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Pansophia

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segunda-feira, 31 de março de 2014

O Utilitarismo preferencial de Peter Singer

por Leandro Morena

Utilitarismo é o pensamento ético normativo ao qual uma ação é moralmente certa, isto é, quando esta ação venha  promover o bem estar para a maioria da coletividade. Isso não atinge todos os indivíduos, pois é aceito que um pequeno número de indivíduos se sacrifique para que a maioria atinja o bem estar. Mesmo assim, essa doutrina filosófica condena a infelicidade do indivíduo ou de todos que venham ser afetados por ela.

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Em 2011 o Japão foi atingido por um tsunami devastador que causou o rompimento de um reator de uma usina nuclear na cidade de Fukushima. Algumas semanas após o desastre, alguns homens foram selecionados para entrar na usina com o objetivo de desligar dois reatores que ainda funcionavam e minimizar o problema da radiação do reator que estava vazando. Todos eles aceitaram ir sabendo do risco que corriam da contaminação que causará problemas de saúde no futuro e até com a hipótese de perderem à vida no mesmo local. Na visão do utilitarismo essa ação é considerada válida, pois vai sacrificar alguns indivíduos para salvar a maioria da população desse local.
Aqui no Brasil, no Pantanal, os boiadeiros são obrigados levar o rebanho, por causa da escassez de comida, para outra região farta em alimentos para mantê-los bem. Um dos obstáculos que eles se deparam são os rios infestados por piranhas. Para atravessar o rio com o rebanho, o boiadeiro vê-se obrigado separar um boi ao qual será sacrificado para que o rebanho atravesse o rio em segurança. O boi é separado e levado ao rio, logo é atacado pelas piranhas. Rapidamente o rebanho atravessa o curso d’água e conseguem chegar do outro lado. Em poucos minutos o boi que foi separado é devorado. Um boi teve que ser sacrificado para que a maioria do rebanho ficasse salva. Observamos que nesse exemplo alcançou-se o princípio do utilitarismo, pois causou o bem estar para a maioria do rebanho.
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clip_image005O utilitarismo já vigorava na Grécia antiga, onde o filósofo Epicuro (341.-270 a.C.) e seus sucessores sistematizaram essa doutrina que consiste em evitar a dor e procurar os prazeres moderados para atingir a sabedoria e a felicidade para o bem estar de uma comunidade. Mas foi no século XVIII que o filósofo Jeremy Bentham (1748-1832) fundiu a idéia do utilitarismo seguido pelo seu sucessor que deu continuidade nesse pensamento, tratando-se do filósofo John Stuart Mill (1806-1873).  Esses filósofos agregaram em seus pensamentos o princípio da utilidade e conseguiram aplicá-lo nas questões importantes que estão consolidadas nos maiores poderes que regem uma sociedade, são eles:  a justiça, a política, a economia entre outros. Em suma, a tese central do utilitarismo clássico defende que uma ação ética deve aumentar o prazer e diminuir o sofrimento.
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clip_image007O utilitarismo preferencial de Peter Singer tem como objetivo que o interesse de um indivíduo não deve ser maior do que o outro e os interesses desse indivíduo devem levar em conta todos os indivíduos que serão afetados pela decisão dele, ou seja, visa que uma ação ética seja adequada para todos os envolvidos na ação tomada ao longo do tempo.
Um princípio ético pode ser entendido como uma norma ou regra geral que visa colocar um modelo cuja finalidade é realizar um valor.  Para Peter Singer um princípio ético é a aplicação da ética e moralidade que aborda questões práticas de como tratar certas classes de minorias étnicas como, por exemplo, os animais que são usados para na fabricação de alimentos e em pesquisas de laboratórios, o aborto, a igualdade para as mulheres, etc.
Segundo Peter Singer, o que torna os homens iguais são os seus interesses que podem ser usados nas decisões morais, não tratar todos iguais, mas o equilíbrio em que são afetados por uma ação moral. Singer discorda de qualquer teoria de que todos os homens são iguais, ele afirma que existem diferenças entre os indivíduos, porque os seres humanos não a possuem no mesmo grau, um exemplo são os recém-nascidos.
A filosofia singeriana coloca-nos à frente de duas ideias: a Igualdade de consideração de interesses e no princípio de igual consideração de interesses.
No primeiro, Igualdade de consideração de interesses, Singer afirma: “é um princípio mínimo de igualdade, no sentido que não impõe um tratamento igual”. A igual consideração de interesses age de uma forma não-igualitária, por exemplo, num acidente envolvendo dois carros com duas vítimas, o primeiro motorista (A) sofreu uma fratura exposta num dos braços e está sofrendo muita dor, já o segundo motorista (B) quebrou um dos pés e está sentindo dor, mas uma dor mais suportável do que uma fratura exposta. O médico chega ao local e tem apenas dois anestésicos para aliviar a dor, se der apenas um anestésico para o indivíduo (B) que tem apenas o pé quebrado, logo a dor acalma, mas para o indivíduo (A) que tem a fratura exposta não basta apenas um anestésico para aliviar a dor; nessa situação a igual consideração de interesses escolhe que o indivíduo (A) que tem a fratura exposta por ter a dor mais forte receba as duas doses do anestésico.
Já o princípio de igual consideração de interesses, segundo Singer, procura dar o máximo de igualdade, mesmo se às vezes não seja a melhor decisão. Noutro  exemplo usando um acidente envolvendo dois motoristas, uma vítima(A) fatalmente veio a perder um braço e está sujeito a perder três dedos da mão, e a outra vítima(B) está sujeita perder um dos braços, que socorrendo logo pode ser salvo. Neste caso o princípio de igual consideração de interesses diz que a vítima (B) que está sujeita a perder um dos braços tenha prioridade, pois o princípio entende que se o individuo for socorrido logo salvará o braço, pois a outra vítima (A) já perdeu um braço e pode vir a perder os três dedos, e entre amputar três dedos ou salvar um braço a opção é amputar os três dedos da outra vítima (A). Aqui não devemos levar em conta os interesses particulares, mas sim o interesse de todos que foram afetados.
 Créditos:
BENTHAM, Jeremy e STUART MILL, John. Os Pensadores. Tradução: Luiz João Baraúna, João M. Coelho e Pablo R. Mariconda. Abril Cultural, São Paulo, 1979.
SINGER, Peter. Vida Ética. Tradução: Alice Xavier. Ediouro, Rio de Janeiro, 2002.

SINGER, Peter. Ética Prática. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. Editora

Martins Fontes, São Paulo, 2006.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Homem e humano; demasiado humano?

por Osvaldo Duarte

 

 

Os conceitos de homem e humano estão mesclados de tal forma que já não conseguimos mais distingui-los. Essa amálgama não está de toda errada, mas acreditamos que é sempre preciso voltar àqueles conceitos originários para que se possa repensar o que ainda resta de humano no homem que se diz humano. Há certa obviedade ao dizermos que somos seres humanos ou homens, isso não requer, de fato, uma grande reflexão, pois os compreendemos perfeitamente.  No entanto, ao pedirmos de chofre uma explicação de tais conceitos, nos parece que não há clareza nas respostas, afora a argumentação religiosa, o que está fora do nosso propósito.

 

 

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No conceito originário de homem não continha essa subjetividade do eu tal qual a conhecemos hoje. O “eu” para os gregos, estava imerso na totalidade do mundo circundante, na physis (natureza), na pólis.  Para os antigos gregos, homem significava: ser vivo que possui linguagem. A essência do homem é possuir palavras, poder dizer algo e poder ouvir o que o outro tem a dizer. A palavra permeia as relações dos homens de tal maneira que, tudo se manifesta em simultaneidade com a palavra. Através da fala o homem expressa sobre o mundo. Ainda que não pronunciada, a palavra está presente no indizível.  Juntamente com esta definição, também havia outro significado do conceito homem: ente que calcula, mas não necessariamente o saber contar, mas contar com algo, o ser calculador.

 

 

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O conceito originário de humano deriva de humanitas. Aulo Gélio nos dá notícias de que no seu tempo o vulgo tinha por humanitas aquilo que para os gregos era filantropia, que significava certa afabilidade e benevolência para com todos os homens indistintamente. Os romanos eruditos, conhecedores e praticantes da língua latina, tinham por humanitas aquilo que os antigos gregos denominavam paideía (educação), que seria a instrução e formação para as boas artes, pois, dentre todos os seres animados, somente ao homem foi dado o cuidado e o ensinamento das boas artes.

Varrão e Cícero já utilizavam tal conceito. Com efeito, humano, em latim humãnus, significa: de homem ou pertencente a homem, erudito, educado, instruído nas belas-letras, civilizado.

 

 

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O ensino requer dotes naturais e prática.

Deve começar-se a aprender em novo.

                                         Protágoras

 

 

Para o povo da hélade, a educação modela o homem como o oleiro modela a sua argila; a paidéia deve ser de feita através de um processo de construção consciente, do modo correto e sem falha, tornando possível a elaboração do Homem vivo.

Aprendamos com este povo vigoroso, que a educação não deve ser voltada apenas para o trabalho; dentre outras possibilidades, a educação deve formar o cidadão, como também, viabilizar a realização plena do homem enquanto ser humano. A sociedade que não investe em educação está fadada a um futuro sombrio, onde há ignorância, a treva se faz presente.

 

Não é indiferente que o povo seja instruído. Os preconceitos dos magistrados começaram por ser os da nação. Numa época de ignorância, não se tem nenhuma dúvida até quando se fazem os maiores males; numa época de luzes, treme-se ainda quando são feitos os maiores bens.

                                                                                                                   Montesquieu

 

Portanto, a educação* é condição de possibilidade para que o homem se torne cada vez mais humano, demasiado humano!

 

 

 

* Veja o nosso texto: Da Educação - Platão – 427-347 a.C.

 

Créditos

 

GÉLIO, A., Noites Áticas. Trad. José R. SEABRA F.. Londrina: Eduel, 2010

JAEGER, W. Paidéia: A Formação do Homem Grego; Herder; São Paulo; 1972.

MONTESQUIEU, Do Espírito das Leis;. Trad. H. Barbosa. Edições Cultura, São Paulo, 1945.

HEIDEGGER, M. Heráclito. Trad. Marcia Sá C. Schuback. Ed. Relume Dumará. Rio de Janeiro, 1998.

HEIDEGGER, M. Platão: O Sofista. Trad. M. A. Casanova. Forense Universitária. Rio de Janeiro, 2012.

PEREIRA, M. H. Rocha,  Hélade Antologia da Cultura Grega, Lisboa: Guimarães Editores SA, 2009.

 

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

O filósofo Peter Singer e a crítica ao abate animal


clip_image002[5]O filósofo australiano Peter Singer (1946-    ) mostrou ao mundo, em 1975 com o lançamento da obra Libertação Animal, o sofrimento que os animais passam quando vão para o abate, o que ocorre desde o nascimento até a morte. Singer afirma que o abate causa muito sofrimento aos animais, pois ele explica que os animais são dotados de consciência e sensibilidade e por este motivo devem ser tratados com o mesmo respeito dado aos seres humanos. Singer afirma que a dor e o sofrimento são maus em si mesmo, tem-se que evitá-los, minimizar o máximo, independente da raça, do sexo, ou da espécie do ser que é submetido ao sofrimento.
Nessa questão polêmica do tratamento dado aos animais, ele afirma que devemos aplicar o princípio da igualdade de consideração de interesses, isto é, que interesses iguais devem ser tratados de formas iguais, ou seja, o interesse de um animal pela sua vida deve ser considerado na mesma medida que o interesse de um ser humano pela sua vida. Segundo Singer, muitas das atrocidades cometidas aos animais poderiam ser evitadas se o homem tivesse consciência de que os animais têm sentimentos e sofrem qualquer dor que lhes é causada. A proposta de Singer é acabar com a visão especista que afirma: os animais servem somente para saciar a vontade dos humanos.

O filósofo explica que as pessoas dos grandes centros urbanos têm o seu primeiro contato com os animais na hora da refeição, isto é, quando vamos ao mercado e compramos uma peça contendo pedaços de carne, nem pensamos que aqueles pedaços que estão embalados são de um animal, e agimos como se isso fosse a mesma coisa que comprar um pacote de biscoitos ou de balas.
Singer faz uma critica severa do modo como os animais criados para o abate são submetidos a condições cruéis de confinamento pelo qual eles nem podem se mover, muitas vezes vive até o fim  com luzes artificiais e mesmo em locais sem luz alguma; eles não podem nem andar ou se movimentar, e muitas vezes ocorrem muitas doenças em que o animal morre antes de ser abatido e muitas vezes a epidemia é tão grande que vários morrem; famílias separadas, no caso dos bezerros tirados de suas mães logo nos primeiros dias do nascimento; existem relatos da prática de canibalismo entre as galinhas que vivem em gaiolas tão apertadas que nem sequer se mexem. Em suma, os animais criados nessas “fazendas industriais”, termo este usado por Singer, são privados de liberdade, sobrevivem apenas alimentando-se e dormindo, sem o direito a uma vida plena.

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O pensamento central da filosofia singeriana está embasado de que os animais que são criados para abate devem ser criados em fazendas (como antigamente), ao céu aberto, com seus filhotes, ciscando, banhando-se a luz do sol, sentido a chuva, correndo, ou seja, vivendo uma vida plena, e na hora do abate, o animal não deve perceber e nem sofrer nenhum tipo de dor, a morte gerada tem que ser indolor.

Ver o nosso artigo: Abate Humanitário.


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Singer não critica as pessoas que consomem carne, mas sim o método como os animais são expostos antes do abatimento; infelizmente muitas vezes na hora do abate, são sacrificados de maneira inaceitável por empresas que utilizam métodos de abate arcaico e muitas delas clandestinas. Singer é fervoroso ao afirmar que os animais sentem dor e sofrem, pois possuem sistema nervoso muito semelhante aos nossos. Um exemplo disso é o cérebro do golfinho que tem características anatômicas muito parecidas com o cérebro da espécie humana.
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Singer continua questionando: se os animais não sentem dor, por que eles teriam órgãos internos muito semelhantes aos nossos? Se covardemente, puxamos a orelha de uma criança com força certamente ela sentirá dor, e consequentemente, chorará; ao puxarmos com força a orelha de um cachorro, ele dará um grito! Isso é a forma mais simplória de mostrar que os animais sentem dor.

Veja o nosso artigo: David Hume e a tese de que os animais são dotados de sensações.

Muito se diz que a criação de animais que vão para o abate deve-se ao argumento que no mundo existam muitos seres humanos passando fome, e a criação intensiva e sem freio de animais destinados ao abate é um fato e precisa ser feito, mas Singer explica que nos países africanos, onde centenas de pessoas morrem por ano de fome, exportam toneladas de grãos para os países do primeiro mundo, esses grãos são destinados para a alimentação dos animais que vão ser abatidos. Se os produtores de grãos destinassem esses alimentos para o consumo da população humana, o resultado seria muito positivo, isto é, o déficit mundial de alimentos desapareceria. Isso evitaria a fome em vários países onde a população vive abaixo da linha da miséria, e, evitaria o sofrimento de milhares de animais que passam por grandes constrangimentos desde a hora que nascem até a hora do abate.
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Créditos:
FELIPE, Sônia T. Ética e experimentação animal: fundamentos abolicionistas. Santa Catarina, Editora EDUFSC, 2007.
SINGER, Peter. Libertação Animal. Tradução: Marly Winckler. São Paulo, Editora Lugano, 2008.
SINGER, Peter. Ética Prática. Tradução: Jefferson Luiz Camargo.São Paulo, Editora Martins Fontes, 2006.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

David Hume e a tese de que os animais são dotados de sensações


por Leandro Morena

Na trajetória da história da filosofia alguns pensadores, principalmente os medievais, afirmaram que o homem é superior aos animais. Essa diferença encontra-se na capacidade que o homem tem da linguagem e do intelecto. No período medieval, os pensadoclip_image001[7]res criaram um abismo entre o homem e os animais, pois  o pensamento central naquela época tinha como ideia de que Deus criou o homem à sua imagem*. No pensamento moderno o homem é colocado como o que há de mais importante na Terra - o egocentrismo - e o pensamento mecanicista que ganhara grande aceitação no meio filosófico, fez com que o distanciamento que havia acontecido no período medieval, ficasse difundido no pensamento moderno.

Na contramão desse pensamento, o filósofo escocês David Hume (1711-1776), clip_image002[3]que foi o autor da obra: Tratado da Natureza Humana inovou o conceito de que somente o homem tem a capacidade de sentir, pois nesse tratado Hume dedicou algumas passagens explicando as sensações nos animais, vindo afirmar que os animais assim como os seres humanos possuem essa capacidade. O filósofo escocês chega a essa conclusão, simplesmente, pelo fato da observação do comportamento dos animais, pois estes chegam à espantosa semelhança com o ser humano. Hume cita vários exemplos de sensações que é exclusivamente encontrada no homem e podem, muito facilmente, ser encontradas nos animais; características essas como o amor, o ódio, o orgulho e a humildade. Essa afirmação que Hume faz coloca um questionamento aos adeptos do mecanicismo.
         Hume afirma que os seres humanos são conduzidos pela razão para chegar numa finalidade: realizar ações para a autopreservação da nossa espécie, obtendo-se o prazer e evitando-se a dor. Nos animais, afirma Hume, vemos o mesmo comportamento, realizam ações para chegar numa determinada finalidade que é a autopreservação.
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Segundo Hume, o orgulho e a humildade são paixões encontradas nos animais.
É claro que, em quase todas as espécies de criaturas, mas  sobretudo nas mais nobres, há muitas e evidentes marcas de orgulho e humildade. O próprio porte e o andar de um cisne, um peru ou um pavão mostram à altiva ideia de que tem de si mesmos, e seu desprezo para com os outros. Isso é ainda mais notável porque, nestas duas ultimas espécies de animais, o orgulho sempre acompanha a beleza, e só aparece no macho. A vaidade e emulação dos rouxinóis em seu canto têm sido observada com frequência; e também a do cavalo em sua rapidez, dos cães de caça em sua
sagacidade e olfato, do touro e do galo em sua força, e de todos os outros animais, em suas excelências próprias. Acrescente-se a isso que todas as espécies que se aproximam do homem com tal frequência que chegam a adquirir com ele uma familiaridade mostram um evidente orgulho por sua aprovação, e comprazem-se com seus elogios e carinhos, independentemente de qualquer outra consideração. E não é o carinho de todos, sem distinção, que lhes provoca essa vaidade, mas especialmente o das pessoas que conhecem e amam; exatamente como ocorre quando essa paixão é despertada no homem. Todas essas são provas evidentes de que o orgulho e a humildade não são paixões meramente humanas, estendendo-se, antes, por todo o reino animal.

    Tradução: Déborah Danowski

O amor e o ódio são características encontradas nos animais. Hume cita o exemplo de uma pessoa que trate bem um animal, com carinho e alimentando-o, automaticamente o animal corresponderá com o mesmo gesto de carinho. Se tratarmos um animal mal consequentemente despertamos sua fúria. O animal não somente ama os da sua própria espécie, mas sim qualquer outra espécie diferente, inclusive o homem. Um exemplo, afirma Hume, é o cão que pode amar mais o seu dono do que outro cão. Essa afirmação de Hume leva-nos aos dias atuais, pois hoje observamos que muitos animais como cães e gatos são usados como autoajuda para pessoas idosas internadas em casas de repouso, crianças com doenças graves e pessoas com deficiência mental e observa-se que essas terapias relação homem-animal mostram-nos que está alcançando resultados surpreendentemente positivos.

Hume continua citar mais exemplos de sensações encontradas nos animais:

  É evidente que a simpatia, ou comunicação das paixões, ocorre entre os animais tanto quanto entre os homens. Medo, raiva, coragem e outros afetos comunicam-se frequentemente de um animal a outro, sem que eles tenham conhecimento da causa que produziu a paixão original. Também a tristeza é recebida por simpatia, e tem quase as mesmas consequências, e desperta as mesmas emoções que em nossa espécie. Os uivos e lamentos de um cão produzem uma sensível inquietação em seus companheiros. E é notável que, embora quase todos os animais, ao brincar, empreguem a mesma parte do corpo que usam para lutar, e ajam quase da mesma maneira – o leão, o tigre e o gato usam suas garras; o boi, seus chifres; o cão, seus dentes; o cavalo, seus cascos -, eles evitam cuidadosamente ferir seu companheiro, mesmo sem temer sua reação. Isso é uma prova evidente do senso que os animais têm das dores e prazeres uns dos outros.

Tradução: Déborah Danowski
                                                             
Embora as observações que Hume fizera dos animais não obteve grande efeito na época, como também toda a obra do Tratado da Natureza Humana não teve grande aceitação pelo público, pois a obra não foi bem compreendida e Hume foi acusado de ateísmo e pirronismo e levou-o escrever obras mais acessíveis, e mesmo assim, imortalizou-se como um dos maiores filósofos do seu tempo.
Voltando a questão que Hume propôs de que os animais são dotados de sensações, abriu-se um novo horizonte para que a filosofia questionasse esse distanciamento que os animais têm com os homens e colocasse em dúvida de que os animais agem puramente por automatismo. Filósofos contemporâneos a Hume como Condillac (1714-1780) que aprofundara na questão das sensações nos animais e posteriores a Hume como Bentham (1748-1832) e Schopenhauer (1788-1860) começaram a discussão da capacidade que os animais têm de pensar e sentir e as criticas severas ao sofrimento animal.

* Ver o nosso texto: A superioridade do homem na filosofia Agostiniana.

Créditos:

HUISMAN, Dennis. Dicionário de Obras Filosóficas. Tradução: Ivone Castilho Benedetti. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2002;

HUME, David. Tratado da Natureza Humana. Trad. Déborah Danowski. Ed. Unesp. Imprensa Oficial, São Paulo, 2001.

sábado, 21 de dezembro de 2013

O Mito de Sísifo e a Náusea da Vida

 

por Osvaldo Duarte

 

Considerado o mais astuto dos mortais e o mais inescrupuloso, Sísifo, filho de Éolo da raça de Deucalião, foi fundador de Corinto. Sua lenda é constituída de várias histórias de astúcias, mas o que nos interessa aqui é o recorte de uma das versões do mito que faz alusão ao seu sofrimento:

 

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Quando Zeus raptou Egina, filha de Asopo, para levá-la a Enone, passou por Corinto e Sísifo viu-o. Sabendo que procurava sua filha, Sísifo foi ter com Asopo, prometendo relevar-lhe o nome do raptor se o mesmo fizesse brotar uma nascente na cidade de Corinto. Asopo[1] assentiu, e Sísifo denunciou Zeus. Esse episódio atraiu sobre o delator a cólera do senhor dos deuses. Zeus o fulminou de imediato e o precipitou nos Infernos. Sísifo teve como castigo rolar um enorme rochedo na subida de uma vertente. Mal o rochedo atingia o cimo, voltava a cair por causa do seu próprio peso e o trabalho de Sísifo tinha de recomeçar, ad aeterno.

 

Muitas vezes nos cansamos da mesmice que a vida nos impõe. Dia após dia, assim como Sísifo, fazemos as mesmas coisas: rolamos nosso rochedo morro acima - choramos, reclamamos, labutamos e nos enfastiamos, mas sempre firmes empurrando o nosso rochedo, acreditando que o amanhã será diferente. Viver é para os fortes, os fracos sucumbem.

 

“Até quando aguentaremos sempre o mesmo? Nunca faremos outra coisa senão acordar e adormecer, comer e sentir fome, ter frio e calor?! Coisa alguma tem um termo, está tudo urdido em círculo, tudo se sucede alternadamente sem parar: a noite põe termo ao dia, e o dia à noite, o verão vai findar no outono, ao outono segue-se o inverno, que por seu turno é destronado pela primavera; tudo passa para regressar novamente. Não realizamos nada de novo: e aqui reside por vezes a causa da náusea!”

                                                                                                         Sêneca

“... Examina os dramas e as cenas que conheces por tua experiência pessoal ou pela história antiga, coloca diante dos teus olhos toda corte de Adriano, Augusto, Felipe, Alexandre e Creso, por exemplo. Todos esses espetáculos se assemelhavam, os atores é que eram outros.”

                                                                                                                                                         Marco Aurélio

 

Se o estoicismo nos mostra essa condição de impotência diante da vida, também nos ensina como lidar com esta situação. Não basta viver (ser forte), mas viver sabiamente, isto é, conforme a natureza. Viver conforme a natureza é uma aceitação da vida que nos foi dada pelos deuses. Devemos sempre desempenhar o nosso papel da melhor maneira possível, ainda que nos seja de sobremaneira penoso.

 

“Lembra que és tal como um ator no desempenho do papel que o autor quis proporcionar: se breve, breve, se longo, longo. Se quiser que representes um papel de mendigo, faze por representar aquela figura o

melhor que puderes; e assim se for de um manco, ou de um príncipe, ou de um plebeu, porque o teu ofício é representar bem a personagem que lhe derem, e o de escolher o papel, é de outrem.”

                                                                                                                                                         Epicteto

 

 

“Eu me conformo com tudo que te convém ó mundo! Para mim, nada é prematuro ou tardio, se é oportuno para ti. As tuas estações, ó natureza, para mim só produzem frutos, tudo vem de ti; tudo em ti existe; tudo para ti retorna.”

“Entrega-te de boa vontade a Cloto[2]; deixa-a fiar a tua vida com os acontecimentos que lhe aprouver.”

                                                                                                                                                         Marco Aurélio

 

E quando tentamos mudar, isto é, representar um papel que não nos foi destinado pelos deuses, a Stoa nos adverte:

 

Se quiseres representar nesta vida algum personagem que exceda as tuas forças e capacidade, farás duas coisas, que isto não podes, fá-lo-á mal e indecentemente; deixarás o que poderias fazer bem e com louvor.

 

                                                                                                                                                         Epicteto

 

 

 

Diante do infortúnio, das adversidades, do sofrimento que a vida nos impõe, os estóicos nos ensinam a viver sabiamente - devemos encarar a dor como uma provação, um aperfeiçoamento, portanto, sejamos sábios, e, sempre  manter a calma, a serenidade e não nos entregarmos às aflições, ao desespero, afinal, isso de nada adianta, pois o nosso caminho já foi traçado pelas Moiras.

 

 

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Créditos:

 

AURÉLIO, M. Pensamentos. São Paulo, Edições Cultura, 1942.

AURÉLIO, M. Meditações. São Paulo, Editora Iluminuras, 1995.

GRIMAL, P., Dicionário da Mitologia Grega e Romana. Trad. V. Jabouille. Bertrand Brasil, 2000.

EPICTETO, Manual de Epitecto: Máximas Diatribes e Aforismos. Lisboa: VEGA, 1992.

EPITÉTO, Manual de Epiteto. Trad. Frei Antonio de Souza. São Paulo: Edições Cultura, 1944.

PENSAMIENTOS. Trad. Joaquin Delgado. Buenos Aires: El Ateneo, 1945.

SÊNECA, L. A., Cartas a Lucílio. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009.



1 - Asopo - deus do rio que levava o seu nome.

2 - Moira Cloto – Presente.

domingo, 8 de dezembro de 2013

A parteira : O livro de um poema só.

 

Mais uma vez, a editora da gente nos brinda com a obra do poeta Adenildo  Lima.

 Veio a lume o livro A parteira, com ilustrações do artista plástico JP - João Paulo de Melo.

 

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Para degustação,  reproduzimos abaixo, o excerto da obra:

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http://www.editoradagente.com.br/

sábado, 19 de outubro de 2013

A democracia ateniense

por Osvaldo Duarte
 
“Governar, é ser, por sua vez, governado.”
 
A democracia ateniense: uma sociedade democrática possível entre iguais e diferentes.
À letra, democracia política (demokrateia) significava para os gregos “domínio do povo” ou “poder do povo”.  
Como já observamos noutros textos*, a sociedade ateniense era composta por cidadãos, mulheres, homens livres (metecos) e escravos. O exercício da cidadania era permitido apenas aos cidadãos, e consequentemente, a democracia, cuja expressão mais sublime, ao menos sob o nosso ponto de vista, se dava na constituição das assembléias.
A vida política na pólis girava em torno das Assembléias. Duas grandes Assembléias asseguravam a democracia ateniense: A Assembléia dos Quinhentos (Bulê - Boulê), e a Assembléia do povo (Eclésia - Ekklesía), realizadas uma vez por mês.
 
 
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A Bulê era composta por quinhentos membros (buleutas), sendo que cada uma das dez tribos era representada por cinquenta cidadãos com mais de trinta anos, escolhidos por sorteio a cada ano. Essa escolha à sorte permitia a composição da Bulê sempre por pessoas diferentes, evitando assim, que os contemplados desenvolvessem sentimentos de corporação. Todo cidadão podia exercer esta função apenas duas vezes na vida. Cabia ao Conselho dos Quinhentos a administração das Assembléias; era sua função preparar as questões que deveriam ser submetidas à Assembléia do Povo, como também, apresentar os projetos de decretos-lei (probuleumata), e formular a ordem do dia. Além dessas funções, sua competência abrangia a vigilância e a fiscalização da administração como um todo.
 
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Eclésia, a Assembléia soberana do Povo. Todo cidadão era soldado ou marinheiro, legislador, juiz, e administrador; esse era o seu dever: servir à pólis. Em meados do séc. V estima-se que a totalidade dos cidadãos era entorno de trinta a quarenta mil, entretanto, cerca de dois terços não moravam na cidade e costumavam participar das Assembléias somente em situações importantes. Outro tanto servia na frota ou no exército ou ainda tinha outras ocupações. A soberania do povo era exercida dentro de certos limites: só podia deliberar sobre questões ou decretos que lhe eram submetidos pela Bulê, mas poderia alterá-los através de emendas, sendo que a ordem do dia deveria ser sempre respeitada. Qualquer cidadão tinha liberdade de propor emendas. Quando aprovado algum decreto, gravava-se numa pedra com o nome do autor ou autores do decreto ou emendas, feito isso, era colocado em exposição para que dele todos tomassem conhecimento. Caso a lei fosse desastrosa, saberiam quem eram os responsáveis para submetê-los à justiça. À Eclésia era vedado fazer leis diretamente sem submetê-las a um processo longo como garantia e prudência. Para que todos os cidadãos pudessem cuidar dos assuntos da pólis, isto é, comparecer às Assembléias e ter acesso às magistraturas e lugar nos júris, o Estado sabendo das dificuldades, pois, nem todos tinham recursos financeiros para tal, ou ainda, muitos tinham de deixar sua lida, criou a mistoforia (misthos – salário), assim, todos os cidadãos que participavam das Assembléias eram remunerados.
 
Como vimos acima, os cidadãos não só tinham em suas mãos as rédeas, como também  teciam o fio do destino da pólis. A democracia representativa era estranha aos gregos - não se delegava a outrem a responsabilidade da cidadania; é bem possível soubessem que essa representação fosse o melhor caminho para eleger os seus próprios tiranos.
 
* A cidadania Ateniense
 Da não cidadania ateniense
 
Créditos:
 
CROISET, A. As Democracias Antigas. Rio de Janeiro, Livraria Garnier, 1923.
GLOTZ, Gustavo. História Econômica da Grécia. Lisboa, Edições Cosmos, 1973.
KITTO, H. D. F , Os gregos. Coimbra, Armênio Amado, Editor, Sucessor, 1960.
LEVÊQUE, Pierre, A Aventura Grega, Edições Cosmos, 1967.
MOSSÉ. Claude. O Cidadão na Grécia Antiga. Lisboa, Edições 70, 1999.