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Pansophia

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domingo, 30 de dezembro de 2012

Carta 58 – Do Ser – Sêneca – 4-65 d.C.

por  Osvaldo Duarte
 
Sêneca, diante da indigência vocabular romana, confessa a sua dificuldade em apreender em latim “o ser” como conceito, restando-lhe apenas o verbo (aquilo que é), assim diz ele:
.
“(...) Maior será a tua condenação da pobreza vocabular romana quando souberes que é uma única sílaba aquilo que não consigo traduzir to on (“o ser”). Posso parecer-te homem de fraco engenho: há um recurso imediato, posso verter esse conceito pela expressão quod est (“aquilo que é”). Mas é evidente a diferença entre as duas: sou obrigado a usar um verbo em vez de um nome. A necessidade obriga, porém, a dizer “aquilo que é”!
 
Para Sêneca, nesta carta 58, Platão servia-se de seis sentidos distintos para designar “o ser”:
 
1º - “O ser” – Pensável: O que não pode ser captado pelos sentidos.
2º - “O ser” – Por excelência: deus – O maior e mais poderoso de todos.
3º - “O ser” – Ideias: O modelo eterno de tudo que existe na natureza.
4º - “O ser” – Eidos: A forma deduzida do modelo.
5º - “O ser” – Existente: Homens, animais, plantas, objetos.
6º - “O ser” – Simulacro da existência: Vazio, tempo.
 
O Ser:
 
“O que vamos procurar em primeiro lugar é aquele gênero primeiro do qual derivam todas as espécies, do qual se origina toda a divisão, no qual tudo está compreendido”.
 
Para explicar “o ser”, valendo-se do conceito aristotélico, o nosso filósofo começa pela definição de espécie e, depois, procura definir o que é gênero.
 
Espécie: Homem, cavalo, cão.
Gênero: Elemento comum à espécie, no caso acima, Animal.
 
Mas há também, seres que têm vida sem serem animais, por exemplo, as plantas e as árvores; portanto, existe um gênero superior que é o Animado. Ainda assim, há seres que carecem de vida, como as pedras, cujo gênero é Inanimado.
 
Com efeito, para o autor da carta, existe um gênero acima dos quais possuem corpos, pois dizemos que algumas coisas são corpóreas e outras incorpóreas, esse gênero primitivo é o que se denomina de forma inadequada: aquilo que é (= o ser). Assim, Sêneca define o gênero mais primitivo, o geral, do qual todas as espécies derivam.
 
Para facilitar a compreensão do que foi dito acima, mostraremos logo mais, através de diagrama, como Sêneca explica o que é “o ser”.
 
 
Créditos:
 
SÊNECA, Cartas Consolatórias, tradução Cleonice Furtado Mendonça Van Raij, Rio de Janeiro, Pontes, 1992.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Carta 58 – Da indigência vocabular – Sêneca – 4 – 65 d.C.

 

por Osvaldo Duarte

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Sêneca, na carta 58, comenta a indigência vocabular à sua época. Com efeito, como se não bastasse a pobreza vocabular - que seria a falta de um vocábulo adequado, muitas palavras caíram em desuso pelo requinte.

Carta 58 (excerto):

“Até que ponto é grande a nossa pobreza, direi mesmo a nossa indigência vocabular, nunca o tinha compreendido tão bem como hoje. Estávamos falando casualmente de Platão: mil noções se nos depararam carentes, mas desprovidas, de um vocábulo apropriado; em contrapartida há muitas outras que tiveram nome, caído em desuso devido ao nosso gosto requintado. Ora, ter gosto requintado no meio da indigência é algo insuportável.”

Créditos

SÊNECA, L. A., Cartas a Lucílio. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Fontes da História da Filosofia – Eudoro de Sousa - 1911-1987



por Osvaldo Duarte

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Dialogar com os antigos é por si mesmo, uma tarefa árdua. Mesmo sendo herdeiros da cultura ocidental, ao debruçarmos sobre uma boa tradução de algum texto grego, a dificuldade que se impõe de imediato é capturar o frescor do seu espírito. Por espírito pretendemos dizer o que cada palavra traduzida conserva do seu significado original ou o próprio texto como um todo. Oxalá pudéssemos ler todos os textos gregos no seu original; diante de tal impossibilidade, contamos com o excelente trabalho de tradução dos textos diretamente do grego de alguns estudiosos.

Num dos exemplares da Revista Brasileira de Filosofia, o professor Eudoro de Sousa, escreveu um artigo sobre a importância das obras serem lidas em grego ou em nossa língua, assim comentou o mestre:

“Aliás, as obras dos filósofos gregos têm de ser lidas por nós, em grego ou em português, porque, in nuce, o idioma é cultura vivente. Não o ignoram os povos que mais ativamente contribuíram para a formação e desenvolvimento da chamada civilização ocidental; e, por isso, não desdenharam muitos dos seus mais ilustres representantes, do ingrato mister de traduzir os “clássicos” da filosofia. Se, por conseguinte, alguma razão nos assiste, a nós, portugueses e brasileiros, para não renunciar ao papel que por ventura nos foi distribuído neste drama da cultura, cujo prólogo, ou ato primeiro, há mais de vinte sáculos subiu à cena no tablado grego, - tenhamo-lo por certo: não é um texto intermediário, francês, inglês, italiano ou alemão, que os escritos dos grandes pensadores da Hélade deverão ser lidos em nossas escolas.”


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Créditos:

Revista Brasileira de Filosofia, Vol. IV – Instituto Brasileiro de Filosofia - SP-1954.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Montaigne contra a crueldade para com os animais

por Leandro Morena

clip_image002O filósofo francês Michel de Montaigne (1533-1592) mostrou-se preocupado com a questão do sofrimento animal, em uma época que estava consolidada a ideia da superioridade do homem perante toda a natureza.
clip_image004 Montaigne rompeu com esse pensamento especista, pensamento este que estava enraizado nas “veias” da filosofia antiga e medieval. Numa determinada passagem da sua obra Ensaios, o filósofo afirmou ser contra o sofrimento animal. Segundo ele, nunca pôde ver uma caça a um animal, pois acreditava ser isso um ato de maldade, pois o indefeso animal não tem como se defender do caçador, e o mesmo fica encurralado e não tem para onde fugir e, esse animal caçado, além de esgotado pela tentativa de fuga, fica com os olhos cheios de lágrimas como se estivesse “pedindo” clemência ao seu “carrasco”. Para Montaigne, ao invés das pessoas ficarem alegres em ver os animais soltos brincarem, elas preferiam vê-los capturados e lutando até a morte.
O pensador afirma com toda a convicção que as pessoas que cometem crueldades com os animais estão mais propensas cometê-las com o próprio ser humano. O pensador cita os espetáculos carniceiros que aconteciam em Roma, lugar este onde foi muito comum a matança de animais. Depois que o povo romano acostumou-se com esse tipo de espetáculo cuja natureza é demasiada crudelíssima, esses espetáculos passariam para lutas de homens e gladiadores.
clip_image006E temos muitos exemplos do mundo contemporâneo que mostram que os espetáculos de crueldade contra os animais causam grande euforia no publico, citando os mais conhecidos: as touradas, a farra do boi, a briga de galos e cachorros e a caça esportiva.
Infelizmente, o pensamento de Montaigne nessa questão não surtiu efeito. Com o advento do mecanicismo cartesiano que viria fundamentar-se na filosofia moderna e colocara em ascensão a experimentação animal, ideologia essa de caráter reducionista especista, fez com que se diminuísse mais ainda a preocupação para com os animais, colocando-os como máquinas frias, que não pensam, não sofrem dor e não são dignas de compaixão.

Créditos
Montaigne, Michel. Ensaios. Os Pensadores. 2.ed. Tradução: Sérgio Milliet. São Paulo, Abril Cultural, 1980.
Foto Montaigne: http://filosofia-j23.blogspot.com.br/2012/07/filosofia-para-o-dia-dia-montaigne-e.html
Foto tourada: http://no220.wordpress.com/2011/09/23

domingo, 18 de novembro de 2012

O Tempo – (Estóicos) – Cícero 106 - 43 a.C.

por Osvaldo Duarte

 

De Natura Deorum (Da Natureza dos Deuses), obra dividida em três livros, no segundo livro, Cícero não só recupera a concepção estóica mítica do tempo, como também, a origem natural do mito que ”humaniza” os deuses tornando-se matéria farta aos poetas, difundindo assim, a superstição entre os homens. Segundo Cícero, esta explicação estóica começa com Zenão, sendo seguido por Cleantes e, mais tarde, com Crisipo.

63. (...) Estendeu-se por toda a Grécia a velha ideia de que o Céu* foi castrado por seu filho Saturno, e o próprio Saturno foi amarrado pelo seu filho Júpiter.

saturno devorando filho

64. Existe uma explicação natural para todas estas fábulas ímpias, embora não pouco complexa. (...) Quis-se também identificar Saturno com a entidade que regula o curso e o ciclo do espaço e do tempo. Aliás o deus grego tem esse mesmo nome: Krónos, que é igual a Chrónos, isto é, ‘Intervalo de Tempo’. Chama-se ‘Saturno’ porque saturat (‘come, se alimenta de’) os anos, e imagina-se que ele costumava comer os filhos nascidos dele próprio, porque o tempo devora o curso dos dias e enche-se insaciavelmente dos anos que passam. Foi amarrado por Júpiter para que assim o curso do tempo se não tornasse descontrolado, e para que pudesse ser controlado pelas amarras das estrelas. Já o próprio nome ‘Júpiter’, isto é, ‘o Pai que ajuda’, quando declinado fica ‘Iovem’, do verbo iuvare (‘ajudar’).

Dizem os poetas que ele é

“o pai dos deuses e dos homens”

e os nossos antepassados dizem que ele é o Melhor e o Maior, e colocam epíteto ‘Melhor’ primeiro porque, realmente, ele é o que mais benefícios traz, e é pois mais digno de reconhecimento ser útil a todos, do que ter muitos recursos.

 

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* Céu (Caelus) – Tradução para o latim do deus grego Úrano.

Créditos

CÍCERO, Marco Túlio. Da Natureza dos Deuses. Trad. Pedro B. Falcão. Lisboa, Nova Vega, 2004.

GRIMAL, Pierre. Dicionário da Mitologia Grega e Romana. Trad. Victor Jabouille. Bertrand Brasil, 2000.

 

domingo, 28 de outubro de 2012

Da Harmonia - Heráclito – 530/20-470/60 a.C.

 

por Osvaldo Duarte

 

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8. Aquilo que se obsta conduz à concordância, e das tendências contrárias provém a mais bela harmonia.

51. Não compreendem como o discorde concorda consigo mesmo: harmonia, reciprocamente tensa, como a do arco e da lira.

54. A harmonia invisível é superior à visível.

80. É preciso saber que Pólemos [a guerra] é comum, e que Dike [o direito*] é Eris [a luta ou discórdia], e que tudo acontece segundo Dike e Chreó [a necessidade].

 

Na obra O Banquete, na fala de Erixímaco (médico), Platão nos ajuda a compreender como a unidade opondo-se a si mesma, produz a harmonia:

“O que ele (Heráclito **), talvez quisesse significar é que a harmonia é formada de notas inicialmente discordantes, agudas e graves, porém deixadas de acordo pela arte da música. Não se concebe que possa surgir harmonia de agudos e graves que continuem a opor-se. Quem diz harmonia, diz consonância, e consonância é uma espécie de acordo, não sendo possível haver combinação de opostos, enquanto se mantêm como tais. De jeito nenhum pode haver harmonia de elementos opostos que não se combinem. A mesma coisa se dá com o ritmo, que provém do rápido e do lento, inicialmente opostos, mas que acabam por ficar de acordo.”

 

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Damião Berge nos faz recordar que tanto o arco como a lira são objetos sagrados, de Ártemis (o arco), e de Apolo (a lira), sendo que na função própria de cada um é que se revela o ser harmonioso; e ainda, a tensão se dá quando são retirados do seu estado habitual, isto é, da sua quietude primitiva.

Esta tensão dos opostos que gera a harmonia, segundo Casertano, encontra-se em todos os aspectos da realidade.

A harmonia significava desde Homero, uma liga, um vínculo que prende em unidade.  Para Heráclito, harmonia significa o equilíbrio, a concórdia.

 

* Costuma-se traduzir por Justiça.

** Grifo nosso.

 

Créditos

BERGE, Damião. O Logos Heraclítico. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1969.

CASERTANO, Giovanni. Os Pré-Socráticos. Trad. Maria da Graça Gomes de Pina. São Paulo, Edições Loyola, 2009.

PLATÃO. Diálogos, O Banquete,, vol. IV. Trad. Carlos Alberto Nunes. Pará: Universidade Federal do Pará, 1980.

 

 

 

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Lobisomem pós-moderno

 

Veio a lume pela editora da gente mais uma obra do poeta Adenildo Lima, desta vez em parceria, se assim podemos dizer, com o poeta Márcio Ahimsa. Trata-se do Lobisomem pós-moderno, a orelha foi escrita pelo filósofo e escritor (contista) Ivanildo de Lima.

No Lobisomem pós-moderno encontramos registros esparsos da vida dos autores que, segundo os mesmos, são poemas livres, soltos, que falam por si.

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Aquisição de exemplares:

http://www.editoradagente.com.br/index.html

atendimento@editoradagente.com.br

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Alma e Corpo - Platão – 427-347 a.C.

por Osvaldo Duarte   moa espelho picasso
Considerando a correção dos nomes, Alma (psychê), é a causa da vida do corpo quando nele está presente, conferindo-lhe a faculdade, o poder de respirar refrescando-a (anapsychô); quando este poder, esta força de refrigeração abandona o corpo, ele perece, chega ao fim, morre. Outra definição, Alma é a natureza do corpo enquanto este vive, circula, se movimenta.
Ainda na correção dos nomes, podemos definir corpo (soma), como túmulo, sepultura da alma. Com efeito, a alma encontra-se enterrada, aprisionada no corpo. É através do corpo que alma se redime das faltas cometidas; o corpo é, pois, receptáculo,  prisão onde a alma é castigada pelos seus erros.
De todos os seres engendrados, a Alma é mais antiga e divina; por ser superior ao corpo, compete a Alma ser boa, justa, temperante e forte, semelhante aos deuses. Sendo imortal, a Alma prestará contas a outras divindades.
A Alma é de todo diferente do corpo; enquanto vivemos é a alma que nos define.
Cabe à alma comandar o corpo, pois, enquanto a alma possui inteligência o corpo carece de entendimento.
O Corpo é um simulacro, a imagem da alma; cabe ao corpo obedecer a alma.
 
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Quando a alma e o corpo se unem, engendram forma única a qual chamamos de animal.
 
  Créditos
PLATÃO. Leis, vol. XII-XIII. Trad. Carlos Alberto Nunes. Pará, Universidade Federal do Pará, 1980.
PLATÃO. Diálogos, vol.I X.. Trad. Carlos Alberto Nunes. Pará, Universidade Federal do Pará, 1973.
PLATÃO. Crátilo. Trad. Maria José Figueiredo. Lisboa, Instituto Piaget, 2001.














domingo, 5 de agosto de 2012

Deus é a medida de todas as coisas - Platão – 427-347 a.C

por Osvaldo Duarte
 
Nas Leis, Platão retoma a velha questão de Protágoras, de que o homem é a medida de todas as coisas. Se no Crátilo Platão encontra-se na aporia, nas Leis caminha pela via da religiosidade.

Crátilo
(...) como ensinava Protágoras, dizendo que “o homem é a medida de todas as coisas” – ou seja, que todas as coisas são para mim tal como me aparecem, e que são para ti tal como te aparecem...
E o que te parece o seguinte? Os muito nobres são muito razoáveis, e os muito vis, muito desrazoáveis?
Nesse caso, parece-me que és inteiramente da seguinte opinião: que, existindo razoabilidade e a desrazoabilidade, é de todo impossível que Protágoras diga a verdade; porque, na verdade, um homem nada poderia ser mais razoável do que outro, se aquilo que cada um opina fosse a verdade para esse.
Assim sendo, se Protágoras diz a verdade e a verdade é essa – que as coisas são para cada um como lhe parecem -, alguns de nós serão razoáveis e outro desrazoáveis?
Então, se nem todas as coisas são da mesma maneira para todos, simultaneamente e para sempre, nem cada coisa é para cada um em particular, é evidente que as coisas têm uma certa entidade estável...

Leis
Qual é, pois, o comportamento agradável ao deus e digno de seus seguidores? Só há um, claramente expresso num antigo ditado: o semelhante agrada ao semelhante sempre que observa a medida, o que não acontece com os descompassados, que nem estimam reciprocamente nem apreciam os comedidos. Para nós, deus é a medida de todas as coisas, não o homem, como se diz comumente, seja este quem for. Assim para ficar amado de deus, terá necessariamente de tornar-se semelhante a ele, na medida das suas possibilidades. De acordo com esse princípio, o que entre nós for temperante será amigo de deus, por assemelhar-se-lhe, enquanto o intemperante, que não se lhe assemelha, é injusto e diferente dele, e assim com tudo o mais, segundo o mesmo raciocínio.
homem-vitruviano

Está em deus o poder do começo, meio e o fim de tudo que o existe, marchando sempre em linha reta tem no seu rastro a justiça. O homem que desviar-se da lei divina receberá o castigo, mas o homem que a seguir de perto, i.e. o homem virtuoso, será feliz.
Com efeito, ao afastar-se da retidão, o homem abandonado por deus, procurará a companhia de outros que lhes sejam iguais, desprezando os comedidos, provocando confusão e, em pouco tempo prestará contas à justiça, arruinando a sua casa e toda a cidade. O intemperante, o injusto não é amigo de deus.
O homem virtuoso oferecerá sacrifícios aos deuses e estará sempre em ralação com eles através de preces e oferendas e todo o culto divino e, na medida do possível será semelhante a deus e seu amigo.
 
Créditos
PLATÃO. Leis, vol. XII-XIII. Trad. Carlos Alberto Nunes. Pará, Universidade Federal do Pará, 1980.
PLATÃO. Crátilo. Trad. Maria José Figueiredo. Lisboa, Instituto Piaget, 2001.















domingo, 29 de julho de 2012

Prazer e Dor, O Fio de Ouro - Platão – 427-347 a.C.

por Osvaldo Duarte
Há uma lenda de que poucos haviam lido integralmente a mais extensa e inacabada obra de Platão, as Leis. Esta obra foi escrita provavelmente entre 360 e 347, ano da morte do autor, por isso mesmo inacabada. Sócrates não participa do texto Leis, que é uma conversa travada entre o ateniense e seus companheiros de viagem, cretense e lacedemônio.
 
prazer e dor
Prazer e dor
Segundo Platão, todo homem abriga dentro de si dois conselheiros insensatos e antagônicos, o prazer e a dor, juntando a estes tem a opinião sobre os casos futuros a qual chamamos de expectativa que, quando da possibilidade de dor denominamos medo, ou o seu contrário prazer, confiança. Sobre estas paixões preside a razão que tem por finalidade pronunciar-se acerca do que tem de boa ou de má, cuja conclusão é a lei, quando se torna decreto comum da cidade. É na infância que o prazer e a dor surgem como primeiras percepções, sendo por seu intermédio que se apresentam inicialmente ao espírito como verdade ou vício; cabe à educação preparar cidadãos virtuosos, capazes de comandar e de obedecer.
Quando o prazer e a amizade, a tristeza e o ódio se geram diretamente em almas ainda incapazes de compreender a sua verdadeira natureza, com o advento da razão põem-se em harmonia com ela, graças aos bons hábitos adquiridos. É nesse acordo que consiste a virtude.
(...) os prazeres e as dores se harmonizam com o raciocínio justo e lhe obedecem.
marionete
O fio de ouro
(...) imaginemos que cada um de nós, como seres vivos, não passe de um boneco nas mãos dos deuses, que talvez nos tenham formado por divertimento, ou mesmo com intenção séria, o que escapa à nossa compreensão. Uma coisa, porém, sabemos com segurança: que no nosso íntimo as referidas paixões se agitam à maneira de nervos ou fios, que puxam em sentido contrário, compelindo-nos por isso mesmo, à prática de ações opostas, na linha limítrofe do vício de da virtude. Manda-nos a razão só ceder à tração de um desses fios, sem nunca abandoná-lo, e resistir aos outros. É o fio sagrado e de ouro da razão, que denominamos lei comum da cidade. Os demais fios são de ferro, são duros; este é maleável, porque de ouro, ao passo que os outros se parecem com as mais diferentes substâncias. É preciso que todos cooperem sempre no sentido da mais bela direção, a da lei.
 
Créditos
PLATÃO. Leis, vol. XII-XIII. Trad. Carlos Alberto Nunes. Pará: Universidade Federal do Pará, 1980.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Da Educação - Platão – 427-347 a.C.

 

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”Quando censuramos ou elogiamos a educação de alguém do nosso meio, dizemos que este ou aquele indivíduo é bem o mal educado, ainda mesmo que tenham recebido educação esmerada para a arte de navegação, o comércio por miúdo ou para outras atividades do mesmo teor. Segundo penso, não é nesse sentido que falamos de educação, mas no da educação para a virtude, que vem desde a infância e nos desperta o anelo e o gosto de nos tornarmos cidadãos perfeitos, tão capazes de comandar como de obedecer, de conformidade com os ditames da justiça. Essa é a modalidade de educação que tentamos definir, a única, segundo o meu modo de pensar, que merece ser assim denominada. A que tem por fim a aquisição de riquezas ou de qualquer modo de força ou habilidade que não leve em consideração a razão e a justiça, é vulgar e nada de nobre e não merece absolutamente o nome de educação. (...) o indivíduo bem educado se torna virtuoso, e que de forma alguma devemos menosprezar a educação, por ser o que de melhor e mais elevado chegam a alcançar os homens superiores.”

 

Créditos

PLATÃO. Leis, vol. XII-XIII. Trad. Carlos Alberto Nunes. Pará: Universidade Federal do Pará, 1980.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Voo controlado – Monchrétien – 1575-1621

 
por Osvaldo Duarte
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“A melhor influência que se pode ter sobre os homens, é conhecer-lhes as inclinações, os movimentos, as paixões e os hábitos; tomá-los pelas asas é poder levá-los onde se quiser.”
                                                                                               Tratado de Economia Política
Créditos
CAILLÉ, Alain. História Crítica da Filosofia Moral e Política. Lisboa, Verbo.2005.

domingo, 24 de junho de 2012

Do prazer e do sofrimento – Aristóteles – Séc. 384-322 a.C.

por Osvaldo Duarte

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Para Aristóteles, a alma procura por certa disposição natural a relacionar-se com situações que a tornam melhor ou pior, sendo que as disposições éticas são dadas pelo prazer e pelo sofrimento que acompanham as nossas ações, portanto, a excelência ética constitui-se em vista do prazer e do sofrimento, sendo uma disposição intermédia entre outras duas disposições extremas, a saber, perversas e a outra segundo o defeito. E ainda, segundo o Estagirita, tendemos naturalmente mais para as coisas que nos dão prazer, o que nos leva mais facilmente à devassidão do que para o regramento. Os castigos que infligem sofrimentos são como uma espécie de curativos que podem transformar a disposição da alma.

“... como diz Platão, a fazer gosto no que deve ser e sentir desgosto, pelo que não deve ser. Essa é a educação correta. (...) o prazer e sofrimento acompanham toda a afecção e toda ação.

Há três possibilidades relativamente às quais se definem as escolhas do que devemos perseguir e do que devemos preterir e evitar. Devemos escolher o belo, o vantajoso e o agradável; devemos, por outro lado, evitar os seus contrários, isto é, o feio, o nocivo, o desagradável. (...) o homem de bem é capaz de escolher corretamente e o perverso erradamente, sobretudo a respeito do prazer: na verdade o prazer é também comum aos animais e acompanha todas as possibilidades de escolha; tanto o belo como o vantajoso parecem ser agradáveis.

Será um homem de bem quem fizer o bom uso deles; mas já quem fizer o mau uso deles será perverso”.

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Sendo a excelência ética uma disposição intermédia entre as disposições extremas como dissemos, não é tarefa fácil atingi-la, teremos de agir de acordo com as circunstâncias, isto é, conforme a situação apresentada; é por isso, nos diz Aristóteles, que o bem é raro, louvável e belo.

Com efeito, se encontrar o meio não é empresa fácil, pois, dos extremos, um é mais errado do que o outro, assim, deve escolher o menor dos males, i.e., dada a nossa tendência natural para as coisas diferentes o que é reconhecido a partir do prazer e do sofrimento que nos causam, amiúde, devemos examinar a que erros somos mais facilmente levados e nos esforçamos em seguir na direção contrária, procurando arrastarmos para fora do erro para chegar ao meio; assim, continua o Estagirita, temos de evitar também, o que é agradável e o prazer, porque quando o prazer está em julgamento, é difícil ser juiz imparcial. Outra dificuldade é estabelecer o limite do censurável de nossas ações, porque nenhum objeto da percepção é facilmente determinado.

Sendo o caminho do meio o mais louvável, o que temos de fazer diante das situações que se apresentam é agirmos de tal maneira a evitar os excessos, outras, o defeito: essa é a maneira mais fácil de conseguirmos atingir o meio e modo correto de agir.

Créditos

ARISTÓTELES. Ética a Nicómano. Trad. António de Castro Caeiro. Lisboa, Quetzal Editores, 2012.

sábado, 26 de maio de 2012

O sono de um sábio – Epimênides – Séc. VII a.C.

por Osvaldo Duarte

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Epimênides o sábio, é uma personagem um tanto curiosa, nasceu em Cnossos no séc. VII, usava cabelos longos, o que era estranho aos costumes local. Certa feita, seu pai mandou-o ao campo em busca de uma ovelha desgarrada, mas desviando-se do caminho foi dormir em uma caverna onde teria ficado adormecido durante 57 anos. Ao despertar do longo sono, saiu em busca da ovelha, pois acreditava que estivera dormindo por pouco tempo. Epimênides viveu 157 anos; sua obra ao que tudo indica, foi escrita em versos com conteúdo cosmogônico, mitológico e político. O velho sábio é considerado também profeta, um purificador de almas, sua adivinhação não era tanto desvendar o futuro, mas descobrir no passado os erros que afetavam o presente.

(...) disse Epimênides cretense: de fato, ele vaticinava não acerca do futuro, mas sim acerca das coisas já acontecidas, mas obscuras.

Para Casertano, Epimênides é figura de transição entre a cultura sapiencial e a nova cultura filosófica, isto é, figura que se interpõe entre a fase mítica e a fase filosófica da cultura grega. Seu longo sono é relacionado à letargia, uma prática para obter sonhos divinatórios, quer seja dos mortos como também  dos deuses, ao acordar, o escolhido é capaz de revelar fatos passados ou futuros.

Quando uma terrível peste abateu Atenas, nosso sábio foi chamado para purificá-la, o que para Casertano fora por motivo político dada às reformas implementadas por Sólon, sendo que na época era comum mesclar política e religião.

Epimenides

 

Segundo a tradição, Epimênides recebeu das ninfas um alimento mágico que conservava num casco de boi, desde então, nunca fora visto comendo, portanto, nunca defecava. Outros diziam que ele recebera de Hesíodo algumas sementes que tinha o poder de matar a fome.

Contra o mito

há um mito segundo o qual águias e cisnes, levados das extremidades da terra ao centro dela, para ali desciam, para Delfos, até o chamado “umbigo da terra”. Em seguida Epimênides de Festos, ao investigar/refutar o mito junto do oráculo do deus, e recebendo uma resposta obscura e ambígua, assim escreveu: “Nem na terra nem no mar há no meio um umbigo; e mesmo que haja é evidente aos deuses, mas está escondido aos mortais”.

O paradoxo do mentiroso

“Se tu afirmas mentir e dizes que isso é verdade, mentes ou dizes a verdade?”

Créditos

CASERTANO, Giovanni. Os Pré-Socráticos. Trad. Maria da Graça Gomes de Pina. São Paulo, Edições Loyola, 2009.

CORNFORD, F.M.. Principium Sapientiae. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1952.

LAÊRTIOS, D.. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Tradução: Mário da Gama Kury. Brasília, Editora da UnB, 2008.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

O Homem como Medida - PROTÁGORAS (Séc. V a.C.)

por Osvaldo Duarte

 

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O homem é a medida de todas as coisas, das que são, enquanto existem, e das que não são, enquanto não existem.

Trad. M.H.R.P

O frg. I Diels-Kranz é peça fulcral para a compreensão do pensamento do sofista de Abdera. Com efeito, a hermenêutica tem se mostrado abundante, haja vista as inúmeras bibliografias consagradas ao tema. M.J. V. PINTO apresenta o que seria o consenso quanto ao conteúdo doutrinal do fragmento:

“Cada homem é medida da realidade das coisas (objetos, fatos, sentimentos, etc.) tal como se lhes apresentam, e daí resulta que todas as suas representações são igualmente verdadeiras enquanto se baseiam na captação imediata das aparências”.

“(...) o homem é “medida” das coisas com as quais se relaciona de forma imediata através da percepção fenomênica, sem que se possa separar “pensamento” e “sensação”. (...) o que se discute não é propriamente a existência ou não existência das coisas, mas sim o modo como se relacionam com o homem...”.

 

Alguns comentários:

 

Hérmias – Escárnio dos filósofos pagãos

Mas aí está agora Protágoras, puxando-me para outro lado, quando diz: “O limite e o critério das coisas é o homem; o que lhe cai sob os sentidos são coisas, e o que não cai não se encontra entre as espécies de essência”.

Sexto Empírico – Contra os Matemáticos

Alguns incluíram também Protágoras de Abdera no grupo dos filósofos que aboliram o critério, porque afirma que todas as aparências e todas as opiniões são verdadeiras e que a verdade é algo de relativo, pois que tudo o que é aparência ou opinião para um indivíduo existe desde logo para ele.

 

Créditos

PINTO, Maria José Vaz. A Doutrina do Logos na Sofística, Lisboa, Edições Colibri, 2000.

PEREIRA, Maria H. R. Hélade Antologia da Cultura Grega, Lisboa: Guimarães Editores SA, 2009.

PADRES APOLOGISTAS, Tr. I. Storniolo e E. M. Blancin. Patrística, São Paulo, Paulus, 2005.

SOFISTAS. Testemunhos e Fragmentos. Tradução: Ana Alexandre Alves de Sousa e Maria José Vaz Pinto. Lisboa, INCM, 2005.

sábado, 28 de abril de 2012

Hermotimo - Luciano (125-191)

por Osvaldo Duarte

luciano

Luciano nasceu no ano  125 em Samósata, cidade ao norte da Síria, morrendo por volta do ano 191. De família não abastada, seu primeiro ofício foi de aprendiz de escultor na oficina de seu tio, sendo que  após um desentendimento, abandona o ofício e vai estudar.

Aos 25 anos de idade, passa a exercer a advocacia em Antioquia, viajando e proferindo palestras na Ásia Menor, Grécia, Macedônia, Itália, entre outros lugares.

Na obra que ora apresentamos fragmentos: Hermotimo ou as Escolas Filosóficas, Luciano assume a postura cética, insurgindo-se contra o dogmatismo, atacando com certa ironia o estoicismo como também, a própria filosofia.

Neste diálogo, Licino convence o estoico Hermotimo a aceitar o ceticismo, mas sem antes provocar-lhe um sentimento de náuseas:

Oxalá eu pudesse vomitar essas tretas que lhes ouvi!”

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Hermotimo“também ouvia toda a gente dizer que os epicuristas eram sensuais e voluptuosos, que os peripatéticos eram ávidos de riquezas e quezilentos, que os platônicos eram orgulhosos e vaidosos, ao passo que, a respeito dos estoicos, a maioria das pessoas afirmava que eram corajosos, que sabiam tudo, e que só o homem que seguisse por tal caminho seria rei, só era rico, só esse era sábio e reunia em si todas as virtudes”.

Licino – “Já alguma vez encontraste um estoico, ou um epicurista (...), que não divergisse no que toca aos princípios ou aos fins?”

“... estando nós a investigar quais é que falam a verdade em matéria de filosofia, tu antecipaste-te e atribuíste esse [privilégio] aos estoicos, dizendo que foram eles quem determinou que duas vezes dois são quatro - (...). De facto, os epicuristas ou os platônicos diriam que eles é que chegaram a esse resultado ...”

“Quero dizer-te que não é coisa minha, mas de um dos sábios; trata-se do “sê prudente e céptico”. Realmente, se não acreditarmos facilmente no que formos ouvindo, mas antes nos comportarmos como os juízes, isto é, dando também a palavra aos que vierem a seguir, talvez consigamos escapar dos [vários labirintos]”.

“Portanto, também tu (...) farias bem melhor em decidir-se viver, daqui para o futuro, uma vida como a de toda a gente: serás um cidadão como os demais, não porás esperanças em coisas bizarras e estúpidas, nem (se fores sensato) te envergonharás pelo facto de, já velho, mudares de opinião e te passares para a coisa melhor.”

“(...) todos os filósofos propuseram saber em que consiste a felicidade, e cada um diz sua coisa: um afirma que consiste no prazer, outro na beleza, outro noutra coisa qualquer.”

Licino, com vários argumentos que apontam para a mesma direção, faz com que Hermotimo seja convertido ao ceticismo. Assim, o recém -convertido, termina o diálogo:

“... ao caminhar na rua, topar com um filósofo, desviar-me-ei, evitá-lo-ei como um cão danado.”

 

Hermotimo significa “honrado por Hermes”

Créditos

LUCIANO, Hermotimo ou as Escolas Filosóficas.Trad.Custódio Magueijo. Lisboa, Editorial Inquérito, 1986.

domingo, 22 de abril de 2012

TRABALHO – Catão– Séc. III-II a.C.

 

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“É que a vida humana é quase como ferro: se se exercitar, gasta-se; se não se exercitar, a ferrugem aniquila-o. Assim vemos os homens desgastarem-se na sua actividade, mas, se não tiverem actividade nenhuma, a inércia  e a torpeza causam mais prejuízos do que o exercício”.

“Sem fazer nada, os homens aprendem a fazer mal”.

Trad. Maria H. R. Pereira

Créditos

PEREIRA, Maria Helena da Rocha. Romana Antologia da Cultura Latina. Coimbra, Univ. de. Coimbra, 2000.

domingo, 15 de abril de 2012

As Doutrinas Secretas – Pico Della Miràndola – (1463-1494)

 

por Osvaldo Duarte

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Giovanni Pico nasceu na Itália em 1463, morrendo ainda jovem em 1494 com apenas 31 anos de idade. Filho de família abastada, estudou nos melhores centros de cultura erudita. Pico falava várias línguas – latina, grega, árabe, hebraico e o caldeu, além do francês.

Omitimos aqui os seus comentários sobre as doutrinas religiosas e, apresentamos tão-somente, excertos sobre as doutrinas filosóficas.

Portanto, manter essas coisas distantes do vulgo, com a obrigação de revelá-las aos perfeitos, pois entre eles é que a sabedoria. (...) Praxe essa acatada, com rigor, pelos antigos filósofos. Pitágoras quase nada escreveu a não ser umas poucas linhas que, ao morrer, confiou na sua filha Damo. Já as efígies esculpidas, nos templos egípcios, advertiam o seguinte: que os dogmas egípcios fossem custodiados pelas chaves dos enigmas, ficando assim invioláveis para a multidão dos profanos. Platão escrevendo a Dionísio sobre os modos supremos de ser, dizia: “Por enigmas tenho que me expressar a fim de que, caso essa correspondência caia em mãos estranhas não seja entendida por outros quanto te escrevo”. Aristóteles, a respeito dos livros de metafísica, nos quais trata de assuntos ultraterrestres, afirma haver os editados e os fora de edição.

(...) lembro ter Giamblico Calcídeo escrito que Pitágoras apreciava a tal ponto a teologia órfica que dela fez o modelo para plasmar a sua própria filosofia.

Em decorrência disso, as sentenças de Pitágoras passam a ser chamadas de sacras na medida em que são derivadas de esquemas órficos. Daí, qual fonte originária, emanou a doutrina oculta dos números e tudo mais que de grandioso e sublime apresentou a filosofia grega. Segundo o costume dos antigos gregos, também Orfeu revestiu seus mistérios dogmáticos com o invólucro das fábulas e ocultou-os no aparato poético de sorte a dar ao leitor a impressão de que seus livros nada mais eram do que meras fábulas e nugas engenhosas.

Faço tal menção para que conheça o trabalho dificultoso em extrair desses artifícios enigmáticos, verdadeiros esconderijos, em formato de apólogos, o sentido latente daquela filosofia hermética. Ainda mais quando nessa tarefa tão árdua, recôndita e inexplorada, não se dispõe da ajuda bibliografia ou de recurso por parte dos intérpretes.

Créditos

MIRANDOLA, Pico Della. A Dignidade do Homem. São Paulo, Editora Escala,????.

sábado, 31 de março de 2012

Antropomorfismo - Xenófanes de Cólofon – séc. VI a.C.

 

por Osvaldo Duarte

xenofanes de colofon

Xenófanes, historiador, poeta e sábio, aos vinte e cinco anos abandonou Cólofon devido à invasão dos medos estabelecendo-se em Eléia, onde funda a sua Escola; teve uma vida longa e, faleceu mais ou menos no mesmo ano que Heráclito. Segundo Diógenes Laêrtius, para alguns autores não foi discípulo de ninguém, no entanto, para outros, foi discípulo de Bôton, e ainda, de Arquêlaos; foi contemporâneo a Anaxímandros. Posteriormente, Parmênides foi considerado seu discípulo, esta afirmação talvez tenha como origem em Aristóteles.

Da sua obra, escrita em verso épico, elegias e iambos, subsistem um certo número de fragmentos, sendo que ele próprio recitava seus versos, criticando Hesíodo e Homero pelo que haviam dito a respeito dos deuses. Parece que Xenófanes sustentou opiniões contrárias às de Tales e às de Pitágoras.

Para Berge, Xenófanes utiliza-se da observação metódica estabelecendo algo como graduação do conhecimento, pois, faz afirmações de valor absoluto e universal, como também, restrita e relativa, o seu critério é único: a perceptibilidade positiva.

Sua crítica é assaz contundente a Homero e a Hesíodo pelas atribuições humanas às divindades, as quais são fruto do antropomorfismo. Nosso sábio vai além, pois mostra a causa, que segundo Berge, seria a “transposição mecânica do humano para o divino”; repudia também, as teogonias e a qualquer atribuição ou figuração material aos deuses. Com efeito, no segundo fragmento abaixo, a humanização dos deuses, i. e., os mortais imaginam os deuses com indumentárias, voz e corpo humano semelhante aos seus.

antropormofismo

Fragmentos:

Homero e Hesíodo atribuíram aos deuses tudo quanto entre os homens é vergonhoso e censurável, roubos, adultérios e mentiras recíprocas.

Mas os mortais imaginam que os deuses foram gerados e que têm e vestuário e fala e corpos iguais aos seus.

Os Etíopes dizem que os seus deuses são de nariz achatado e negros, os Trácios, que os seus têm olhos claros e cabelos ruivos.

Mas se os bois e os cavalos ou leões tivessem mãos ou fossem capazes de com elas, desenhar e produzir obras, como os homens, os cavalos desenhariam as formas dos deuses semelhantes às dos cavalos, e os bois à dos bois, e fariam os seus corpos tal como um deles o tem.

Um só deus é o maior entre os deuses e os homens, dissemelhante dos homens em figura e em modo de perceber.

Permanece sempre no mesmo lugar, sem se mover; nem é próprio dele ir a diferentes lugares em diferentes ocasiões, mas antes, sem esforço tudo abala com pensamento do seu espírito.

Para Kirk, as críticas de Xenófanes são claras, pois, tanto Homero como Hesíodo atribuem com frequência imoralidades humanas aos deuses, sendo que não há boa razão para tal. Xenófanes dá-se conta de que diferentes povos atribuem as suas próprias características particulares aos deuses; e ainda, por reductio ad absurdum, que os animais poderiam fazer o mesmo.

Portanto, por tais apreciações subjetivas e sem valor, os homens deveriam abandonar a tradição estabelecida por Homero, por quem todos aprenderam.

Créditos

BERGE, Damião. O Logos Heraclítico. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1969.

DUMONT, Jean-Paul. Elementos de História da Filosofia Antiga. Tradução: Georgete M. Rodrigues. Brasília, Editora UnB, 2004.

KIRK, G. S e RAVEN, J. E. Os Filósofos Pré-socráticos. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1982.

LAÊRTIOS, D.. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Tradução: Mário da Gama Kury. Brasília, Editora da UnB, 2008.

sexta-feira, 23 de março de 2012

O logos como discurso, segundo a sofística gorginiana

por Osvaldo Duarte
Górgias, filho de Carmântides, nasceu por volta do ano 490-485 em Leontinos na Sicília. Segundo testemunhas, Górgias teve uma vida longa, morrendo aos 109 anos; o motivo desta longevidade é que, segundo alguns, permaneceu solteiro, sem encargos familiares ou qualquer preocupação que se impõe a um homem casado, além de possuir uma excelente saúde pela dieta frugal e uma vida afastada dos prazeres.
Górgias, o Leontino, chegando a uma extrema velhice, e aproximando-se do término da sua carreira, foi acometido por uma doença que lhe causava um adormecimento quase contínuo. Um de seus amigos, tendo ido visitá-lo, perguntou-lhe como ele se encontrava:

“-Sinto –respondeu -lhe Górgias-que o sono começa a entregar-me a seu irmão”.
                                                                                                          
Górgias é um exemplo de sofista itinerante, pois viajou por todo mundo grego: Olímpia, Delfos, Beócia, Argos, Tessália, entre outros lugares; tinha muita celebridade entre os gregos. O sofista costumava aparecer em público sempre com túnicas de cor púrpura.
O Elogio de Helena é, provavelmente, um exercício utilizado por Górgias na sua atividade como professor onde procura fazer apologia assente numa estrutura mítica, tendo a pretensão de mostrar a inocência de Helena, acusada de ser o motivo da guerra de Tróia. O autor procura mostrar as razões que a levaram a seguir Páris, sendo que tais motivos (a necessidade do destino, a violência física e a persuasão do discurso i.e. o logos enquanto discurso) a inocentam de tal acusação.
“É dever do mesmo homem dizer corretamente o que é devido refutar [o que se disse erradamente. Importa refutar] os detratores de Helena (...). Portanto, eu quero, desenvolvendo o discurso segundo certo raciocínio, libertá-la da acusação que a difamou e, ao demonstrar que os detratores mentem e ao mostrar a verdade, pôr termo à ignorância”.
Os excertos que nos interessam, são os que se referem à persuasão do discurso.
O discurso (logos) exerce na alma ações divinas provocando afecções. O logos tem o poder de suprimir o medo, cessar a dor, provocar alegria e intensificar a paixão. O discurso é comparado à poesia, à magia e aos medicamentos.  Assim diz o Sofista de Leontinos:
“(...) O discurso é um tirano poderoso que, com um corpo microscópio e invisível, executa ações divinas. Consegue suprimir o medo e pôr termo à dor e despertar a alegria e intensificar a paixão”.
A poesia como discurso:
“Considero e denomino toda a poesia um discurso com medida. Daqueles que a ouvem apodera-se um arrepio de terror, uma compaixão comovida e uma saudade nostálgica; pelas palavras, a alma experimenta um sofrimento particular em relação ao sucesso e infortúnios de acontecimentos e de pessoas que lhe são alheios”.
O discurso como magia:
“Os encantamentos inspirados pelas palavras levam ao prazer e libertam da dor. Na verdade, a força do encantamento, misturando-se com a opinião da alma, sedu-la, persuade-a e a transforma por feitiçaria. Descobriram-se duas artes de feitiçaria e magia que são, uma os erros da alma e a outra os enganos da opinião”.
”(...) Se, de fato, todos possuíssem a respeito de tudo memória do passado, do presente e previsão do futuro, o discurso não seria exatamente igual; mas agora não lhe é fácil nem recordar o passado nem ponderar sobre o presente nem prever o futuro. Deste modo, a maior parte dos homens, sobre a maior parte dos assuntos, oferece à alma opinião como conselheira. Todavia, a opinião, que é vacilante e insegura, lança as situações vacilantes e inseguras os que dela fazem uso”.
O discurso comparado às prescrições de medicamentos:
“A força do discurso em relação à disposição da alma é comparável às prescrições de medicamentos em relação à natureza dos corpos. Assim como os diferentes medicamentos expulsam do corpo os diferentes humores e a uns põe termo à doença e outros à vida, assim também entre os discursos uns entristecem e outros alegram, uns amedrontam e outros incutem coragem nos ouvintes, outros há que envenenam e enfeitiçam a alma com uma persuasão perniciosa”.
Créditos
ELIANO. Histórias Diversas. Tradução: Regina Schopke  e Mauro Baladi. São Paulo, Martins Fontes, 2009.
LAÊRTIOS, D.. Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres.  Tradução: Mário da Gama Kury. Brasília, Editora da UnB, 2008.
SOFISTAS. Testemunhos e Fragmentos. Tradução: Ana Alexandre Alves de Sousa e Maria José Vaz Pinto. Lisboa, INCM, 2005.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Antifonte, o Sofista - (séc. V a.C.)

“De tudo o quanto gastamos, o mais caro é o tempo”.


por Osvaldo Duarte

Antifonte, ateniense, nasceu no séc. V, foi poeta épico, adivinho, intérprete de sonhos e professor de retórica. Sua identidade ainda é discutida, pois não se sabe se o sofista era o mesmo Antifonte Ramnunte, o orador. Como pensador,  só despertou interesse dos eruditos, após a descoberta dos Papiros de Oxyrinchus entre 1915 e 1922. Hoje sabemos que seus interesses eram polifacetados, isto é, abrangiam a preocupação com a linguagem (correção de nomes), ciências matemáticas e física. Com efeito, sua investigação procurava vocábulos mais ajustados para exprimir as experiências para obter o verdadeiro conhecimento das coisas.
 Viveu em uma época em que os sofistas faziam conferências e lecionavam em diversas cidades, mas sem se fixarem, demorando um pouco mais em Atenas, palco de grandes concursos, sendo uma ótima oportunidade para mostrarem seus métodos educacionais.  Foram criticados, principalmente na doxografia platônico-aristotélica, por cobrarem por seus ensinamentos junto a seus discípulos de famílias mais abastadas e, pelo modo que educavam – a defesa da índole instrumental e moralmente neutra das habilitações adquiridas; considerados caricatura, imitação do Filósofo, pois, seu conhecimento ainda é doxa, não apreendendo a realidade em si mesma.
“Concluiu-se, em primeiro lugar, que o sofista era um caçador de jovens ricos...”.  




Antifonte, o adivinhador de sonhos:
Um corredor que pensava chegar a Olímpia via-se em sonho conduzindo uma quadriga. De manhã, ele vai ver o intérprete, e este lhe diz: “Tu vencerás, pois isso significa rapidez e a força dos cavalos”. Pouco depois, o mesmo homem vai ver Antifonte que, então, lhe diz: “Tu serás necessariamente vencido: tu não compreendeste que há quatro corredores à tua frente”? Mas tomemos outro corredor, (...), ele conta ao intérprete que em um sonho ele lhe parecia ter-se tornado uma águia, então este: Tu venceste; nenhum pássaro tem vôo mais poderoso que a águia”. Mas semelhante, o mesmo Antifonte disse-lhe: “Imbecil, tu não vês que foste vencido? Pois este pássaro, que persegue e caça outros, é sempre o último”.
Antifonte, o consolador:
Mas além da poesia, ele compôs uma Arte de fugir à aflição, análoga àquela que utilizavam os médicos para curar seus doentes. Em Corinto, ele instalou-se perto da Ágora e anunciou, por libelos, que ele podia, durante as entrevistas, curar aqueles que estavam aflitos; uma vez conhecidas as causas do sofrimento, ele aliviava os enfermos com palavras de consolação.

Antifonte, o pensador:
Por isso [Deus] não carece de nada, nem recebe nada de outrem, mas é ilimitado e sem necessidades.
Os homens são naturalmente iguais:
Aqueles que descendem de ilustres ancestrais, nós os honramos e os veneramos; mas aqueles que não descendem de uma ilustre família, nós não os honramos e não os veneramos. Nisso, somos bárbaros uns em relação aos outros, pois por natureza somos em tudo semelhantes, tantos os bárbaros quanto os gregos. Convém considerar as necessidades que a natureza impõe a todos os homens: todos a alcançam nas mesmas condições, e no que se refere a essas necessidades, nenhum de nós é diferente, quer ele seja bárbaro, quer grego: todos respiramos o mesmo ar com uma boca e um nariz, todos comemos com ajuda de nossas mãos [...].
Physis e Nomos
A justiça consiste, pois, em não exceder as leis da cidade em que se vive. O homem terá a maior vantagem em usar a legalidade, perante testemunhas, se tiver em grande conta as leis; e, quando sozinho, sem testemunhas, em respeitar as da natureza. De facto, aquelas são adventícias, ao passo que as da natureza são necessárias. As primeiras são convencionais, e não espontâneas, ao passo que as da natureza são espontâneas, e não convencionais.
Crítica ao modo de viver de Sócrates
“Sócrates, eu julgava que os que se dedicavam à filosofia deviam ser mais felizes, mas parece-me que tu extraíste da filosofia o contrário. O que é certo é que vives como nenhum escravo, em casa do seu senhor, conseguiria viver: comes e bebes as bebidas mais vulgares e envergas um manto que é de qualidade inferior e é o mesmo de Verão e de Inverno, e passas a vida descalço e desprovido de túnica. Além disso, não recebes dinheiro, apesar de ele provocar regozijo aos que ganham e permitir uma vida mais livre e mais agradável aos que possuem. Se, portanto, tu tornares os teus discípulos teus imitadores, tal como fazem os mestres de outras profissões, considera-te um mestre da infelicidade”. Então Sócrates retorquiu: “Parece-me, Antifonte, que tu crês que tenho uma existência de tal modo horrível que, estou convencido que preferirias morrer a viver como eu. Pois bem, examinemos o que na minha vida concebes como penoso. Porventura será porque os que recebem dinheiro precisam de fazer aquilo para que são pagos, enquanto eu, como nada recebo, não tenho de dialogar com quem não me aprouver? Ou desprezas o meu gênero de vida, por comer alimentos menos saudáveis do que tu e que dão menos força? Pareces pensar, Antifonte, que a felicidade é abundância e magnificência.  Eu, pelo contrário, considero o não precisar de nada é algo divino; o precisar de menos possível está ais próximo do divino e, sendo o divino melhor, o mais próximo do divino está mais próximo do melhor.”
Créditos
DUMONT, Jean-Paul. Elementos de História da Filosofia Antiga. Tradução: Georgete M. Rodrigues. Brasília, Editora UnB, 2004.
PEREIRA, Maria Helena da Rocha – Hélade Antologia da Cultura Grega I, Lisboa: Guimarães Editores SA, 2009.
PEREIRA, Maria Helena da Rocha – Estudos de História da Cultura Clássica, vol. I, Lisboa, Fundação Calouste
SOFISTAS. Testemunhos e Fragmentos. Tradução: Ana Alexandre Alves de Sousa e Maria José Vaz Pinto. Lisboa, INCM, 2005.