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Pansophia

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terça-feira, 15 de novembro de 2011

O Ofício do Filósofo

por Osvaldo Duarte


Em Teeteto, Platão nos dá a definição do ofício do Filósofo; pretendemos aqui reproduzir apenas alguns excertos.


Sócrates, que se julga incapaz de produzir saberes, tem como ofício o que se assemelha ao ofício da sua mãe Fenárete, a mais famosa e hábil das parteiras, sendo   este ofício, por culpa de Ártemis, segundo dizem, não podendo gerar filhos tornou-se protetora dos nascimentos e não deu este trabalho de parteira às mulheres estéreis, dada a sua falta de experiência, atribuindo, portanto, este ofício àquelas mulheres incapazes pela idade, de gerar filhos, honrando a semelhança consigo. O atributo da arte de Sócrates (maiêutica) é dar à luz umas vezes, fantasias, outras o que é real, não sendo fácil tarefa diagnosticar, isto é, distinguir o real do irreal, aparência da realidade; sendo que difere daquela das parteiras pelo fato de que são os homens a dar à luz e não mulheres, e ainda, seu ofício é cuidar das almas e não dos corpos que estão a parir. O mais importante da sua arte é poder verificar completamente o fruto do pensamento do jovem, isto é, se pariu uma fantasia ou mentira, ou ainda, se gerou uma autêntica verdade. Sendo muito criticado por não produzir saberes, mas sempre perguntando aos outros enquanto ele próprio não presta declarações sobre nada, alegando que não ter nada de sábio, Sócrates concorda, e atribui a sua esterilidade, tendo como causa disso o deus que o obriga a fazer nascer, impedindo-o de produzir algo próprio, alega ainda que não houve nenhuma descoberta que tenha vindo dele, nascida de sua alma, mas já aos que junto dele convive o deus permite, descobrindo por si próprios, dando à luz muitas coisas belas, não aprendendo nada com ele, sendo ele juntamente com o deus a causa do parto. Aos que se afastam do convívio antes do tempo, isto é, mais cedo do que deviam, abortam as coisas que ainda restavam por causa das más companhias e, alimentando-se mal, destruindo as coisas que ele tinha feito nascer, preferindo as fantasias e mentiras à verdade, tornando-se ignorantes tanto a si próprios, como aos outros. O gênio que o assiste, muitas vezes o impede de se juntar a uns e, a outros permite, estes por sua vez começam a melhorar. Aos que dele se associam, sofrem dores iguais às mulheres que estão a dar à luz, ficam com dificuldades durante noites e dias, mas sua arte tem o poder de provocar a dor e também de fazer cessá-la; fugirão de si mesmos em direção à Filosofia, a fim de se tornarem diferentes e se afastarem daqueles que eram antes.  Aos que não estão de todo prenhes, sabendo que não precisam dele, Sócrates adivinha de quem se beneficiariam sendo companheiros, oferecendo-os a outros sábios e inspirados.


O Filósofo não está preocupado onde fica o Senado ou qualquer lugar comum da cidade; não ouve e nem vê as leis e decretos, o empenho das uniões partidárias, reuniões, festas e jantares, aliás, nem passa pela sua cabeça se dedicar a estas atividades. O filósofo nada sabe, nem sequer sabe que não sabe todas estas coisas, pois, apenas seu corpo está na cidade e aí reside, enquanto seu pensamento, que considera isso de pouca ou nenhuma importância, o desdenha de todas as maneiras. O filosofo observa os astros, explorando por todo lado toda a natureza, no todo de cada uma das coisas, não se importando com aquilo que está perto. Assim como Tales, que caiu num poço quando observava os astros, tinha ânsia em conhecer as coisas do céu, deixando escapar o que tinha à frente. Quem se dedica à Filosofia desconhece seu vizinho, se é mesmo homem ou qualquer criatura, sua preocupação é saber o que é o homem e o que deve fazer ou sofrer uma natureza desse gênero, diferente das outras, isso é o que se preocupa em explorar. Quando diante de um tribunal ou noutro lugar qualquer, sendo forçado a discutir sobre o que está à sua frente, provoca risos em toda multidão, pois cada dificuldade é um poço que cai devido à sua inexperiência. Quando o insultam, nada tem a censurar a ninguém, visto não estar preocupado com isso; quando elogiado por um tirano ou rei, pensa que está ouvindo elogio de um guardador de rebanho, porqueiro ou pastor, contente por os animais estarem a dar muito leite, pensando que o rei ou tirano pastam ou mugem, sendo forçoso que cresçam. Quando ouve dizer que alguém possui muitas terras, pensa que ouve uma quantidade muito pequena, pois pensa que está habituado a ver a terra inteira. Se alguém celebra sua linhagem de ricos, ele acha este louvor uma estupidez acompanhada da visão limitada, de alguém incapaz pela falta de educação, calcular que já teve milhares de antepassados, tendo havido entre eles ricos, pedintes, reis, escravos, bárbaros, gregos. Em todas as ocasiões é escarnecido pela multidão por parecer arrogante e, por outro lado, ignorante das coisas que têm ao seu pé, atrapalhando-se em situações concretas. O filósofo cresce com tempo livre e em liberdade.

Créditos
PLATÃO, Teeteto, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2010. (Tradução de Adriana M. Nogueira e Marcelo Boeri, com Prefácio de José Trindade Santos.)


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