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Pansophia

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quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Lei divina e lei humana, uma possível dicotomia - Antígona.

por Osvaldo Duarte

Não, não implores ninguém; aos mortais não é dado libertar-se do destino que lhes incumbe.

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Não há dor, nem desgraça ou desonra e, nem mesmo vergonha, que a desditosa família de Édipo não tenha visto!
Antígona é mais uma das sagas sofridas pela descendência de Édipo. Escrita provavelmente em 442 a.C., esta belíssima tragédia, de Sófocles, ainda hoje é objeto de inúmeros estudos. Pretendemos aqui, ainda que superficialmente, recortar para reflexão o embate entre a lei humana e a lei divina, para tanto, evitamos dar detalhes desta obra, solo fértil para tantos outros temas, mas tão-somente extrair apenas o que nos interessa como elemento de uma possível leitura, a saber, Creonte, proclama um édito que diz respeito aos dois filhos varões de Édipo – Etéocles e Polinices, ambos em combate, perecem no mesmo dia um pelas mãos do outro. Pelo édito, Etéocles, por defender Tebas, dar-se-á sepultura com todos os rituais sagrados, já a Polinices, por ter intentado contra a sua própria pátria, deverá ficar insepulto, sujeito a servir de repasto às aves de rapina e aos animais selvagens; quem infringir tal lei sofrerá pena capital.
Antígona, consternada pela má sorte de seu irmão, Polinices, decide prestar-lhe homenagens fúnebres, lançando sobre o cadáver uma camada de pó, transgredindo aquela lei.


Creonte e Antígona

Creonte, o tirano, inflexível diante da dureza da lei escrita, representa a encarnação da lei humana. Sem leis a cidade perece.

E ousaste, de verdade, tripudiar sobre as leis?
(...) Em toda a cidade, foi a ela só que eu apanhei em ato de flagrante desobediência. Não me farei passar por mentiroso perante o país.
Não há calamidade maior do que a anarquia...

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Antígona, a piedosa, nascida para amar, se recusa obedecer ao édito. Uma vez descoberta e levada à presença do tirano, assume o seu ato piedoso. Em sua defesa, apela à lei divina em detrimento da lei humana. É mister notar a antiguidade desta lei, pois possivelmente é anterior à pólis e denota a relação humana com o sagrado e ainda,  uma possibilidade da continuidade da vida pós morte.

É que essas não foi Zeus que as promulgou,
nem a Justiça, que coabita com os deuses infernais,
estabeleceu tais leis para os homens.
(...) Porque essas não são de agora, nem de ontem,
mas vigoram sempre, e ninguém sabe quando surgiram,
(...) Por causa das tuas leis, não queria eu ser castigada
perante os deuses, por ter temido a decisão de um homem
(...) Mas se eu sofresse que o cadáver do filho morto da minha mãe
ficasse insepulto, isso doer-me-ia ...


O sagrado

Sem a execução da cerimônia fúnebre, o morto não conseguiria transpor as portas do Hades. Na impossibilidade de efetuar a cerimônia, bastava cobrir o cadáver com uma camada de pó. Tão forte era esta crença entre os gregos que, se alguém passasse por um cadáver insepulto e não lançasse sobre ele um punhado de terra, incorria numa maldição. Para os mortos no mar, construíam um cenotáfio.

A relação com os deuses para os gregos não era de fé, sobretudo uma relação de saber.
Tirésias representa o sagrado. Como profeta e conselheiro, vem em auxílio de Creonte, seus conselhos ainda que debalde diante da teimosia do tirano, o obriga a revelar-lhe os augúrios:

(...) não demorará muito tempo que surjam no teu palácio gemidos de homens e de mulheres...

Diante daquelas revelações e ouvindo a opinião do Coro, Creonte cede, mas tarde demais, pois o destino já estava selado e a sentença prestes a ser cumprida: a morte de seu filho e da esposa por não suportar a perda deste.

Lei divina e lei humana

Antígona fora condenada e assim as penalidades da lei humana, cumprida. Por outro lado, a transgressão da lei divina por Creonte não fica impune, pois paga um alto preço!
 Uma possível leitura do texto, é que no descumprimento tanto da lei positiva como da lei divina há punição. No entanto, da lei escrita é possível saber de antemão as suas sanções, o que muitas vezes não ocorre com a lei divina, como no caso, em que precisou recorrer a um adivinho. Outro ponto, é que na lei humana quem sofre diretamente as penalidades é o transgressor; já na lei divina, nem sempre! No presente caso, Creonte não respeitou a lei natural, e as terríveis consequências recaíram sobre sua família que, sequer estava envolvida diretamente na questão, mas ainda assim, sua punição foi o sofrimento com a perda dos amados entes.
Não podemos afirmar que a lei natural está acima da lei positiva, pois esta, embora artificial, é necessária para manutenção da ordem e da felicidade da pólis. Nesta lei divina, é no cuidado do outro que se assegura o cuidado de si, noutras palavras, é na perpetuação do rito sagrado fúnebre que se poderá ter o mesmo tratamento quando da morte, garantindo a todos a passagem pelas portas do Hades.


Créditos/Obras consultadas:

SÓFLOCLES. Antígona. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010.

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