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Pansophia

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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

John Locke é um filósofo especista ou não?

por Leandro Morena

John Locke é um filósofo inglês, nascido em 1632 no mesmo ano em que nasceu o filósofo holandês Baruch Espinosa, ele foi representante do empirismo, ideólogo do liberalismo e médico. Dedicou-se a filosofia política. Com uma obra imensa, entre elas Ensaio acerca do Entendimento Humano, a filosofia lockeana apesar de não ter dedicado nenhum título aos animais, existem várias passagens que mostram que o pensador britânico tinha algum interesse nos animais. Mas antes de apresentar o pensamento lockeano para com os animais, tomarei a liberdade para apresentar o que significa o especismo.
O termo especismo foi criado no início da década de 70 do século passado pelo psicólogo e filósofo Richard Ryder (1940- ). Este termo significa que nós (seres humanos) nos preocupamos somente com os seres da nossa espécie, as outras espécies não nos importam e podemos fazer o que bem entender com elas.

Na história da filosofia tiveram pensadores especistas como também aqueles que defendiam as outras espécies. Na Grécia antiga já se discutia a questão dos animais. Filósofos de prestígio como Platão e Aristóteles discutiam esse assunto, e nos seus pensamentos colocou-se o homem como o ser supremo na natureza. Aristóteles não negava que o homem é um animal, mas a diferença dele com as outras espécies é que o homem é um animal racional. Na Idade Média que vigorava o Teocentrismo (Deus como o centro do universo), os pensadores daquela época afirmavam que o homem foi feito à imagem de Deus e por esse motivo as outras espécies foram criadas somente para servi-lo.

São Tomás de Aquino (1225-1274) fez a separação do homem com os animais e afirmava que o animal agia como um relógio, tese esta que seria utilizada por Descartes (1596-1650). Na filosofia Moderna esse conceito da superioridade do homem com as demais espécies não mudou muito. O Teocentrismo deu lugar ao Antropocentrismo e o homem passou a ser o centro do universo e, consequentemente, veio à tona a singularidade da vida humana. O homem como o ser mais perfeito e sábio que há na natureza.

Vale lembrar que nessa época filósofos contemporâneos a Locke como Descartes e Espinosa colocaram um grande abismo entre os homens com as demais espécies. Na obra o Discurso do Método, o mecanicismo cartesiano afirma que o corpo humano e dos demais animais agem como uma máquina, mas diferentemente do homem que tem a capacidade da linguagem e da razão e por isso é constituído por uma alma imortal, os animais, por não possuírem essa tal capacidade não possuem uma alma imortal e por não possuí-la não sentem dor, prazer, etc., em suma, agem simplesmente como uma máquina fria. Se cortarmos um gato o seu grito não é dor e sim um som de uma máquina.
 Descartes, afirma que os animais se comparam com um relógio e que a diferença entre eles é que os animais são máquinas mais sofisticadas do que um relógio, pois foram criados por Deus, enquanto o relógio foi criado pelo homem. O obscurantismo da teoria mecanicista teve aceitação por muitos outros pensadores.  Já o filósofo Espinosa na sua obra a Ética, afirma que o homem tem que se preocupar somente com os da sua espécie e poderíamos fazer o que quisermos com as outras espécies, e ele vai além, afirma que não temos que sentir dó se os animais são submetidos a maus tratos, pois os que defendem os animais estão baseados numa superstição. Ele não negava que os animais sentiam, mas que esse “sentir” seria completamente diferente dos seres humanos, ou seja, a ética espinosana piora ainda mais o conceito filosófico dos animais, simplesmente a definição de especismo vista acima.


Depois desse breve resumo gostaria de colocar a questão sobre o especismo ou não em Locke. Numa de suas passagens, ele afirma que alguns homens são capazes de vender seus filhos e matar seus idosos, prática essa que não aconteceria com as outras espécies, pois os animais lutariam e morreriam para defender seus filhotes. Locke era ao contrário do mecanicismo e acreditava que os animais possuíssem a capacidade de raciocinar. 

 O filósofo empirista explica qual é a diferença dos animais com o relógio, e diferentemente de Descartes, ele afirma que nos animais a adequação da organização e do movimento é gerado no interior deles e no caso do relógio, o movimento é gerado no exterior.  Em outra passagem, Locke afirma que o movimento de um beija-flor não passa de um puro movimento mecânico, mas não acredita que esse movimento teria uma causa mecânica, vale à pena transcrever essa passagem. A saber:


                     Pois embora eu admita que o som  pode causar mecanicamente um certo movimento nos      espíritos animais, nos cérebros desses pássaros, enquanto a melodia está sendo realmente tocada; e esse movimento pode ter continuidade nos músculos das asas, e assim o pássaro ser mecanicamente afugentado por certos ruídos, porque isso pode ser favorável à preservação do pássaro: entretanto, isso não pode ser admitido como razão que explique por que, enquanto a melodia estava sendo tocada, e muito menos depois que ela cessou, o movimento nos órgãos vocais do pássaro teria uma causa mecânica em conformidade com as notas de um som estranho, cuja imitação não pode ter a menor utilidade para a preservação da ave (Yolton, 1996, p.35).

Locke nunca negou a capacidade que os animais têm de raciocinar. Este raciocínio é feito através de ideias particulares. Segundo Yolton, um exemplo que Locke apresenta para tornar verdadeira a sua afirmação de que os animais pensam, é o esforço dos pássaros que aprendem melodias para alcançar um timbre desejado, pois eles têm percepção e retêm idéias em sua memória. Segundo Feijó, Locke afirma que a percepção é encontrada num certo grau em cada classe de animais, sendo que em muitos animais a recepção de sensação é bastante limitada. Locke cita o exemplo da ostra que não tem a mesma viveza de sentidos que um homem ou outro animal mais sofisticado, pois em nada adiantaria tê-la, pois a capacidade de locomoção não existe nesse animal. Segundo Feijó, esse exemplo da ostra mostra que existe apenas alguma fraca percepção que o distingue da insensibilidade absoluta. Mas essa situação vivida pela ostra pode também ser vivida pelo homem, segundo o filósofo, a velhice ou a perda total de algum dos sentidos coloca-o no mesmo patamar da ostra.
O leitor pode se perguntar: Por que esse título: se é especista ou não? Pois ele mostrou-se preocupado com os animais, e jamais poderíamos colocá-lo como especista?  Descreverei algumas passagens de Locke que pode colocá-lo como um filósofo especista.  Ele afirmava sua irritação ao observar às crianças judiando dos animais, o pensador afirmava que as mães tinham que educar aos seus filhos para que estes passem a respeitar mais os animais, não os maltratando e nem os deixando sem comida e água. Locke chegou a afirmar que às crianças que judiam dos animais, futuramente serão seres humanos de mau caráter. Vemos aqui, que a preocupação de Locke com as crianças que judiam dos animais, está no âmbito que essas mesmas crianças ao alcançar a vida adulta serão pessoas que trarão problemas para a sociedade humana, ou seja, é inaceitável isso para o bem do homem, nitidamente nota-se que a preocupação não é com os animais. Por algumas vezes ele colocou os animais no mesmo patamar dos homens equiparando-os. Quando Locke fez críticas aos fanáticos religiosos ele compara os ignorantes aos animais, mostrando o seu reducionismo antropocêntrico especista. A saber:

  Assim sendo, com efeito, a religião, que mais nos deveria distinguir das bestas, e deveria mais particularmente nos elevar, como criaturas racionais, acima dos brutos, consiste nisso, ou seja, os homens frequentemente, através delas, parecem mais irracionais e mais insensíveis do que as próprias bestas. (...) não causa surpresa que algumas de nossas funções mentais sejam compartilhadas com alguns animais. (Yolton, 1996, p.34).

Noutra passagem, segundo Yolton, Locke fala de um homicida que perde a razão e mata outro homem, este homicida não merece viver mais entre as pessoas de bem e deve ser destruído como um leão, pois jamais um homem poderá conviver e ter segurança ao lado de um leão. Aqui Locke coloca uma negatividade tremenda na imagem dos animais como a própria escolástica colocou, pois tudo que se é de errado no ser humano é comparado aos animais, ou seja, um homicida seria uma fera, sem dó, sem piedade e sem sentimentos e mataria como as bestas. Locke era um grande leitor da bíblia e ele afirmava o que a própria bíblia afirma e a filosofia escolástica afirmou por quase 15 séculos: “Os animais são criados por Deus somente para servir aos seres humanos, pois o homem tem o direito de usar os animais como bem entender, afim da preservação da espécie humana”.
Visto às afirmações acima, acredito que John Locke apesar da sua preocupação para com os animais, ele acabou aderindo a esses aspectos funestos do especismo reducionista do pensamento moderno, por isso posso, sem constrangimento, alcunhá-lo como sendo um filósofo especista.

 Referências Bibliográficas

DESCARTES, René. Discurso do Método. Os Pensadores. 2.ed. Tradução: J.Guinsburg e Bento Prado Júnior. São Paulo, Abril Cultural, 1979.
 ESPINOSA, Baruch. A Ética. Os Pensadores. 2.ed. Tradução: Antõnio Simões. São
Paulo, Abril Cultural, 1979.
 FEIJÓ, Anamaria. Utilização de animais na investigação e docência. Porto Alegre,
EDIPUCRS, 2005.
LOCKE, John. Ensaio acerca do Entendimento Humano. Os Pensadores. 2 ed. Tradução:Anoar Aiex e E. Jacy Monteiro. São Paulo, Abril cultural, 1978.
 YOLTON, John W. Dicionário Locke. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1996.
 Figura 1: Disponível em:
Acesso em 09. Jul. 2011
Figura 2: Disponível em:
Acesso: 12. Jul. 2010
Figura 3: Disponível em:
Acesso em: 10. Jul. 2011
Figura 4 e 6: Disponível em:
 Acesso em: 09. Jul. 2011
 Figura 5: Disponível em:
 Acesso em: 10. Jul. 2011




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