por Osvaldo Duarte
No diálogo Fédon, Sócrates, na prisão, nos seus últimos instantes de vida, acreditara que a sua alma sobreviveria à morte, pois sempre vivera uma vida digna e santa dedicada à Filosofia. Enfrentou a morte com coragem, confortou e tranquilizou seus discípulos sobre sua partida, pois tinha certeza de que pela sua conduta, viveria ao lado dos deuses. É em meio a este clima que nos narra esse mito que encerra o Fédon:
“Para começar, principiou, fiquei convencido de que se a Terra é de forma esférica e está colocada no meio do céu, para não cair não precisará nem de ar nem de qualquer outra necessidade da mesma natureza (...).”
Lebrun recupera este excerto pouco lido do texto platônico. Nesse recorte o comentador atribui esta falsa percepção espacial à ignorância. Nós vivemos, isto é, habitamos um buraco aqui na Terra, mas não nos damos conta disso. A esta ignorância o professor vai se servir da palavra grega amathía, que significa não uma ignorância qualquer, mas sim, aquela ignorância acrescida de estupidez (nada saber e crer que sabe). A bem da verdade, Lebrun faz uma leitura conjugada ao Mito da Caverna, esse texto apenas complementa a sua análise.
Se nos atentarmos para o texto em questão, veremos que as palavras “indolência e fraqueza” são usadas por Sócrates para explicar o porquê da nossa imaginação. Essa indolência é uma disposição do nosso caráter, pois preferimos as aparências a enxergar o verdadeiro Sol e as estrelas como são na realidade, sequer sabíamos sobre a esfericidade da Terra. A fraqueza é uma debilidade da nossa Alma, que nos permite ser arrastado pelas paixões, preferindo os prazeres do corpo aos deleites da Alma.
Estamos acostumados a viver nessa cratera, a olhar este céu embaçado, essa terra onde as pedras e toda região que nos circunda não são perfeitas, estão corroídas, há cavernas, lamaçal e lodo por todos os lados e, ainda assim nos damos por satisfeitos.
Por não percebermos que habitamos uma dessas concavidades, imaginamos viver na superfície terrestre; falta-nos coragem para subir e contemplar o verdadeiro céu, a verdadeira luz, a verdadeira Terra.
Amantes do corpo, da fama e do dinheiro, tememos perder tais prazeres. Ousar subir à superfície seria abrir mão das nossas inclinações prazerosas.
A Alma atrelada ao corpo é fraca, e cada vez mais se submete aos apetites corpóreos; enquanto estiver presa, mais dificuldades terá em voar até a superfície. Para que consiga tal proeza terá de ser temperante, numa palavra, desprender do corpo em uma espécie de morte.
“(...) ensina-nos a experiência que, se quisermos alcançar o conhecimento puro de alguma coisa, teremos de separar-nos do corpo e considerar apenas a alma como as coisas são em si mesmas.”
Créditos/Obras consultadas:
LEBRUN, G. A Filosofia e sua História, Cosacnaify, 2006.
PLATÃO. Diálogos Vol. IV, Tradução. Carlos. Alberto Nunes. Pará: Univ. Fed. Pará, 1980.
PEREIRA, Isidro. Dicionário Grego-Português e Português Grego. Porto: Ed. Apostolado da Imprensa 1984.