Pansophia

sábado, 1 de fevereiro de 2014
David Hume e a tese de que os animais são dotados de sensações
sábado, 21 de dezembro de 2013
O Mito de Sísifo e a Náusea da Vida
por Osvaldo Duarte
Considerado o mais astuto dos mortais e o mais inescrupuloso, Sísifo, filho de Éolo da raça de Deucalião, foi fundador de Corinto. Sua lenda é constituída de várias histórias de astúcias, mas o que nos interessa aqui é o recorte de uma das versões do mito que faz alusão ao seu sofrimento:
Quando Zeus raptou Egina, filha de Asopo, para levá-la a Enone, passou por Corinto e Sísifo viu-o. Sabendo que procurava sua filha, Sísifo foi ter com Asopo, prometendo relevar-lhe o nome do raptor se o mesmo fizesse brotar uma nascente na cidade de Corinto. Asopo[1] assentiu, e Sísifo denunciou Zeus. Esse episódio atraiu sobre o delator a cólera do senhor dos deuses. Zeus o fulminou de imediato e o precipitou nos Infernos. Sísifo teve como castigo rolar um enorme rochedo na subida de uma vertente. Mal o rochedo atingia o cimo, voltava a cair por causa do seu próprio peso e o trabalho de Sísifo tinha de recomeçar, ad aeterno.
Muitas vezes nos cansamos da mesmice que a vida nos impõe. Dia após dia, assim como Sísifo, fazemos as mesmas coisas: rolamos nosso rochedo morro acima - choramos, reclamamos, labutamos e nos enfastiamos, mas sempre firmes empurrando o nosso rochedo, acreditando que o amanhã será diferente. Viver é para os fortes, os fracos sucumbem.
“Até quando aguentaremos sempre o mesmo? Nunca faremos outra coisa senão acordar e adormecer, comer e sentir fome, ter frio e calor?! Coisa alguma tem um termo, está tudo urdido em círculo, tudo se sucede alternadamente sem parar: a noite põe termo ao dia, e o dia à noite, o verão vai findar no outono, ao outono segue-se o inverno, que por seu turno é destronado pela primavera; tudo passa para regressar novamente. Não realizamos nada de novo: e aqui reside por vezes a causa da náusea!”
Sêneca
“... Examina os dramas e as cenas que conheces por tua experiência pessoal ou pela história antiga, coloca diante dos teus olhos toda corte de Adriano, Augusto, Felipe, Alexandre e Creso, por exemplo. Todos esses espetáculos se assemelhavam, os atores é que eram outros.”
Marco Aurélio
Se o estoicismo nos mostra essa condição de impotência diante da vida, também nos ensina como lidar com esta situação. Não basta viver (ser forte), mas viver sabiamente, isto é, conforme a natureza. Viver conforme a natureza é uma aceitação da vida que nos foi dada pelos deuses. Devemos sempre desempenhar o nosso papel da melhor maneira possível, ainda que nos seja de sobremaneira penoso.
“Lembra que és tal como um ator no desempenho do papel que o autor quis proporcionar: se breve, breve, se longo, longo. Se quiser que representes um papel de mendigo, faze por representar aquela figura o
melhor que puderes; e assim se for de um manco, ou de um príncipe, ou de um plebeu, porque o teu ofício é representar bem a personagem que lhe derem, e o de escolher o papel, é de outrem.”
Epicteto
“Eu me conformo com tudo que te convém ó mundo! Para mim, nada é prematuro ou tardio, se é oportuno para ti. As tuas estações, ó natureza, para mim só produzem frutos, tudo vem de ti; tudo em ti existe; tudo para ti retorna.”
“Entrega-te de boa vontade a Cloto[2]; deixa-a fiar a tua vida com os acontecimentos que lhe aprouver.”
Marco Aurélio
E quando tentamos mudar, isto é, representar um papel que não nos foi destinado pelos deuses, a Stoa nos adverte:
Se quiseres representar nesta vida algum personagem que exceda as tuas forças e capacidade, farás duas coisas, que isto não podes, fá-lo-á mal e indecentemente; deixarás o que poderias fazer bem e com louvor.
Epicteto
Diante do infortúnio, das adversidades, do sofrimento que a vida nos impõe, os estóicos nos ensinam a viver sabiamente - devemos encarar a dor como uma provação, um aperfeiçoamento, portanto, sejamos sábios, e, sempre manter a calma, a serenidade e não nos entregarmos às aflições, ao desespero, afinal, isso de nada adianta, pois o nosso caminho já foi traçado pelas Moiras.
Créditos:
AURÉLIO, M. Pensamentos. São Paulo, Edições Cultura, 1942.
AURÉLIO, M. Meditações. São Paulo, Editora Iluminuras, 1995.
GRIMAL, P., Dicionário da Mitologia Grega e Romana. Trad. V. Jabouille. Bertrand Brasil, 2000.
EPICTETO, Manual de Epitecto: Máximas Diatribes e Aforismos. Lisboa: VEGA, 1992.
EPITÉTO, Manual de Epiteto. Trad. Frei Antonio de Souza. São Paulo: Edições Cultura, 1944.
PENSAMIENTOS. Trad. Joaquin Delgado. Buenos Aires: El Ateneo, 1945.
SÊNECA, L. A., Cartas a Lucílio. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009.
1 - Asopo - deus do rio que levava o seu nome.
2 - Moira Cloto – Presente.
domingo, 8 de dezembro de 2013
A parteira : O livro de um poema só.
Mais uma vez, a editora da gente nos brinda com a obra do poeta Adenildo Lima.
Veio a lume o livro A parteira, com ilustrações do artista plástico JP - João Paulo de Melo.
Para degustação, reproduzimos abaixo, o excerto da obra:
sábado, 19 de outubro de 2013
A democracia ateniense
sábado, 10 de agosto de 2013
A consciência das máquinas
quinta-feira, 1 de agosto de 2013
Crítica à vivissecção Parte II
por Leandro Morena
O filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860) foi um crítico severo na questão da prática da vivissecção. Para ele essa prática tem por objetivo causar sofrimento nos animais, pois é puramente cruel e ilógica. Schopenhauer critica os biólogos alemães de sua época, pois tratavam os animais com crueldade, com a finalidade de resolver questões de caráter inútil, questões essas, que muitas vezes a solução encontra-se nos livros; e ele ainda afirma que esses biólogos são preguiçosos por não lerem tais livros.
Na época de Schopenhauer, foi muito comum cientistas, filósofos, médicos e teólogos praticarem experiências com os animais, pois essas experiências soavam como um status, mesmo se essas teorias funestas elaboradas por eles não causassem nenhum progresso, eram aplaudidos e elogiados.
Schopenhauer cita alguns exemplos da crueldade praticada com os animais por intelectuais da época. Um dos casos de crueldade com os animais narrada por Schopenhauer foi o episódio do professor Ludwing Fick (1813-1858), que foi um professor de anatomia na Universidade de Marburg, e na sua obra “Causas das formações ósseas” de 1857, o próprio relatou que praticou a extirpação nos globos oculares de animais filhotes com a única finalidade de comprovar que a cavidade deixada por tal prática faz com que os ossos comecem crescer cobrindo essas cavidades. Noutro exemplo, do mesmo patamar do primeiro e não menos tétrico, foi a experiência absurda feita pelo barão Ernst von Bibra (1806-1878), um naturalista alemão, que afirmara, numa de suas palestras, que fez com que uma dupla de coelhos viessem a morrer de fome, e fez tal prática, apenas para concluir, simplesmente, que os componentes químicos existentes no cérebro desses animais sofreram uma modificação proporcional devido à morte pela falta de alimentação; o filósofo afirma ter sido essa uma experiência fútil e faz uma crítica severa ao barão, afirmando: para que o barão deixou os pobres animais ficarem presos e famintos para sofrer dessa maneira? O filósofo afirma que existem outros caminhos e métodos que podem ser pesquisados e não precisam sentenciar os animais à crudelíssima prática, como fez Von Bibra, que por sua vez, tem muito que ler e aprender nos livros.
Schopenhauer termina a crítica afirmando:
Ninguém que ainda não conheça nem saiba tudo o que está contido nos livros sobre a circunstancia a ser pesquisada tem o direito de praticar vivissecção!
Trad.: E. Brandão e K. Jannini
No mundo contemporâneo não mudou muito esse pensamento científico, continua-se com essa prática cruel, pois muitos cientistas afirmam que se não fossem as pesquisas da experimentação animal, não se teriam conseguido avanços contra enfermidades que acabrunham os seres humanos. Os cientistas lutam há décadas para descobrir uma cura contra muitas doenças, e muitos animais indefesos passam por sofrimentos até que cheguem a óbito, mas sabemos que muitas vezes as pesquisas são fracassadas e não chega a nenhuma conclusão positiva, sentenciando milhares de animais à morte, como se fossem objetos de descarte, sem que tenham o direito de viver.
Créditos:
SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de insultar. Organização e ensaio: Franco Volpi.
Tradução: Eduardo Brandão e Karina Jannini. São Paulo, Martins Fontes, 2005.
quarta-feira, 19 de junho de 2013
Da não cidadania ateniense
por Osvaldo Duarte
Em outro texto (A cidadania ateniense), trouxemos à luz o cidadão ateniense, cumpre-nos agora mostrar o outro lado, isto é, as pessoas que não possuíam o título de cidadão: as mulheres, os metecos, os escravos e os libertos.
As mulheres
Embora desprovidas do direito de cidadania em Atenas, onde apenas homens (cidadãos) partilhavam entre si o poder decisório das questões atinentes à cidade, as mulheres tinham papel preponderante, era através delas que se transmitia a cidadania, pois, como já dissemos*, para ser cidadão na época de Péricles, tinha de ter pai cidadão e mãe ateniense. O casamento legítimo, o único reconhecido como tal, só acontecia entre o cidadão e a filha de outro cidadão.
O estado matrimonial reconhece-se à que procriou, à que apresentou os seus filhos à frátria e ao demo, as que dão as próprias filhas em casamento. As cortesãs, têmo-las para o prazer; as concubinas para os cuidados do dia-a-dia; as esposas para ter uma descendência legítima e ser uma fiel guardiã do lar.
Os metecos
Estrangeiros domiciliados na cidade, os metecos, deveriam registrar a sua inscrição no demo[1] para obter seu estatuto pessoal. Era vedado aos metecos a propriedade fundiária, o casamento misto e ter descendentes cidadãos.
Como pessoa, a justiça os protegia menos do que os cidadãos, o que não acontecia com os seus bens. Pagavam impostos ordinários e, em alguns casos, as liturgias[2] (consoante a sua fortuna), e a taxa de residência.
Os metecos instalavam-se onde desejavam e tinham liberdade de culto. Serviam no exército como hoplitas[3], ou na marinha como remadores ou marinheiros.
Havia na cidade, aqueles que não tinham uma ocupação, esses estavam fadados à miséria; mas grande parte dos metecos, pobres e ricos, tinha trabalho regular.
Os metecos atuavam na indústria e no comércio. Era comum também, encontrar metecos cabeleireiros e almocreves. A liberdade comercial era quase absoluta; em Atenas, era exigido dos estrangeiros o pagamento de uma taxa para exercerem o comércio. A exploração do subsolo era a única empresa que não estava nas mãos dos metecos, pois não podiam ter propriedade fundiária; nesse ramo de negócio, geralmente os escravos trabalhavam nas minas, e os concessionários eram os cidadãos. Os metecos desprezavam essa tarefa por considerá-la humilhante e penosa.
Os escravos
Para os gregos era inconcebível uma sociedade sem escravos O cidadão destinava a sua força e inteligência nos interesses da cidade. Com efeito, para o exercício da cidadania, o ateniense deveria estar livre das ocupações domésticas e dos trabalhos manuais. A servidão era um processo natural, legítimo e necessário para a sobrevivência duradoura de uma sociedade. Os escravos natos existiam, eram os bárbaros.
A condição servil em Atenas era considerada melhor do que a miséria extrema como muitos que viviam à margem da cidade. Os escravos eram alimentados pelos seus senhores e providos do mínimo indispensável à vida humana. Alguns historiadores asseguram, com base em pinturas dos vasos e outras fontes, que não era incomum a amizade entre senhor e servo. Asseveram-nos ainda, que muitos escravos eram inteligentes e homens dignos, fazendo com que os cidadãos soubessem distinguir entre a condição servil e a pessoa. O escravo que conseguia a sua emancipação tornava-se meteco.
A condição servil tinha três origens: O nascimento, a guerra e a condenação em julgamento. A maioria dos escravos provinha da guerra.
Os libertos
Dos diversos modos de manumissão, o mais comum era a obtenção da liberdade através de resgate. E senhor não era obrigado a aceitar o resgate oferecido diretamente pelo escravo, era necessário conquistar a sua benevolência, ou então oferecer uma soma que lhe despertasse o interesse. Geralmente utilizava-se um terceiro na transação, ou seja, o escravo entregava o valor a um terceiro que o comprava do senhor e depois concedia a sua liberdade.
Os libertos, na condição de meteco, geralmente viviam do trabalho no comércio ou na indústria. Era possível encontrar liberto tanto cozinheiro quanto banqueiro. Moravam nos arredores da cidade, nos bairros mais afastados.
* Veja o texto “A cidadania ateniense”.
1 - Demos eram as divisões territoriais -administrativas .
2 - Despesas públicas destinadas aos mais ricos.
3 - Hoplitas – infantaria pesada.
Créditos:
CROISET, A. As Democracias Antigas. Rio de Janeiro, Livraria Garnier, 1923.
GLOTZ, Gustavo. História Econômica da Grécia. Lisboa, Edições Cosmos, 1973.
KITTO, H. D. F. Os gregos. Coimbra, Armênio Amado, Editor, Sucessor, 1960.
MOSSÉ, Claude. O Cidadão na Grécia Antiga. Lisboa, Edições 70, 1999.