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Pansophia

Pansophia

domingo, 2 de junho de 2013

Eudaimonía, a Felicidade Grega

por Osvaldo Duarte

 

 

feliz

O que entendemos hoje por felicidade (eudaimonía) é bem diverso do que os antigos gregos a entendiam como tal. Com efeito, a felicidade para nós hoje é apenas um decalque do que era a felicidade para os gregos. O conceito grego de felicidade, ao menos para os filósofos, estava ligado ao conceito de virtude ou excelência (aretê).

 

Demócrito servia-se de vários termos para designar a felicidade, sendo que para ele, felicidade era algo interno, da alma, e não se encontrava na posse de bens materiais:

 

A felicidade e a infelicidade são fenômenos psicológicos.

 

A felicidade não consiste na posse, nem de rebanhos, nem de ouro, porque a causa da felicidade reside na alma.

 

As forças físicas e as riquezas não dão a felicidade, que só é dada pelo caráter e pela sabedoria.

                                                                                                 Trad. P. Gomes

 

Para Platão, ser feliz é viver bem e ser justo.

 

Logo, a alma justa e o homem justo viverão bem, e o injusto mal.

Mas sem dúvida o que vive bem é feliz e venturoso, o que não vive bem, inversamente.

Logo, o homem justo é feliz, e o injusto é desgraçado.

Contudo, não há vantagem em ser desgraçado, mas sim em ser feliz.

                                                                                                                         Trad. M.H.R.Pereira

 

... para os deuses a vida mais agradável * é também a mais justa.

                                                                                                                              Trad. C.A.Nunes

 

 

sartre

 

Aristóteles considerava a felicidade como  excelência  da ação contemplativa.

A felicidade como fim último de todas as ações humanas, e tem como sentido “o melhor de tudo”. A felicidade é o supremo bem prático.

 

O estagirita distribui os bens em três classes, a saber:

Bens exteriores, por outro lado, os bens que dizem respeito à alma humana e, por último, os do corpo próprio.

 

Os bens que concernem à alma humana são os mais autênticos e os mais extremos. Mas a felicidade são as ações e o exercício das atividades concernentes à alma humana. Quem é feliz vive bem e age bem.

 

A felicidade é então o bem supremo, o que há de mais esplendoroso e o que dá um prazer extremo.

 

A felicidade é uma atividade de acordo com a excelência e da melhor parte do humano, essa atividade é, segundo Aristóteles, contemplativa.

 

 

Nós pensamos também que a felicidade tem de estar misturada com o prazer, porque a mais agradável de todas as atividades que se produzem de acordo com a excelência é unanimemente aclamada como a que existe de acordo com a sabedoria. Parece, então, pois que a filosofia possui a possibilidade de prazer mais maravilhosa que há em pureza e estabilidade...

 

Enquanto humanos, temos necessidades vitais, mas uma vez suprida essas  necessidades, o sábio se volta para a contemplação, o que possibilita a sua independência auto-suficiente.

 

O sábio é capaz de criar uma situação contemplativa sozinho apenas a partir de si próprio e em si próprio, e quanto mais sábio for mais facilmente o consegue fazer.

                                                                                                                      Trad. A. C. Caeiro

 

 

Léon Robin define a felicidade grega como algo parecido com a “boa sorte” atribuída por uma graça divina; há um daimon que acompanha homem grego por toda vida como guardião da sua sorte, seguindo-o até o Juízo.

Platão, na República, recupera, em parte,  este mito através de Er.

Para os gregos, a felicidade se dava numa completa realização da natureza humana. A essência da moralidade como fim último tanto na obtenção como na manutenção da felicidade.

 

 

* Agradável entenda como feliz.

 

 

Créditos

 

ARISTÓTELES, Ética a Nicómano. Trad. António de Castro Caeiro. Lisboa: Quetzal Editores, 2012.

PLATÃO. A República. Trad. Maria H. da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.

             . Leis, vol. XII-XIII. Trad. Carlos Alberto Nunes. Pará, Universidade Federal do Pará, 1980.

ROBIN, L., A Moral Antiga. Porto: Edições Despertar, [19??]

quinta-feira, 16 de maio de 2013

A superioridade do homem na filosofia Agostiniana


por Leandro Morena

clip_image001Seguindo a tradição da Bíblia, o filósofo Santo Agostinho (354-430) reafirma que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. Agostinho explica que o homem é semelhante a Deus, principalmente, e, sobre tudo, pelo intelecto, pois este é a alma. A filosofia agostiniana coloca a singularidade da espécie homo sapiens como uma “divindade”, e assim, este pode usufruir de todas as outras espécies como bem entender.
Na obra de Agostinho, A Cidade de Deus, em várias passagens, fica muito evidente essa superioridade.  Agostinho explica que Deus ao criar o homem, um ser racional, permitiu que o mesmo dominasse todas as outras espécies: os peixes, as aves, os répteis, considerados irracionais. Para ele, essa é a ordem natural das coisas.  O filósofo afirma que o homem tem que dominar apenas as espécies irracionais, e não pode dominar a si mesmo, isto é, a sua espécie.clip_image001[4]
             Agostinho declara que o homem é tão perfeito, pois a beleza do corpo humano, os órgãos dos sentidos bem estruturados, a postura do homem erguida para o céu (essa posição mostra que o homem tem que desejar as coisas do alto), a bondade, a capacidade da linguagem, mostra-nos o quão existe de Deus no corpo humano e tudo isso tão bem elaborado, para servir a alma racional nessa criação magnífica. Seguindo a tradição da filosofia platônica, (ver o artigo publicado nesse blog: O pensamento Platônico acerca da Transmigração das almas), diferentemente do homem, continua Agostinho, os animais irracionais, além de não possuírem uma alma imortal, estão curvados para a terra, o que consolida, mais ainda, um distanciamento dessas espécies com o criador. Ele vai afirmar que mesmo alguns animais por serem mais fortes e ágeis do que o homem, não os faz superiores, pois na escala da natureza, o homem é a perfeição nobre, única e exclusiva da criação.
A singularidade do homem na filosofia agostiniana vai estender-se pelo período medieval, onde muitos pensadores, citando o exemplo do filósofo São Tomás de Aquino (1225-1275), continuarão com a ideia da superioridade da vida humana, e estender-se-á na Filosofia Moderna, ficando evidente, principalmente nas filosofias cartesiana e espinosana.

No quadro abaixo, o pensamento agostiniano das principais diferenças que tornam o homem um ser superior:

Homem
Demais espécies
Possui intelecto, ser racional
Irracionais
Anatomia perfeita (corpo erguido para o céu)
Anatomia imperfeita (corpo curvado para a terra)
Possui alma imortal
Não possui alma
Usufrui da natureza (pois é a ordem natural)
Existem unicamente para servir o homem
Imagem e semelhança do Criador
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 Créditos:
AGOSTINHO, Santo. Cidade de Deus contra os Pagãos, vol. II, 4º Ed. Trad. Oscar Paes Leme. Editora Vozes, São Paulo, 2002.










terça-feira, 16 de abril de 2013

Epicteto, o Escravo Filósofo (50 - 138 d.C.)

por Osvaldo Duarte
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Breve notícia
 
Mestre Epicteto nasceu em Hierápolis na Frígia entre 50 e 60 d.C. Enquanto escravo frequentou as lições de Caio Musônio Rufo, filósofo estóico, cuja Escola ficava em Roma. Da sua condição servil, originou o cognome Epicteto (Escravo). Ainda quando jovem, foi torturado pelo seu senhorio que o deixou coxo. O filósofo, desprendido de bens materiais, costumava estudar sob a luz de um candeeiro de barro, pois o de metal fora roubado, o que não pôde deixar de queixar-se a si mesmo: “Ainda tinha em minha casa algo que pudesse despertar a cobiça”. Como escravo, Epicteto foi preceptor dos filhos de Epafrodito, confidente de Nero, sendo que mais tarde seu amo o libertou.
 
Entre 88/93 d.C. Domiciano publicou um decreto expulsando os filósofos de Roma, A. Gélio nos informa:
 
Durante o consulado de Caio Fânio Estrabão e Marco Valério Messala, publicou-se um decreto do senado sobre os filósofos e sobre os retores. “O pretor Marco Pompônio consultou o senado. Porque as palavras se produziram sobre os filósofos e sobre os retores, desse fato assim consideraram o pretor Marco Pompônio advertisse e cuidasse que em Roma, como lhe parecesse conforme a sua fidelidade e conforme a república, eles não ficassem”.
                                                                                                        Trad. José R. Seabra F.
 
Após o decreto, Epicteto já liberto, retirou-se para a Nicópolis no Épiro, fundando aí a sua prestigiosa Escola. Ignoramos a data da sua morte, mas é assente que ocorreu por volta do ano 138 d.C..
Sua vida foi sempre celibatária e pobre.
 
Suas Lições
 
Sua Escola foi famosa na época, atraindo ouvintes de vários lugares, todos entusiasmados pelas lições do Mestre. As aulas eram orais e com rigor lógico; ensinava dialogando à maneira de Sócrates, onde não faltava, é claro, uma pitada de ironia. Lia-se um texto de algum filósofo do estoicismo primitivo e comentava-o, procedendo a exegese moral. Dos seus alunos eram exigidos exercícios escritos e orais. Expressava-se com carisma, e valendo-se da koinê, isto é, da linguagem comum do povo.
 
Para progredir em Filosofia, seus discípulos eram orientados à modéstia e a terem paciência, pois, filósofo se faz com o tempo e não da noite para o dia.
 
Como bom estóico, tinha como princípio a moral; exigia de todos que frequentavam as suas lições que fizessem o exame de consciência, não no sentido de confissão, ou de punição, mas para rever suas atitudes e procurar melhorá-las com o intuito de atingir a autárkeia (domínio de si – auto-suficiência).
Sua filosofia era da práxis, ou seja, tinha por objetivo a prática na vida cotidiana.
Epicteto foi um grande Filósofo, Educador e Conhecedor da alma humana.
 
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Sua obra
 
Assim como Sócrates, Epicteto não deixou nada escrito. O que nos chegou foram as Diatribes (ao que parece serem oito livros, mas somente quatro restaram), e o Enchiridion (Manual - Máximas extraídas das Diatribes), obras  que são anotações de um dos seus discípulos Flávio Arriano, grego de nascimento, mas com cidadania romana, que assim nos adverte:
 
Não redigi as lições de Epicteto (...). Mas tudo o que ouvi dizer, transcrevendo, o quanto possível com as mesmas palavras, tentei conservar para o futuro como recordação do seu pensamento e do seu franco falar.
 
 
Sua Filosofia
 
Estóico como Sêneca e Marco Aurélio, sua filosofia é eminentemente moral, mas no caso,  com acentuada preferência pela filosofia de Crísipo na tentativa de recuperar a filosofia primitiva do Pórtico, e nem por isso deixou de absorver a filosofia do seu tempo e, com muita cautela, também acolheu a mensagem de Diógenes, o Cínico.
Sua ética tem como princípio a clara distinção entre bens, males e indiferentes:
Os bens são as virtudes e as coisas que participam dela. Os males são os vícios e das coisas que participam deste, ou seja, contrários à virtude. Os indiferentes são as coisas externas e referentes ao corpo, tais como: saúde, vida, morte, prazer, pena...
 
As coisas que acontecem em nossa vida dividem-se em duas classes, a saber:
 
I) Das coisas que estão em nosso poder - O bem e o mal, pois ambos dependem da nossa vontade, estão em nosso poder fazer ou não.
 
II) Das coisas que não estão em nosso poder – Tudo o que não depende da nossa vontade.
 
Para lançar luz, recorremos ao Manual:
 
Das coisas que há no mundo, umas estão em nossa mão, e outras não.  Em nossa mão está a opinião, e suspeita, e apetite, e aborrecimento, e desejo, e numa palavra, todas as obras que são nossas. Não estão em nossa mão o corpo, a fazenda, nem a honra, nem o senhorio, nem em efeito nenhuma das que não são obra nossa.
                                                                  Trad. Frei Antonio de Souza
 
As coisas que dependem de nós são por natureza livres, sem impedimento, isentas de obstáculos; e as que de nós não dependem são inconsistentes, servis, susceptíveis de impedimento, estranhas.
                                                                                                                  Trad. Pedro Alvim
 
Não queiras que as coisas, que sucedem, sejam sempre à tua vontade; mas se queres acertar, quere-as como elas vierem. A doença impedimento é ao corpo, mas não ao teu instituto, se tu mesmo não queres: o ser manco, impedimento é dos pés, do teu intento não. E assim, se em tudo o que suceder, fizeres esta conta, acharás que as coisas serão impedimento a outras, e não a ti.
                                                                  Trad. Frei Antonio de Souza
   
Não exijas aconteça como tu desejas aconteça. Antes queiras aconteçam as coisas como acontecem – e quão feliz, então, não serás!
                                                                                                                  Trad. Pedro Alvim
 
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Influência da sua Escola
 
Seu Manual exerceu forte influência entre pagãos e  cristãos que o admiravam. Com efeito, o Manual também foi adotado pelo monaquismo, para uso dos monges eremitas do Monte Sinai. São Bento utilizou-se de alguns preceitos para os monges do Ocidente. Mais tarde, Pascal foi também um grande admirador de Epicteto, o escravo Filósofo.
 
Créditos:
 
EPICTETO, Manual de Epitecto: Máximas Diatribes e Aforismos. Lisboa: VEGA, 1992.
GÉLIO, A., Noites Áticas. Trad. José R. SEABRA F.. Londrina: Eduel, 2010.
PETERS, F. E., Termos Filosóficos Gregos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1977.
REALE, G., Renascimento do Platonismo e do Pitagorismo. São Paulo: Edições Loyola, 2008.
ULLMANN, R.  A., O Estoicismo Romano. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.

sábado, 13 de abril de 2013

A filosofia de Leão Hebreu

 

por Leandro Morena

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Leão Hebreu (1464-1535) foi um filósofo de origem portuguesa. O seu nome verdadeiro é Judá Abravanel. Especializou-se nos estudos de Cabala e nos estudos da filosofia clássica hebraica, muçulmana e latina e formou-se em medicina.

Na filosofia destacou-se por mostrar a semelhança da bíblia com a filosofia grega, “santificando” principalmente o platonismo. Uma das suas principais obras, Diálogos de Amor, é um diálogo entre dois amantes em que os protagonistas são: Fílon o amor e Sofia a sabedoria. Nesta obra o filósofo pretende mostrar sua doutrina afirmando que o amor é uma fundamentação ontológica da realidade, idealizado como sentimento e intelecto. Deste modo Leão Hebreu unifica razão e fé, esta última como predominante.

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A teoria do amor foi retomada da filosofia de Nicolau de Cusa (1401-1464) e Marcílio Ficino (1433-1499). Para o filósofo Leão, o amor tem um duplo processo, circularidade cósmica, isto é, que vai de Deus ao homem e do homem para Deus, ou seja, o homem é a única conexão de Deus com o mundo terreno, e isso faz com que o homem seja o centro do universo.

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O amor é a que tudo acalora e a tudo adapta. Quando o intelecto humano faz união ao corpo, conduz a luz divina do mundo superior para o mundo inferior e faz assim participar de Deus tudo quanto foi criado. Segundo Abbagnano, o amor de Deus pelo mundo inferior, mundo este que é imperfeito, tem como objetivo que este mundo atinja o grau elevado de perfeição e beleza. O amor do homem tem como finalidade a plena e absoluta união com Deus.

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Créditos:

ABBAGNANO, Nicola. História da Filosofia - vol.V, 2º Ed.Trad. Nuno Valadas e Antônio R. Rosa. Lisboa, Editorial Presença, 1978.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

A cidadania ateniense


por Osvaldo Duarte
cidado ateniense
Atenas não cedia o direito de cidade aos estrangeiros domiciliados em seu território. A princípio, eram considerados cidadãos atenienses, os filhos de pai ateniense independentemente da pátria da mãe.
Com desenvolvimento do comércio, muitos estrangeiros foram atraídos à Ática, e ali se estabeleceram, provocando um aumento significativo no número de casamentos mistos.
Em 451 a.C., Péricles propôs a lei de que era considerado cidadão, filho de pai e mãe, ambos com direito de cidade. O filho que não se enquadrava nesta lei, era considerado impuro, bastardo, um nothos; por este motivo, o ateniense quando apresentava o filho à fátria, jurava que sua esposa era também ateniense. O título de cidadão era cedido ao jovem de dezoito anos, pela sua inscrição no registro no demo. Durante os dois próximos anos, o jovem servia como membro da milícia e, somente aos vinte anos é que tomava posse dos seus direitos como cidadão, possuindo assim, a plenitude dos direitos civis e políticos, podendo ter assento na assembléia, opinar e votar, ter um cargo na magistratura e nas demais funções que competiam aos cidadãos. Para exercer a magistratura superior, o jovem deveria ser abastado.
A fátria, embora não tenhamos clareza do seu significado no mundo grego, ao que tudo indica, era um agrupamento constitutivo da cidade, evocando uma relação familiar, ligada à vida dos cidadãos, pelo nascimento, pela iniciação do jovem, casamento, etc..
Além de gozar dos direitos políticos, como dissemos acima, os cidadãos eram os únicos que possuíam terras. A maior parte do seu tempo era destinada aos assuntos da cidade (questões públicas). O comércio e a indústria pouco o atraiam, pois tais funções não eram dignas de um cidadão, a não ser a exploração de pedreiras e das minas por estarem ligadas diretamente às suas propriedades. Cabia aos estrangeiros (metecos) e aos escravos o trabalho industrial e comercial.
metecos
A democracia triunfava, e o direito de cidade dava aos que dele desfrutavam vantagens materiais e morais. Quem não era considerado cidadão, empenhava-se em sê-lo, ao mesmo tempo quem o era, defendia esse privilégio. O direito de cidade somente era concedido a um estrangeiro apenas sob reconhecimento nacional, uma recompensa por serviços eminentes.
Créditos:
CROISET, A. As Democracias Antigas. Rio de Janeiro, Livraria Garnier, 1923.
GLOTZ, Gustavo. História Econômica da Grécia. Lisboa, Edições Cosmos, 1973.
MOSSÉ. Claude. O Cidadão na Grécia Antiga. Lisboa, Edições 70, 1999.










segunda-feira, 11 de março de 2013

Das classes sociais – Platão – 428/7 – 347/6

por Osvaldo Duarte

 

 

Para propor uma divisão de classes (parte da cidade) na sua República – Livro III, Platão recorre a uma nobre mentira da Fenícia:

 

“(...) na verdade, tinham sido moldados e criados no interior da terra, tanto eles, como as suas armas e o restante do equipamento; e que, depois de eles estarem completamente forjados, a terra, como sua mãe que era, os deu à luz, e que agora devem cuidar do lugar em que se encontram como de uma mãe e ama, e defendê-la, se alguém for contra ela, e considerar os outros cidadãos como irmãos, nascidos da terra.

 

No Estado harmonioso e pacífico, os cidadãos devem viver como irmãos e, cada classe tem o seu papel importante na manutenção dessa sociedade. Platão divide esta sociedade em três classes: Os que governam (os que mandam-Filósofos), os auxiliares (guerreiros), e os que produzem (lavradores, artífices).

 

“(...) mas o deus que vos modelou, àqueles dentre vós que era aptos para governar, misturou-lhes ouro na sua composição, motivo por que são mais preciosos; aos auxiliares, prata; ferro e bronze aos lavradores e demais artífices.”

 

Esta estrutura social não era rígida quanto à escolha dos cidadãos entre as classes, pois estavam todos unidos pelo grau de parentesco.

 

Prossegue Platão:

 

“Uma vez que sois todos parentes, na maior parte dos casos gerareis filhos semelhantes a vós, mas pode acontecer que do ouro nasça uma prole argêntea, e da prata, um áurea, e assim todos os restantes, uns dos outros. Por isso o deus recomenda aos chefes, em primeiro lugar acima de tudo, que aquilo em que devem ser melhores guardiões e exercer a mais aturada vigilância é sobre as crianças, sobre a mistura que entra na composição das suas almas, e, se a sua própria descendência tiver qualquer porção de bronze ou ferro, de modo algum compadeçam, mas lhe atribuam a honra que compete à sua conformação, atirando com eles para os artífices ou os lavradores, e se, por sua vez, nascer destes alguma criança com parte de ouro ou de prata, que lhe dêem as devidas honras, elevando-os aos guardiões, outros aos auxiliares ...”

 

ouro prata bronze

 

Os governantes deverão ter uma boa educação e não será permitido possuir bens próprios, a não ser coisas de primeira necessidade, sendo que ao possuírem dinheiro, terras e habitações serão administradores dos seus próprios bens e não cuidarão da cidade.   Esta classe deverá ser pura, não precisando nada de humano, pois já têm em sua alma ouro e prata.

 

 

Créditos:

PLATÃO. A República. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.                                                                                        

AMZALAK, M.B. Platão e a Economia da Cidade. Lisboa, 1950.

quarta-feira, 6 de março de 2013

O governo de um só – Tomás de Aquino – 1224 - 1274 d.C

 

por Osvaldo Duarte

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Com vistas à natureza, Tomás reforça a sua tese de que o governo de um só, isto é, o governo do príncipe, é preferível aos demais regimens de governo.

“O mais bem ordenado é o natural; pois, em cada coisa, opera a natureza melhor. E todo o regímen natural é de um só. Assim, na multidão dos membros, um é o que a todos move, isto é – o coração; e, nas partes da alma, preside uma faculdade principal, que é a razão. Têm as abelhas uma só rainha, e em todo o universo há um só Deus, criador e regedor de tudo.Tôda a multidão deriva de um só. Por onde, se as coisas de arte imitam as da natureza e tanto melhor é a obra de arte, quanto mais busca a semelhança da que é da natureza, importa seja o melhor, na multidão humana, o governar-se por um só”.

O nome tirano, segundo o doutor Angélico, é derivado de força, pois oprime pelo poder, ao invés de regrar pela justiça.

“Assim, porém, como é ótimo o regímen do rei, também é péssimo o governo do tirano”.

Do mau governo:

Tirania – governo de um só , regime injusto.

Oligarquia – principado de poucos que por terem riqueza, oprimem o povo, diferindo do tirano apenas em número.

Democracia – regime iníquo que se exerce por muitos; populacho oprime os ricos pelo poder da multidão, sendo então todo o povo como um só tirano.

Do bom governo:

Aristocracia – governo de poucos, mas virtuosos.

Em defesa do Rei:

Rei é o pastor que busca o bem comum e não o interesse próprio.

Créditos:

AQUINO. Tomás. Do Govêrno dos Príncipes. Trad. Arlindo Veiga dos Santos. São Paulo, Editora Anchieta, 1946.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Os órgãos dos sentidos segundo o filósofo Alcmeão


por Leandro Morena


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Alcmeão foi um filósofo grego natural de Crotona. Foi discípulo do filósofo Pitágoras (580-497 a.C.), sabe-se que ele viveu no séc. V a. C., porém não há registro preciso da data de nascimento ou morte. Foi médico e foi o primeiro que dissecou um cadáver humano para fins do entendimento fisiológico. Alcmeão dedicou-se na investigação das ciências naturais e desenvolveu a sua tese calcada no entendimento dos processos fisiológicos das sensações e a ligação deles com o cérebro. Segundo Barnes, Alcmeão explica que os órgãos dos sentidos funcionam da seguinte maneira:

Olfato: o nariz faz com que identifiquemos os aromas que são sentidos, simultaneamente, ao inspirá-los, por sua vez, conduz a respiração diretamente ao cérebro.
Paladar: já a língua tem a capacidade de distinguir sabores, pois, tem a facilidade em dissolver as coisas com seu calor, por serem brandas e cálidas, acolhendo e transmitindo-as por serem de textura solta e suave.
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Audição: provém da existência de um espaço vazio no interior dos ouvidos que gera ressonâncias, que por sua vez, faz com que a cavidade ecoa e o ar faz com que repercute numa resposta.
Visão: os olhos enxergam através do liquido que os abrange; flamejam quando fixam-se num determinado objeto.  A visão é concebida através da parte transparente e brilhante, quando esta produz reflexão, e quanto mais pura é, enxergam com maior nitidez.

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Alcmeão chega à conclusão de que todos os sentidos estão diretamente ligados ao cérebro, por isso se o cérebro sofrer qualquer tipo de alteração ou dano, automaticamente, afetará os órgãos dos sentidos. O curioso é que Alcmeão não explica como age o órgão do sentido tato.

Créditos:
BARNES, Jonathan. Filósofos Pré-Socráticos. Trad. Julio Fischer. Martins Fontes, São Paulo, 2003.
Foto 3:  http://megaarquivo.com/page/36/?iframe=true&width=900&height=450

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Crítica à vivissecção - Parte I

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por  Leandro Morena

Vivissecção é o termo que se emprega quando se disseca um animal, ainda vivo, para fins de estudos para o entendimento da fisiologia da espécie. A prática da vivissecção é feita desde a antiguidade. O filósofo grego Aristóteles (384–322 a.C.) foi um dos primeiros que realizou a prática da dissecação animal. O filósofo dissecava cadáver de animais, pois em sua época não existia um estudo específico sobre a fisiologia dos animais. Com o mecanicismo cartesiano cujo pensamento afirmava que os animais não passavam apenas de máquinas, fez com que a prática vivisseccionista se tornasse uma revolução cientifica. Mas ao longo do tempo a finalidade da vivissecção foi direcionada para o campo da experimentação animal, onde pesquisas e testes com animais são feitos para criar remédios, cosméticos e até armamentos potentes para o uso exclusivo do homem. Foi no séc. XIX que a prática da experimentação animal tornou-se um compromisso para as pesquisas dos cientistas. Um dos principais responsáveis por isso foi o médico fisiologista francês Claude Bernard (1813-1878) que criou a medicina experimental praticando vivissecção em cães.
Ainda hoje a vivissecção é praticada em algumas áreas, prática essa que vem sendo reduzida graças às organizações dos direitos dos animais, que estão alertando e divulgando para a população os testes e as pesquisas que estão sendo feitas nos laboratórios gerando o sofrimento de milhares de animais. A luta contra a vivissecção está se fortalecendo e ganhando cada vez mais adeptos, formando um conjunto de pessoas que, por sua vez, são porta-vozes dos animais, no qual o maior objetivo a ser alcançado é que essa prática seja banida de uma vez por todas do mundo contemporâneo e fique apenas relatada nos livros de história.

Os campos da experimentação animal são:

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 clip_image002Mas não foi só nos dias atuas que a crítica à vivissecção foi feita. Com o surgimento do mecanicismo cartesiano, alguns filósofos, durante a trajetória da história da filosofia pós Descartes, foram críticos árduos dessa prática. Um dos críticos foi o filósofo francês Voltaire (1694-1778) cujo nome verdadeiro é François Marie Arouet. Voltaire chama a atenção dos mecanicistas pelo fato de não conseguir entender como é que eles podem afirmar, com toda a convicção, a exclusão da dor e dos sentimentos nos animais? Voltaire dá exemplos de esperteza em animais e cita o cão que quando não encontra o seu dono fica aflito e inquieto, procurando-o por toda a parte, ou quando o cão vê o seu dono chegar, salta de alegria pedindo mimos.
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Voltaire revolta-se chamando os mecanicistas de criaturas bárbaras, pois agarram o cão, pregam-no numa mesa, dissecam-no vivo e observam-no gemendo por causa da dor; observam os órgãos internos do animal, órgãos estes que são muito semelhantes aos nossos. Voltaire completa o seu raciocínio afirmando: pra que a natureza criaria os animais com tais sentimentos e colocaria neles órgãos internos muito semelhantes aos dos seres humanos? Para que não sintam nada!
 
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Créditos:
GREIF, Sérgio e TRÉZ, Thales. A Verdadeira face da experimentação animal. Editora Fala Bicho, Rio de Janeiro, 2000;
SINGER, Peter. Libertação Animal. Trad. Marly Winckler. Editora Lugano, São Paulo, 2008;
VOLTAIRE. Dicionário Filosófico Voltaire. Trad. Líbero Rangel de Tarso. Atenas Editora, São Paulo, 1937.
Foto 1: http://pt.wikipedia.org/wiki/Voltaire
Foto 2 : http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-59702010000300002&script=sci_arttext
Foto 3 : http://www.midiaindependente.org/pt/red/2005/07/321897