mesmo aos olhos dos leigos em medicina. Essa droga diminuía a morbidade dos pacientes tratados com ela, mas os médicos observaram que os pacientes tinham muitas complicações, pois os experimentadores achavam que fossem complicações da própria doença, mas com o tempo  começou-se a suspeita de que essas complicações poderiam ser da própria droga  injetada nos doentes.


                

Os pesquisadores para entenderem mais o problema dessa droga, resolveram levantar uma nova pesquisa para entender mais o problema dessa doença. Para tais experimentos, a cidade de Tukesgee, localizada no Estado do Alabama foi à escolhida para a experimentação em seres humanos. Os procedimentos éticos foram esquecidos e o preconceito racial e social falou mais alto. As pessoas escolhidas para essa experimentação eram pessoas do campo e paupérrimas, negros (chamo a atenção do leitor que não usarei aqui o termo afrodescendente e sim negro para que o leitor seja induzido a sentir profundamente como esse episódio foi algo de racismo no mais alto grau) A experiência foi da seguinte maneira:  408 pessoas desse grupo que continham a doença simplesmente não foram tratados e outros 192 pacientes, se é que podemos chamar de pacientes e sim o termo apropriado nessa ocasião é cobaia, que não continham a doença, foram usados como tipo de um controle, para ver se esses não sifilíticos poderiam ficar doentes. Todas essas pessoas não sabiam que iriam fazer parte de um experimento  o que torna o crime de proporções  gravíssimas, pois além de  não saberem que eram apenas  cobaias o que fere a ética médica, o racismo fica bem evidenciado.  Não bastasse todos esses crimes, ainda as pessoas foram enganadas pelos experimentadores, pois esses alegaram a elas de que se tratava de um tratamento especial gratuito, e logicamente na inocência dessas pessoas que já sofriam com o preconceito  do racismo no dia a dia, além do descaso do governo, qualquer ato “benéfico”  que lhes fosse oferecido era bem vindo.
A experimentação, ou a carnificina começou no ano de 1932 e era para durar apenas 9 meses e o objetivo inicial foi observar o andamento da doença, mas não foi assim. Os “pesquisadores”  chegaram a dedução ridícula de que os pacientes não tratados com aquela droga tinham maior índice de morbidade e mortandade do que os pacientes  não sifilíticos, e mesmo depois da descoberta da penicilina em 1947, esses pacientes continuavam sem tratamento, apenas observados e lhes foi negado o tratamento inovador que poderia curar e minimizar o sofrimento deles e ainda eram impedidos de procurar outros tratamentos, pois os experimentadores alegavam as vítimas que estas possuíam “sangue ruim”. No ano de 1954 foi publicado um artigo que reforçava essa descoberta,  que a mortalidade dos pacientes sifilíticos não tratados era bem maior do que os não sifilíticos. Muitos morreram, muitas esposas desses pacientes contraíram a doença e muitas crianças nasceram com a doença. Esses criminosos continuaram com esses testes até o ano de 1972, pois nesse mesmo ano um jovem jornalista denunciou o caso que veio a tona na imprensa.  E depois de 40 anos essas experimentações foram suspensas. O leitor deve perguntar-se como levou 40 anos esses experimentos sem que nenhuma autoridade ou nenhum conselho de medicina no país soubessem desses crimes? Imaginem se o repórter não tivesse denunciado? E terrivelmente essas pesquisas foram financiadas pelo Serviço de Saúde Pública dos EUA o que nos leva a crer que eles sabiam desses crimes. Ao longo dos anos, algumas das vítimas que sobreviveram a essa carnificina e descendentes dos mortos, receberam indenizações e pedido de desculpas do governo, mas esse episódio jamais será apagado da história da medicina que envergonhou as pesquisas cientificas que trabalham seriamente e respeitam a ética em suas pesquisas. Tantas foram as vitimas dessas experimentações que o governo americano viu-se acuado e resolveu criar um serviço de proteção de pesquisa humana e leis mais duras para proteger pessoas que se envolvam em experimentos científicos.
Fica bem nítido aqui o racismo ao extremo, por isso o título do artigo, e o preconceito por serem pessoas pobres. Vou alcunhar esse caso como “O pequeno campo de concentração”, e o pior num país democrático. As pessoas que foram vitimas dessa experimentação passaram da condição de sujeito para a condição de objeto, coisa. Não se levou  em conta que são seres humanos possuidores de razão e de sentimentos que apenas queriam ter o direito de viver bem. Acredito que esse caso soará como algo inédito para muitos dos leitores.

Créditos/ obras Consultadas:

VIEIRA, Sônia e HOSSNE, William Saad. Experimentação com seres humanos. Editora Moderna 2º Ed. São Paulo, 1987;

NOGUEIRA, Salvador. Ciência Proibida. Editora Abril, São Paulo, 2015.