“Se houvesse justiça, seria um absurdo, pois a lei da natureza para todos os seres vivos é buscar o que lhes é útil.
A justiça é uma instituição humana, não existe direito natural anterior ou superior às convenções concluídas pelos homens, não há outra regra senão o interesse dos homens.
O direito pode ser civil, mas natural nunca, pois se o fosse como quente e o frio, o amargo e o doce, seria o justo e injusto iguais para todos. Não há direito natural e, por conseguinte, não há justos por natureza.
A justiça não é filha da natureza, nem da vontade, mas da nossa fraqueza.
Se eu quisesse descrever os gêneros diversos de leis, instituições, hábitos e costumes, tão diversos não só em todos os povos, como na mesma cidade, demonstraria nesta os seus milhares de mudanças.
Se fosse inata a justiça, todos os homens sancionariam o nosso direito, que seria igual para todos, e não utilizariam os benefícios de outros em outros tempos nem em outros países. Vê-se, com efeito, que o direito muda segundo as épocas e países.
Os povos mais poderosos, a começar pelos romanos, não têm nenhuma preocupação com a justiça: de outro modo, devolveriam tudo o que conquistaram e retornariam às suas casas.
Como Alexandre perguntasse a um pirata com que direito infestava o mar com seu barco: - Com o mesmo - respondeu-lhe – com que tu infestas e devastas o mundo.
Quando o povo pode mais e rege tudo ao seu arbítrio, chama-se isso liberdade; mas é na verdade, licença.
Mas quais são, então, os nossos deveres para com os animais? Não varões vulgares, mas doutos e esclarecidos, Pitágoras e Empédocles, proclamam um direito universal para todos os seres vivos, ameaçando com terríveis penas aquele que se atrever a violar o direito de um animal qualquer. Prejudicar os animais é, pois, um crime.”
Foi com este discurso em Roma (155/156 a.C) que Carnéades seduzira o Senado romano, mas que em nada agradara Catão, o velho, também conhecido à época como Censor, pois temia que a dialética pudesse corromper a juventude e os costumes romanos, e com este argumento obteve a expulsão do nosso filósofo; tal fora o efeito sobre ele que, apesar dos seus 80 anos se dispôs a aprender grego. Ainda que os filósofos dogmáticos não aceitassem o ceticismo, esta data é considerada importante para a história da filosofia – simboliza a entrada da filosofia em Roma.
Se tais excertos deste discurso soaram contra a moral, não é, pois, de todo verdadeiro. Sabemos que durante a sua estadia em Roma, o filósofo cético fizera dois discursos, um em favor da justiça, invocando Sócrates, Platão e Aristóteles, mas infelizmente perdido, e este contra a justiça, cujos fragmentos Cícero recuperou em sua obra Da República.
Ao diferenciar a justiça civil da natural, Carnéades com sua oratória, derruba ambas, pois a civil é certamente sabedoria, mas não justiça; ao contrário, a natural é justiça, porém não sabedoria. Como filósofo cético, procurou demonstrar que os seus defensores não tinham nada de seguro, não pisavam em solo firme quando discutiam sobre a justiça, neste caso o melhor seria suspender o juízo.
Créditos:
DUMONT, Jean-Paul. Elementos de História da Filosofia Antiga. Trad.: Georgete M. Rodrigues. Brasília, Editora UnB, 2004.
BROCHARD, Victor, Os Céticos Gregos,. Trad. Jamir Conte: Odysseus, 2000.
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