Sêneca – Carta 88 – As Artes Liberais.
por Osvaldo Duarte
Os gregos tinham por ignorância (agnoia) algo feio (aisxoç), uma deformação da alma que deveria ser alijada através do ensinamento (didaskalikh). A Arte (texnh) surge como possibilidade de um ensinamento que pode ou não dirigir para um saber, na medida em que tenha um caráter universal. A Paidéia (paideia), traduzida como formação, e ainda pela qual os sofistas foram guiados, era educar com vistas a falar sobre todas as coisas.
À sua época, Sêneca, na epístola 88 retoma esta questão e, como bom estóico, sua crítica têm matizes da Moral, a saber, todas as ações humanas devem ser voltadas para o aperfeiçoamento do homem enquanto humano, tornando-o virtuoso.
Considerando Posidónio, o filósofo estóico informa que há quatro tipos de artes: as vulgares e inferiores, as recreativas, as educativas e as propriamente ditas, liberais.
Por artes vulgares, entendiam as manuais, fabricação de objetos (artesãos), as recreativas, seriam aquelas cujo objeto é o prazer dos olhos e ouvidos (Teatro), educativas eram as artes que tinham algo de comum com a liberais, que os gregos chamavam de “enciclopédicas”, e liberais, as que são verdadeiramente livres, cujo objetivo é a virtude.
Ao contrário de alguns que viam no estudo liberal uma maneira de formar homem de bem, Sêneca afirmava que não era esse tal propósito, pois os mestres sequer ensinavam a virtude e, tampouco, poderiam transmiti-las.
“O que há de liberal, pergunto eu, nestes indivíduos que vomitam em seco, que quanto mais engordam o corpo mais deixam o espírito macilento e letárgico?”
Sêneca entendia por virtude:
A Coragem;
A lealdade;
A temperança;
A simpatia humana;
A modéstia;
A moderação;
A frugalidade ou parcimônia;
A clemência.
Ao compreender o seu tempo, sua análise torna-se extemporânea na medida em que dá aos que se interessam por este tema, a possibilidade de um olhar atual, a saber, a quantidade de informação e, principalmente, da sua utilidade na formação humana, . Para ilustrar recortamos um exemplo da Carta 88:
“O gramático Dídimo escreveu quatro mil livros: eu já teria pena dele se se tivesse limitado a ler tanta bagatela! Num dos livros investiga qual a Pátria de Homero, noutros qual foi a verdadeira mãe de Eneias; noutros se Anacreonte se entregou mais à vida de prazer ou à bebida; noutros se Safo foi prostituta; em suma, coisas que se a soubéssemos, deveríamos esquecer.”
Ainda assim...
“(...) apesar de tudo sempre é melhor saber uma coisa supérflua do que não saber nada!"
E assim conclui o nosso autor:
“Tenho de saber tudo isso? O que posso ignorar então?”
“Saber mais do que o necessário é uma forma de intemperança.”
As Artes Liberais, segundo o nosso filósofo, são assim chamadas, por serem dignas de um homem livre, mas o único estudo liberal, por ser elevado, magnânimo e enérgico é o da sabedoria.
“A sabedoria cinge-se às ações, não às palavras (...). A sabedoria é algo de grande e de vasto; exige para si todo o espaço; temos de nos debruçar sobre o divino e humano, sobre o passado e o futuro, sobre o transitório e o eterno, sobre o tempo."
Devemos aproveitar melhor o nosso tempo!
“Já te dispuseste a pensar quanto tempo te é roubado pelos problemas de saúde, pelos deveres oficiais, pelos teus deveres particulares, pelos teus deveres quotidianos, pelo sono? Mede a duração da sua vida: não cabe lá muita coisa.”
Se os estudos liberais não tornam os homens virtuosos, não conduz a alma humana à sua plenitude, por que deveríamos então, nos instruir em tais estudos?
Para responder esta questão, devemos ter em mente que o que está em jogo aqui, é a téchné como possibilidade de formação moral; Sêneca, enquanto filósofo estóico, está olhando noutra perspectiva, isto é, está voltado para a dimensão moral, e não vê aí qualquer utilidade dos estudos liberais. Ainda que a arte liberal não possibilite ao homem o aprendizado da virtude, sequer o torna melhor enquanto humano, é importante em outros aspectos, máxime nas artes manuais (fabricação de objetos para uso cotidiano).
“Queres saber o que eu penso das “artes liberais”: não admiro, nem incluo entre os bens autênticos um estudo que tenha por fim o lucro.”
Créditos/Obras consultadas:
HEIDEGGER, M. Platão: O Sofista. Trad. M. A. Casanova. Forense Universitária. Rio de Janeiro, 2012.
PRIETO, M. H et al., Índices de Nomes Próprios Gregos e Latinos, Lisboa: Fund. Calouste Gulbenkian,1995.
PETERS, F. E., Termos Filosóficos Gregos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1977.
SÊNECA, L. A., Cartas a Lucílio. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009.
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