por Osvaldo Duarte
“(...) não há criatura terrestre mais semelhante a Deus que o homem”.
O Homem é a criatura mais querida por Deus, pois sob seu comando submeter-se-á toda criatura vivente sobre a face da terra.
De Opificio Mundi é uma obra eminentemente pitagórica-platônica com uma pitada de epicurismo, onde Fílon atribui a Moisés todo este conhecimento que alcançou, segundo ele, o ponto mais alto da filosofia. A bem da verdade trata-se de uma leitura do livro Gênesis sob a luz da Filosofia.
Mas o que nos interessa aqui, ao menos no momento, é a leitura da criação do homem que Fílon faz do primeiro livro da Bíblia.
Deus fez primeiro o céu, o mais perfeito dos incorruptíveis, e por último, o homem, o mais nobre dos corruptíveis nascidos da terra.
Na ordem natural, os peixes foram os primeiros a serem criados, depois destes as aves e os animais terrestres e, por fim, o homem. Os primeiros da criação são os mais vis, e os últimos, isto é, os homens, são os mais excelentes, sendo que entre estes extremos, estão os que são melhores que os primeiros e piores que os últimos.
Entre os entes, uns não participam nem da virtude e nem dos vícios, no caso, as plantas e os animais irracionais que, sendo desprovidos de alma, sua natureza é regida pela imaginação, outros, por sua vez, participam apenas da virtude como é o caso dos astros, pois estes são dotados apenas do intelecto. O homem possui natureza mista, que admite contrários, a saber, prudência e imprudência, temperança e incontinência, coragem e cobardia, justiça e injustiça, numa palavra, virtudes e vícios.
O homem foi gerado à imagem e semelhança de Deus, mas não se trata de semelhança das características do corpo humano, pois nem Deus tem a figura humana e muito menos o corpo tem a forma divina, esta similitude refere-se ao intelecto (noûs), o guia da alma. Criado e enquanto ideia, o homem é incorruptível, incorpóreo não sendo nem masculino ou feminino por natureza.
Sendo a última das criações do mundo, como dissemos, ao que tudo indica, ainda segundo Fílon, é que Deus primeiramente criou o homem como ideia, e antes mesmo da sua existência aqui na terra, dada àquela similitude, isto é, a capacidade racional, o mais excelente dos dons, não lhe recusou outros dons, preparando o mundo com todas as coisas necessárias a sua sobrevivência de forma a viver bem, pela contemplação dos fenômenos celestes e da filosofia, pela qual o homem mortal torna-se imortalizado.
Ademais, sendo o último dos entes criados, como foi dito, ao aparecer de súbito no último instante diante dos animais, esses o respeitariam como chefe e senhor. Animais de todas as espécies tornar-se-iam mais dóceis para com os homens. O homem foi criado para ser soberano por natureza, para ser rei de todas as criaturas terrestres, aquáticas e aéreas. Todos os mortais constituídos dos três elementos, isto é, terra, água e ar, lhe estão subordinados.
O homem sensível foi criado por Deus do pó da terra, tendo recebido em sua face o sopro da vida. Tendo o homem sido constituído de substância terrosa e sopro divino (pneuma), é composto de corpo e alma, sendo o corpo mortal por natureza e a alma imortal.
Por ser composto dos quatro elementos, o homem é tudo, terrestre, quando habita e caminha pela terra, aquático quando mergulha, nada e navega, e ainda aéreo, pois pode ser erguido e alçado sobre a terra e ainda, celeste, através da visão quando se aproxima do sol, da lua e cada um dos astros, móveis ou fixos.
Como é próprio do chefe nomear a cada uma das coisas que lhe são subordinadas, o primeiro homem, rei, atribuiu nomes a todas as criaturas viventes e quando Deus, desejoso de saber os nomes dos animais, os guiou para junto de Adão; assim, os entes receberam nomes próprios e adequados, deixando claras as peculiaridades de cada um. Tendo o primeiro homem mostrado a sua excelente capacidade de comandar, Deus o considerou apto a ocupar o segundo lugar como chefe dos demais viventes.
A primeira desventura desse primeiro homem foi a mulher. Ao ver com gozo uma figura irmã, Adão aproximou-se dela e a abraçou. A mulher, por sua vez, não vendo outro animal semelhante a ela, alegrou-se e saudou-o com pudor; assim surge Eros, o amor, como se reunindo duas partes de um só animal, inspirando a cada um o desejo de comunhão com o outro. Mas este desejo trouxe consigo o prazer, responsável pelas injustiças e transgressões e razão pela qual se troca a vida imortal e feliz por uma mortal e miserável. A mulher com seu juízo volúvel e instável, após comer o fruto deu-o de comer ao homem, e ambos passaram da sinceridade e ausência de maldade para a malícia, atraindo sobre si mesmos a cólera divina.
A relação entre macho e fêmea passou a ser de prazer e, graças a ele, foi possível a geração futura. Como paga, a mulher passou a sofrer as dores do parto e a perda da liberdade e o domínio do homem com quem vive, cujas ordens é obrigada a obedecer. O homem, por sua vez, recebeu trabalhos, fadigas e suor da labuta. O prazer não ousa direcionar seus encantamentos e engodos ao homem, mas à mulher, que, por meio dela, o atinge. Em nós o intelecto representa o homem, e a sensação representa a mulher.
Leituras:
FÍLON DE ALEXANDRIA, Da Criação do Mundo e Outros Escritos. Trad. L. M. Dutra. São Paulo: Filocalia, 2015.