por Leandro
Morena
Ao longo dos séculos o corpo humano sempre despertou a curiosidade do
homem. Na história da medicina, desde a Grécia antiga o médico Hipócrates (460
a.C .-377 a.C.) já debruçava-se para entender a anatomia do corpo humano e
dedicava-se aos estudos das epidemias. Foi Hipócrates quem criou o juramento
dos médicos que vigora até os dias atuais. O filósofo francês René Descartes
(1596-1650) afirmava em seu pensamento de que o corpo humano é uma máquina
perfeita e movimenta-se através de engrenagens, além disso, o pensamento
cartesiano elaborou alguns escritos de medicina entre eles a descrição da
circulação do sangue. Quando a anatomia humana começou intensificar-se, a
medicina voltava-se para descobrir a causa das enfermidades. Muitas vezes seres
humanos foram colocados a mercê de testes para descobrir vacinas e drogas que
poderiam ajudar a combater tais enfermidades. É lógico que leis internacionais
obrigaram os cientistas praticar experimentação em seres humanos somente com o
consentimento do próprio voluntário, pois uma pesquisa experimental precisa em
primeiro lugar ser ética. Diferentemente disso, é um processo criminoso,
colocar a vida do indivíduo em risco sem que o próprio saiba do que se trata. Um
exemplo criminoso disso foi os experimentos nazistas em seres humanos que levou
a mortandade de milhares de vítimas.
Os voluntários de um determinado experimento têm a compreensão total e
uma visão detalhada do que vai ocorrer no processo de experimentação. E o que
se leva em conta com o voluntário é que não possua problemas psicológicos, que sejam
voluntários não por receberem algum tipo de gratificação ou promessas e que não
foram coagidos ou obrigados a exporem-se e tenham a compreensão de que nem
sempre a experimentação pode ser benéfica a eles. Muitas vezes esses
voluntários são precursores do bom desenvolvimento de uma vacina ou remédio,
lembrando muito a corrente filosófica do utilitarismo, que o sacrifício de
poucos é necessário para o bem estar da maior parte das pessoas. A medicina deu
grandes passos, pois descobriu vacinas que erradicaram epidemias e remédios que
ajudaram no controle de doenças fazendo com que o ser humano tenha uma vida
melhor e longínqua.
Um exemplo contemporâneo de experimentos em voluntários é a futura vacina
contra a dengue que está sendo elaborada no Brasil e muitos voluntários estão
cadastrados e já estão participando das pesquisas, tudo sendo seguido com o
código de ética e tudo conforme a lei determina. Respeitar as pessoas é baseado
no pensamento do filósofo Kant (1724-1804) que afirmara que o homem é um fim em si mesmo e não um
meio.
Infelizmente a experimentação em seres humanos também teve seus abusos na
trajetória da história. Como afirma o filósofo Nietzsche (1844-1900): “humanos
demasiados humanos” existem pesquisadores que romperam com a conduta ética e
passaram a exercer e cometer atos ilícitos e esses demasiados humanos praticaram
malefícios contra pessoas inocentes.
Os EUA nunca foi um país modelo a se seguir na questão do racismo, pois
até os dias de hoje os noticiários vem mostrando episódios de preconceitos e
racismo puro, ou contra afrodescendentes, ou contra latinos, ou contra muçulmanos
e por aí vai. E na experimentação com seres humanos, esse país foi alvo de um dos
maiores escândalos no campo da medicina.
Mesmo antes de ser descoberta a penicilina, a doença sífilis era tratada
com drogas que eram injetadas nos pacientes, essas drogas continham metais
pesados o que já não é um bom sinal mesmo aos olhos dos leigos em medicina.
Essa droga diminuía a morbidade dos pacientes tratados com ela, mas os médicos
observaram que os pacientes tinham muitas complicações, pois os
experimentadores achavam que fossem complicações da própria doença, mas com o
tempo começou-se a suspeita de que essas
complicações poderiam ser da própria droga
injetada nos doentes.
Os pesquisadores para entenderem mais o problema dessa droga, resolveram
levantar uma nova pesquisa para entender mais o problema dessa doença. Para
tais experimentos, a cidade de Tukesgee, localizada no Estado do Alabama foi à
escolhida para a experimentação em seres humanos. Os procedimentos éticos foram
esquecidos e o preconceito racial e social falou mais alto. As pessoas
escolhidas para essa experimentação eram pessoas do campo e paupérrimas, negros
(chamo a atenção do leitor que não usarei aqui o termo afrodescendente e sim
negro para que o leitor seja induzido a sentir profundamente como esse episódio
foi algo de racismo no mais alto grau) A experiência foi da seguinte
maneira: 408 pessoas desse grupo que
continham a doença simplesmente não foram tratados e outros 192 pacientes, se é
que podemos chamar de pacientes e sim o termo apropriado nessa ocasião é
cobaia, que não continham a doença, foram usados como tipo de um controle, para
ver se esses não sifilíticos poderiam ficar doentes. Todas essas pessoas não
sabiam que iriam fazer parte de um experimento
o que torna o crime de proporções
gravíssimas, pois além de não
saberem que eram apenas cobaias o que
fere a ética médica, o racismo fica bem evidenciado. Não bastasse todos esses crimes, ainda as
pessoas foram enganadas pelos experimentadores, pois esses alegaram a elas de
que se tratava de um tratamento especial gratuito, e logicamente na inocência
dessas pessoas que já sofriam com o preconceito
do racismo no dia a dia, além do descaso do governo, qualquer ato
“benéfico” que lhes fosse oferecido era
bem vindo.
A experimentação, ou a carnificina começou no ano de 1932 e era para
durar apenas 9 meses e o objetivo inicial foi observar o andamento da doença,
mas não foi assim. Os “pesquisadores” chegaram
a dedução ridícula de que os pacientes não tratados com aquela droga tinham maior
índice de morbidade e mortandade do que os pacientes não sifilíticos, e mesmo depois da descoberta
da penicilina em 1947, esses pacientes continuavam sem tratamento, apenas
observados e lhes foi negado o tratamento inovador que poderia curar e minimizar
o sofrimento deles e ainda eram impedidos de procurar outros tratamentos, pois
os experimentadores alegavam as vítimas que estas possuíam “sangue ruim”. No
ano de 1954 foi publicado um artigo que reforçava essa descoberta, que a mortalidade dos pacientes sifilíticos
não tratados era bem maior do que os não sifilíticos. Muitos morreram, muitas
esposas desses pacientes contraíram a doença e muitas crianças nasceram com a
doença. Esses criminosos continuaram com esses testes até o ano de 1972, pois
nesse mesmo ano um jovem jornalista denunciou o caso que veio a tona na
imprensa. E depois de 40 anos essas
experimentações foram suspensas. O leitor deve perguntar-se como levou 40 anos
esses experimentos sem que nenhuma autoridade ou nenhum conselho de medicina no
país soubessem desses crimes? Imaginem se o repórter não tivesse denunciado? E
terrivelmente essas pesquisas foram financiadas pelo Serviço de Saúde Pública
dos EUA o que nos leva a crer que eles sabiam desses crimes. Ao longo dos anos,
algumas das vítimas que sobreviveram a essa carnificina e descendentes dos
mortos, receberam indenizações e pedido de desculpas do governo, mas esse
episódio jamais será apagado da história da medicina que envergonhou as
pesquisas cientificas que trabalham seriamente e respeitam a ética em suas
pesquisas. Tantas foram as vitimas dessas experimentações que o governo
americano viu-se acuado e resolveu criar um serviço de proteção de pesquisa
humana e leis mais duras para proteger pessoas que se envolvam em experimentos
científicos.
Fica bem nítido aqui o racismo ao extremo, por isso o título do artigo, e
o preconceito por serem pessoas pobres. Vou alcunhar esse caso como “O pequeno
campo de concentração”, e o pior num país democrático. As pessoas que foram
vitimas dessa experimentação passaram da condição de sujeito para a condição de
objeto, coisa. Não se levou em conta que
são seres humanos possuidores de razão e de sentimentos que apenas queriam ter
o direito de viver bem. Acredito que esse caso soará como algo inédito para
muitos dos leitores.
Créditos/ obras
Consultadas:
VIEIRA, Sônia e
HOSSNE, William Saad. Experimentação com seres humanos.
Editora Moderna 2º Ed. São Paulo, 1987;
NOGUEIRA,
Salvador. Ciência Proibida. Editora Abril, São Paulo, 2015.
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