Nada em demasia.
Rios
de tinta já escreveram sobre a catarse, entretanto, ao menos para a filosofia
este tema não se esgotara.
Tenho
por guia a obra do renomado professor António Freire, A catarse em Aristóteles, que
muito contribuíra para lançar luz sobre o tema.
Notadamente
a Catarse (κάϑαρσις em grego), vertida para o latim como “purgativo”,
para o espanhol “purgamiento ou purgación”, e no português “purga ou purgante”,
é um termo técnico derivado da medicina, pois o efeito do purgante no
organismo, não só o purga (purifica) das intoxicações, como também o alivia,
proporcionando assim o seu bem-estar. O processo purgativo era necessário para
limpar o corpo dos elementos nocivos.
Já
para os gregos, segundo Foucault, embora não a nomeie expressamente, cita os
ritos de purificação - não se tinha acesso aos deuses, praticar sacrifícios,
ouvir oráculos e obter a sua compreensão sem estar purificado. O rito de
purificação, numa palavra, era necessário para ter prévio contato com os deuses
e ouvir suas verdades.
Para
os pitagóricos, catarse significava a purificação do corpo pela medicina, e da
alma pela filosofia e pela música, sob prescrições rituais.
Em
Platão, caracterizava-se, sobretudo, no sentido moral – “Não é permitido ao
impuro entrar em contato com o puro”, ou noutra versão - “Só quem está puro é
lícito tocar no que é puro”.
Aristóteles
ao longo da Poética, afirma que a tragédia
tem como objetivo, suscitar a compaixão1
e o temor2, que tem como
efeito a catarse, isto é, a purificação. Esta obra do Estagirita tem provocado discussões
quanto a possível ou não existência da catarse naquela obra. Este assunto deu
azo à interpretações diversas e divergentes entre si. Esta perícope alegam
alguns, têm muitas lacunas sobre a catarse, sendo que a obra em questão fora impiedosamente
amputada; para outros, o Filósofo prometera na Política (VIII-7)3 aclarar sobre a catarse na
Poética. Como se observa, o dilema está longe de uma solução.
O
nosso Filósofo entendia por temor, uma perturbação causada pela representação
de uma desgraça futura, mortal ou penosa.
Admitia
por compaixão, uma espécie de pena causada por um mal aparente capaz de nos
aniquilar ou afligir, que fere o homem que não merece ser ferido por ele.
Alheio ao debate filosófico, o conceito de catarse ainda se mantém intacto.
1-
Ἔλεος –
Dependendo do tradutor, a considera como piedade.
2-
φόβος – Há tradutores
que a considera como temor ou terror.
3- Na versão que
dispomos, esta passagem encontra-se no livro V-7.
Leituras:
ANTÓNIO
FREIRE, A Catarse em Aristóteles, Braga, Publicações da Fac. De Filosofia,
1982.
ARISTÓTELES,
Arte Retórica e Arte Poética, São Paulo, Clássicos Garnier, trad. Antônio P. Carvalho,
1959.
ARISTÓTELES,
A Política. Trad. Nestor Silveira Chaves, São Paulo, Atena Editora, 1963.
ARISTÓTELES,
Poética. Trad. Eudoro de Sousa. Lisboa, Guimarães
& Editores.
FOUCAULT,
Michel. A hermenêutica do Sujeito. Trad. Márcio A. F. e Selma T.M. São Paulo: Martins
Fontes, 2014.
PLATÃO. Diálogos, Protágoras -
O Banquete-Górgias-Fedão Vol. IV. Trad. C. A. Nunes. Pará: Univ. Federal do Pará, 1980.