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Pansophia

Pansophia

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Da não cidadania ateniense

por Osvaldo Duarte

Em outro texto (A cidadania ateniense), trouxemos à luz o cidadão ateniense, cumpre-nos agora mostrar o outro lado, isto é, as pessoas que não possuíam o título de cidadão: as mulheres, os metecos, os escravos e os libertos.

mulher

As mulheres

Embora desprovidas do direito de cidadania em Atenas, onde apenas homens (cidadãos) partilhavam entre si o poder decisório das questões atinentes à cidade, as mulheres tinham papel preponderante, era através delas que se transmitia a cidadania, pois, como já dissemos*, para ser cidadão na época de Péricles, tinha de ter pai cidadão e mãe ateniense. O casamento legítimo, o único reconhecido como tal, só acontecia entre o cidadão e a filha de outro cidadão.

O estado matrimonial reconhece-se à que procriou, à que apresentou os seus filhos à frátria e ao demo, as que dão as próprias filhas em casamento. As cortesãs, têmo-las para o prazer; as concubinas para os cuidados do dia-a-dia; as esposas para ter uma descendência legítima e ser uma fiel guardiã do lar.

meteco

Os metecos

Estrangeiros domiciliados na cidade, os metecos, deveriam registrar a sua inscrição no demo[1] para obter seu estatuto pessoal. Era vedado aos metecos a propriedade fundiária, o casamento misto e ter descendentes cidadãos.

Como pessoa, a justiça os protegia menos do que os cidadãos, o que não acontecia com os seus bens. Pagavam impostos ordinários e, em alguns casos, as liturgias[2] (consoante a sua fortuna), e a taxa de residência.

Os metecos instalavam-se onde desejavam e tinham liberdade de culto. Serviam no exército como hoplitas[3], ou na marinha como remadores ou marinheiros.

Havia na cidade, aqueles que não tinham uma ocupação, esses estavam fadados à miséria; mas grande parte dos metecos, pobres e ricos, tinha trabalho regular.

Os metecos atuavam na indústria e no comércio. Era comum também, encontrar metecos cabeleireiros e almocreves. A liberdade comercial era quase absoluta; em Atenas, era exigido dos estrangeiros o pagamento de uma taxa para exercerem o comércio. A exploração do subsolo era a única empresa que não estava nas mãos dos metecos, pois não podiam ter propriedade fundiária; nesse ramo de negócio, geralmente os escravos trabalhavam nas minas, e os concessionários eram os cidadãos. Os metecos desprezavam essa tarefa por considerá-la humilhante e penosa.

escravos

Os escravos

Para os gregos era inconcebível uma sociedade sem escravos O cidadão destinava a sua força e inteligência nos interesses da cidade. Com efeito, para o exercício da cidadania, o ateniense deveria estar livre das ocupações domésticas e dos trabalhos manuais. A servidão era um processo natural, legítimo e necessário para a sobrevivência duradoura de uma sociedade. Os escravos natos existiam, eram os bárbaros.

A condição servil em Atenas era considerada melhor do que a miséria extrema como muitos que viviam à margem da cidade. Os escravos eram alimentados pelos seus senhores e providos do mínimo indispensável à vida humana. Alguns historiadores asseguram, com base em pinturas dos vasos e outras fontes,  que não era incomum a amizade entre senhor e servo. Asseveram-nos ainda, que muitos escravos eram inteligentes e homens dignos, fazendo com que os cidadãos soubessem distinguir entre a condição servil e a pessoa. O escravo que conseguia a sua emancipação tornava-se meteco.

A condição servil tinha três origens: O nascimento, a guerra e a condenação em julgamento. A maioria dos escravos provinha da guerra.

 

liberto

 

Os libertos

Dos diversos modos de manumissão, o mais comum era a obtenção da liberdade através de resgate. E senhor não era obrigado a aceitar o resgate oferecido diretamente pelo escravo, era necessário conquistar a sua benevolência, ou então oferecer uma soma que lhe despertasse o interesse. Geralmente utilizava-se um terceiro na transação, ou seja, o escravo entregava o valor a um terceiro que o comprava do senhor e depois concedia a sua liberdade.

Os libertos, na condição de meteco, geralmente viviam do trabalho no comércio ou na indústria. Era possível encontrar liberto tanto cozinheiro quanto banqueiro. Moravam nos arredores da cidade, nos bairros mais afastados.

* Veja o textoA cidadania ateniense”.

 


1 - Demos eram as divisões territoriais -administrativas .

2 - Despesas públicas destinadas aos mais ricos.

3 - Hoplitas – infantaria pesada.

 

Créditos:

 

CROISET, A. As Democracias Antigas. Rio de Janeiro, Livraria Garnier, 1923.

GLOTZ, Gustavo. História Econômica da Grécia. Lisboa, Edições Cosmos, 1973.

KITTO, H. D. F. Os gregos. Coimbra, Armênio Amado, Editor, Sucessor, 1960.

MOSSÉ, Claude. O Cidadão na Grécia Antiga. Lisboa, Edições 70, 1999.

domingo, 2 de junho de 2013

Eudaimonía, a Felicidade Grega

por Osvaldo Duarte

 

 

feliz

O que entendemos hoje por felicidade (eudaimonía) é bem diverso do que os antigos gregos a entendiam como tal. Com efeito, a felicidade para nós hoje é apenas um decalque do que era a felicidade para os gregos. O conceito grego de felicidade, ao menos para os filósofos, estava ligado ao conceito de virtude ou excelência (aretê).

 

Demócrito servia-se de vários termos para designar a felicidade, sendo que para ele, felicidade era algo interno, da alma, e não se encontrava na posse de bens materiais:

 

A felicidade e a infelicidade são fenômenos psicológicos.

 

A felicidade não consiste na posse, nem de rebanhos, nem de ouro, porque a causa da felicidade reside na alma.

 

As forças físicas e as riquezas não dão a felicidade, que só é dada pelo caráter e pela sabedoria.

                                                                                                 Trad. P. Gomes

 

Para Platão, ser feliz é viver bem e ser justo.

 

Logo, a alma justa e o homem justo viverão bem, e o injusto mal.

Mas sem dúvida o que vive bem é feliz e venturoso, o que não vive bem, inversamente.

Logo, o homem justo é feliz, e o injusto é desgraçado.

Contudo, não há vantagem em ser desgraçado, mas sim em ser feliz.

                                                                                                                         Trad. M.H.R.Pereira

 

... para os deuses a vida mais agradável * é também a mais justa.

                                                                                                                              Trad. C.A.Nunes

 

 

sartre

 

Aristóteles considerava a felicidade como  excelência  da ação contemplativa.

A felicidade como fim último de todas as ações humanas, e tem como sentido “o melhor de tudo”. A felicidade é o supremo bem prático.

 

O estagirita distribui os bens em três classes, a saber:

Bens exteriores, por outro lado, os bens que dizem respeito à alma humana e, por último, os do corpo próprio.

 

Os bens que concernem à alma humana são os mais autênticos e os mais extremos. Mas a felicidade são as ações e o exercício das atividades concernentes à alma humana. Quem é feliz vive bem e age bem.

 

A felicidade é então o bem supremo, o que há de mais esplendoroso e o que dá um prazer extremo.

 

A felicidade é uma atividade de acordo com a excelência e da melhor parte do humano, essa atividade é, segundo Aristóteles, contemplativa.

 

 

Nós pensamos também que a felicidade tem de estar misturada com o prazer, porque a mais agradável de todas as atividades que se produzem de acordo com a excelência é unanimemente aclamada como a que existe de acordo com a sabedoria. Parece, então, pois que a filosofia possui a possibilidade de prazer mais maravilhosa que há em pureza e estabilidade...

 

Enquanto humanos, temos necessidades vitais, mas uma vez suprida essas  necessidades, o sábio se volta para a contemplação, o que possibilita a sua independência auto-suficiente.

 

O sábio é capaz de criar uma situação contemplativa sozinho apenas a partir de si próprio e em si próprio, e quanto mais sábio for mais facilmente o consegue fazer.

                                                                                                                      Trad. A. C. Caeiro

 

 

Léon Robin define a felicidade grega como algo parecido com a “boa sorte” atribuída por uma graça divina; há um daimon que acompanha homem grego por toda vida como guardião da sua sorte, seguindo-o até o Juízo.

Platão, na República, recupera, em parte,  este mito através de Er.

Para os gregos, a felicidade se dava numa completa realização da natureza humana. A essência da moralidade como fim último tanto na obtenção como na manutenção da felicidade.

 

 

* Agradável entenda como feliz.

 

 

Créditos

 

ARISTÓTELES, Ética a Nicómano. Trad. António de Castro Caeiro. Lisboa: Quetzal Editores, 2012.

PLATÃO. A República. Trad. Maria H. da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.

             . Leis, vol. XII-XIII. Trad. Carlos Alberto Nunes. Pará, Universidade Federal do Pará, 1980.

ROBIN, L., A Moral Antiga. Porto: Edições Despertar, [19??]