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Pansophia

Pansophia

domingo, 26 de junho de 2011

O Logos Heraclítico

Do logos, a ser exposto neste livro, e que existe e vale sempre, os homens são sempre ignorantes, quer antes de o terem ouvido, quer apenas tenham começado a percebê-lo. Pois, embora tudo proceda de acordo com esse logos, eles se parecem com gente sem experiência, cada vez que experimentam falas e atos do gênero que exporei, analisando cada coisa segundo sua physis e interpretando-a como é.  Aos demais homens oculta-se o que fazem quando acordados, assim como se esquecem do que praticam quando adormecidos.

O Logos Heraclítico é título da obra do Frei Damião Berge (1895-1976), onde o autor “esbanja” não só seu conhecimento da língua helênica, como também, demonstra ser um grande pesquisador.
Ao depararmos com a sua tradução dos fragmentos heraclitianos, percebemos seu rigor e a sua erudição.
Longe de nós discorrermos aqui sobre esta excelente obra; afastada tal pretensão, nossa intenção é tão-somente mostrar ainda que superficialmente, alguns parcos excertos concernentes ao Logos.
PHYSIS

Damião nos ensina que a Physis nome verbal referente à phýestai, “ser gerado, nascer, crescer dentro de”, também, “crescimento espontâneo, de própria força”, o que chamamos de natureza; prossegue o autor, ”... O pensamento jônico começou a dar explicação racional. Os seres “procedem”, não do nada, mas “de dentro de si mesmos”, isto é, através de causas naturais, regidas por leis imanentes. Este processo espontâneo, pelo qual algo “vem a ser”, “nasce ou cresce”, phýestai, este processo é a physis.
EPOS

Epos, segundo Frei, significa linguagem inexpressiva do homem, pois, na literatura pré-heraclitiana, é mais usual do que o logos, tanto na linguagem divina quanto na humana. Epos raramente se atribui a quem o profere (“eu digo”, “meu epos”), isto com base ainda nos estudos daquela literatura , o que indica ser epos insuficiente para exprimir a natureza personal do homem.
LOGOS

Logos é um nome verbal que corresponde a légein que significa “selecionar”, “coligir”, “atender a”, “considerar”, finalmente a “enunciar, falar”, sendo traduzido por fala, palavra, discurso.
Logos é o que torna visível o invisível, isto é, revelar. Portanto, Logos é o discurso que revela a physis.
Berge ainda nos dá outras definições: Logos é o princípio inteligente e vital de tudo e de todos. O Logos nos permite estabelecer três fatos: 1- Que o linguajar do vulgo é o epos, superficial e inexpressivo. 2 - Que seu ergon (agir) prova a ausência de uma ética. 3 – Que o vulgo é a corporificação da mediocridade.
AS VÁRIAS FORMAS DO LOGOS

Segundo Frei Damião, o Logos apresenta-se sob várias formas.
Logos intelectual, que seria a doutrina heraclítica através de aforismos, verdades abstratas, verificadas a partir da observação empírica o que visaria a compreensão da physis, seria o Logos designado pelo pensamento e revelação, o primeiro, como Logos-razão humana, observar, analisar, interpretar e apreender; já o segundo, Logos-sentido, é  a verdade ontológica  (ser da physis), em si, inteligível.
Outra apresentação do Logos, de acordo com Berge, é a vital-dinâmica. Logos é a potência vital que faz proceder, dirigir tudo (cosmos, política e indivíduo).
Portanto, conclui o autor, Logos é a palavra, o discurso que torna visível a
Physis invisível. Todas as representações são as de um mesmo Logos, padrão comum e universal.

Talvez, apenas uma mera possibilidade, de que o Logos se manifeste nas várias Artes: Filosofia, Matemática, Física, Música, etc.. Lembremo-nos de Platão, quando exigia dos seus discípulos o conhecimento da geometria –“Só entra aqui quem for geômetra”.



Referências Bibliográficas:
BERGE, Damião. O Logos Heraclítico. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1969.

domingo, 12 de junho de 2011

Para quê serviu a filosofia?

por Osvaldo Duarte


Para quê serviu a filosofia?
A Filosofia serviu durante algum tempo de consoladora, um verdadeiro bálsamo para as almas sofridas!
Na Itália no tempo de Epicteto, o filósofo era rudemente tratado e, somente mais tarde é que se torna companheiro (comes), conhecido também, como filósofo doméstico.
Já na época do imperador Antonino (138-161), alguns filósofos gozavam de boa reputação, ocupando cargos públicos, tendo inclusive, seus retratos entre os deuses Lares, erguiam-lhes estátuas e, quando do aniversário de sua morte, seu túmulo era ornamentado com flores. 
Antonino transfere a estátua em ouro da deusa Fortuna para os aposentos do seu sucessor Marco-Aurélio (161-180), e no dia 07 de março de 161, expira.
O novo imperador era estóico, e dizia do seu mestre Júnio Rústico: “Por ele conheci as lições de Epicteto, que me emprestou da sua biblioteca”.
O amor pela Filosofia leva o imperador  Marco-Aurélio a convidar filósofos afamados do mundo inteiro e de diversas Escolas concedendo-lhes privilégios. O povo não só dizia que tais privilégios eram a expensas da República, como também, zombavam dos filósofos convidados, rindo dos seus cabelos mal penteados, das barbas e das suas unhas.

Embora a maior parte da população reclamasse do Imperador Marco-Aurélio - “Quer-nos tirar nossos divertimentos para nos obrigar a filosofar,”  quando este tentou suprimir as lutas dos gladiadores, outra parte recorria à Filosofia para aliviar seus sofrimentos ou instruir-se.
O filósofo usava seu manto com dignidade e desempenhava o papel de conselheiro, amigo íntimo e guardião de alma. Incentivava o homem a esperar a morte com coragem; o moribundo conversava com o sábio para que seu último instante tivesse um caráter moral. Muitos recorriam à Filosofia quando o desespero, o infortúnio, a doença e a infelicidade entre outros, lhe batiam à porta.
“Não se compram os remédios senão quando se está gravemente enfermo: despreza-se a filosofia enquanto se não é desgraçado. Vede esse homem rico, gozando de boa saúde, com uma mulher forte e filhos sadios; bem se importa ele com a filosofia; mas, venha ele a perder a fortuna ou a saúde, adoeça-lhe, com doença mortal, a mulher, ou o filho, ou irmão e só assim se lembrará de chamar o filósofo para que o console, para que lhe ensine a suportar tenta desgraça”.
Augusto tinha Areu como diretor, conselheiro e confessor. Lívia quando perde o seu filho Druso, Areu é quem a consola. Até mesmo Sêneca desempenhou algumas vezes o papel de filósofo doméstico junto de Nero. Poderíamos narrar ainda outros exemplos, mas não abusaremos da paciência do leitor.

Lúcio Aneu Sêneca nos mostra claramente o papel da Filosofia nesta época:
“Se queres saber o que a filosofia traz de útil à humanidade, dir-te-ei: os seus preceitos. Há homens que estão às portas da morte, outros a quem a miséria atormenta, outros a quem tortura a riqueza própria ou alheia; uns afligem-se com a má sorte, outros desejariam escapar aos excessos de bem estar, uns são detestados pelos homens, outros pelos deuses. Para quê fazer frioleiras daquelas? Não é altura de brincar: importa é ajudar os desgraçados. Prometeste prestar auxílio aos náufragos, aos cativos, aos doentes, aos miseráveis, aos condenados sobre cujo pescoço já impende o machado: porque te distrais? Que vais fazer? Este homem está cheio de medo, em vez de brincar ajuda-o a libertar-se dos seus temores. De todo o lado, todos erguem para ti as mãos, pedem auxílio para a sua vida sem rumo e sem futuro, toda a sua esperança de socorro está em ti; pedem-te que os libertes do turbilhão que os consome, que mostres a clara luz da verdade a quem anda perdido à deriva.”

A Filosofia era o último refúgio dos desesperados, servia de consoladora aos desolados, de conselheira aos desorientados, tinha como papel fundamental confortar as almas sofredoras. Era dever do filósofo doméstico esclarecer os homens e dirigi-los até o último momento. Com o tempo o ofício do filósofo deixa de ser diretor de consciência, a religião passa a ocupar o lugar da Filosofia, e assim:

A profissão do filósofo doméstico rebaixou-se imenso com o tempo. No mosaico Pompeano, descoberto em Atmenia na província de Constantina, mosaico do tempo de Honório, o filósofo não desempenha outra função além de levar o guarda-sol da sua senhora e de lhe passear o cãozinho.”
                                                                                                                                                
Referências Bibliográficas:
SÊNECA, L. A., Cartas a Lucílio. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009.
RENAN, E., Marco-Aurélio e o fim do mudo antigo. Porto: Lélo e Irmão, Ltda, 1925