por Osvaldo Duarte
Taciano, o assírio, nasceu por volta do ano 120 e morreu possivelmente no ano 180. Sua educação foi eminentemente grega, da qual conservou em sua vida o gosto literário. Após ter viajado muito e ter-se iniciado em vários mistérios, estudado várias disciplinas inclusive a filosofia, converteu-se ao cristianismo, pois somente os escritos dos hebreus o satisfizeram. Em Roma conheceu Justino, o mártir, tornando-se seu discípulo. Seu mestre exerceu profunda influência em seu pensamento; a moralidade severa, o caráter monoteísta que afasta do dogma da criação as curiosidades físicas e metafísicas, encontra aí o seu espírito tacanho terreno fértil para suas obras. O Discurso contra os Gregos é considerado sua obra principal, composto provavelmente entre os anos 166 e 171, que segundo Gilson, é uma declaração dos direitos dos bárbaros, isto é, dos cristãos e do cristianismo, contra os helenos e sua cultura. Sua crítica não traz nada de original, já encontramos em Justino, Josefo e Fílon, argumentos análogos. Num sentimento anti-helênico, afirma que os gregos tomaram da Bíblia várias de suas ideias filosóficas e que nunca intentaram nada, nem mesmo a filosofia.
“Creio agora oportuno demonstrar-vos que a nossa filosofia é mais antiga do que as instituições gregas (...). Concedamos que Homero tenha vivido, não após a guerra de Tróia, mas no próprio tempo da guerra e que até tenha combatido no exército de Agamenon e que, se alguém se compraz com isso, tenha nascido antes da invenção do alfabeto. Ficará claro que o dito Moisés é, em muitos anos, mais antigo que a tomada de Tróia, muito anterior à fundação da cidade, a Tros e a Dárdano.”
Com a morte de Justino, Taciano permaneceu ainda muitos anos em Roma, continuando a escola de seu mestre, mas afastando-se cada vez mais de suas ideias. Considerava os deuses como personificação da imoralidade; causava-lhe verdadeiro horror as estátuas gregas em Roma, que foram erguidas, segundo ele, em honra aos homens e mulheres que foram criaturas de má nota. Desejava ver destruídas as obras de Eurípides e Menandro, pois foram mestres do deboche.
Taciano procura erguer sobre as ruínas da Filosofia grega o edifício do cristianismo; ainda por ter vasta erudição helênica, misturava arbitrariamente os escritos autênticos e apócrifos. Com seu espírito sombrio, violento e furioso contra a Filosofia e a civilização grega, deixava claro a sua opção pelo que chamava filosofia bárbara. Josefo, espírito do mesmo jaez, na as obra Contra Apião, afirmava que Moisés é mais antigo que Homero; nada inventaram os gregos, tudo aprenderam com outros povos, especialmente os orientais. Foram famosos apenas na arte da escrita, suas ideias eram de pouca profundidade, portanto, inferiores às ideias dos outros povos.
Para Taciano a Filosofia grega não melhorou o mundo e, nem mesmo, soube evitar os maiores crimes dos seus adeptos, pois todos eles tiveram seus vícios: Platão um gastrônomo, Aristóteles servil, Diógenes um intemperante; eram cegos a discursar com surdos. Os filósofos gregos não se entendiam, suas opiniões divergiam entre si, já no cristianismo todos professavam as mesmas opiniões: ricos, pobres, homens e mulheres. Tão longe levou suas ideias que chegou a substituir o vinho pela água no sacramento eucaristia um dos rituais tão caro aos cristãos.
(...) Diógenes, com a bravata do seu barril, ostentava a sua independência, depois comeu um polvo cru e, atacado por cólicas, morreu de intemperança; Arístipo, passeando com o seu manto de púrpura, entregava-se à dissolução mantendo a aparência de gravidade; Platão, com toda a sua filosofia foi vendido por Dionísio por causa da sua glutonaria. Aristóteles, que nesciamente estabeleceu limites para a providência e definiu felicidade pelas coisas que ele gostava, agradava depressa o rapaz louco Alexandre (...). Não posso aprovar Heráclito, quando diz: “Eu ensinava a mim mesmo”, por ser autodidata e também soberbo. (...) Também se deve rejeitar Zenão, quando ele afirma que por meio da conflagração universal os mesmo homens ressuscitarão para as mesmas ações (...). Quanto à charlatanice de Empédocles, as erupções da Sicília demonstraram que, não sendo deus, ele mentia dizendo que era.
Não vos deixei, portanto, arrastar por esses bandos de pessoas que gostam mais do barulho do que do saber e que dogmatizam coisas contraditórias, cada um dizendo o que lhe vem à boca. São muitos os choques que acontecem entre eles, pois um odeia o outro, criando doutrinas opostas por pura fanfarronice, desejando postos eminentes.
Nem mesmo a astrologia escapou à sua crítica voraz.
O objeto de perversão deles são os homens, pois, mostrando-lhes, como os jogadores de dados, uma tábua com a descrição da posição dos astros, introduziram o destino (...). Dessa forma, o colérico e o sofrido, o temperante e o intemperante, o pobre e o rico dependem dos demônios que estabeleceram a lei do seu horóscopo. Com feito, a configuração do círculo do Zodíaco é obra de seus deuses e a luz de um deles, quando predomina, triunfa sobre todos os outros, embora aquele que agora foi derrotado costume, mais adiante vencer.
O destino, às vezes irônico, deu a Taciano a morte como herege, mostrando que tanto a Filosofia grega e o cristianismo têm suas cisões partidárias. O que o perdeu foi seu desejo de ser único.
Créditos
RENAN, E., Marco-Aurélio e o fim do mudo antigo. Porto: Lélo e Irmão, Ltda, 1925.
RENAN, E., Histórias da origem do cristianismo. Porto: Lélo e Irmão, Ltda, 1929.
GILSON, Étienne. A Filosofia na Idade Média. São Paulo, Livraria Martins Fontes Editora Ltda., 2007.
PADRES APOLOGISTAS, Tr. I. Storniolo e E. M. Blancin. Patrística, São Paulo: Paulus, 2005.