por Osvaldo Duarte
Neste pequeno texto procuramos
abordar através de excertos, dois métodos de fixação de crença: método da
tenacidade e o método da autoridade, segundo Peirce.
Para Peirce, sabemos que há
diferença entre formular uma pergunta e formular um juízo, pois há uma
diferença propriamente dita entre a sensação de dúvida e a de crer. Entretanto,
existe uma diferença, prática, sendo que nossas crenças orientam nossos desejos
e dão contornos a nossas ações, por exemplo: Os sequazes do velho da montanha
precipitam-se para a morte à sua mais leve palavra de ordem. Duvidassem, não
teriam agido assim.
A dúvida é um estado
desagradável, incômodo, do qual lutamos para libertarmos e atingirmos o estado
de crença, pois este estado é de tranquilidade e satisfação, eis o estado que
desejamos e, não queremos evitar ou transformar a crença em algo diverso. Pelo
contrário, desejamos não apenas crer, mas crer no que cremos.
Assim, tanto a dúvida como a
crença, segundo Peirce, têm sobre nós efeitos positivos, embora muito diversos.
A Crença, por sua vez, tem um efeito ativo, isto é, não nos leva a agir de
imediato, mas nos coloca em situação que, chegado o momento, nos comportaremos
de certo modo. A dúvida não tem este efeito ativo, mas estimula-nos a indagar
até vê-la completamente destruída. Na verdade, este estímulo é um esforço da
dúvida para chegar ao estado de crença. A este estímulo denominamos Investigação.
A investigação é, pois, o único motivo imediato que a dúvida faz para
chegar à crença. É conveniente que nossas crenças orientem devidamente as ações
de forma a satisfazermos nossos desejos; esta reflexão nos leva a rejeitar toda
crença que não possa assegurar este resultado. Com a dúvida o esforço começa, e
termina quando cessa a dúvida. A investigação, portanto, tem por objeto único o
acordo de opiniões, não bastando apenas uma opinião, mas sim, a opinião
verdadeira. Tão logo alcançamos a crença nos damos por satisfeitos por
completo, seja esta crença verdadeira ou falsa. O acordo de opiniões, como dissemos,
sendo o único objetivo das opiniões constitui proposição importantíssima, pois
afasta de imediato diversas concepções vagas e errôneas.
Muitas vezes o homem adota o
procedimento de que algo é verdadeiro e não deseja acreditar que não o seja; a
indecisão do espírito e o horror à dúvida faz com que se apegue a posições já
adotadas, achando sem titubeio que sua crença será inteiramente satisfatória. A
fé sólida proporciona grande paz no espírito. Quanto às questões religiosas, o
homem retira o prazer de sua fé sobrepujando as inconveniências que possam
decorrer de seu aspecto menos favorável. Se for verdade que ao morrer irá para
o céu, contanto que se observem certos preceitos nesta vida, gozará de um
prazer trivial que não se acompanhará de algum desapontamento.
Frequentemente se ouve dizer que
“Não posso crer nisso ou naquilo, pois seria desgraçado se acreditasse”. Esta
atitude lembra o avestruz que enterra a cabeça na areia, escolhendo o caminho
mais fácil, dissimulando o perigo dizendo que tal perigo não existe. Assim,
pode o homem atravessar sua vida afastando seus olhos daquilo que possa levá-lo
a mudar de opinião. Quem adota este método de fixar uma crença não se propõe a
ser racional, pois tal qual o avestruz está escolhendo o caminho mais fácil.
Este método de fixar crença pode ser denominado método da tenacidade, sendo incapaz de sustentar-se na prática,
pois a corrente social lhe é contrária. O homem que adotar este método
encontrará outros homens com posições diferentes, observando que existem
opiniões tão boas quanto as suas, isso abalará a confiança na crença que
possui. Essa concepção, isto é, de que pensamento ou sentimento de outro homem
possa ser tão procedente como o seu é uma conquista nova e altamente
importante. Nasce de um impulso demasiadamente forte, cuja supressão colocará
em risco a destruição da humanidade. Peirce, desviando seu olhar do problema da
fixação de crença individual passa a analisar o problema na comunidade.
Quando opera a vontade do Estado
e não a do indivíduo:
“Crie-se uma
instituição que terá por meta oferecer à atenção do povo as doutrinas corretas,
reiterando-as continuadamente, transmitindo-as à juventude e tendo, ao mesmo
tempo, o poder de impedir que doutrinas contrárias sejam ensinadas, advogadas
ou proclamadas. Que todas as possíveis causas de mudança de ideia sejam
afastadas, deixando de ser motivo de apreensão para os homens. Que eles se
mantenham ignorantes e não conheçam razão alguma que os leve a pensar
diversamente do como pensam. Que suas paixões sejam recenseadas para que eles
possam encarar, com aversão e asco, opiniões individuais incomuns. Que todos os
homens que repelem a crença estabelecida se vejam condenados ao silêncio. Que o
povo apontem esses homens o os unte de alcatrão e cubra de penas ou que se
institua uma inquisição para perquirir de maneira de pensar de pessoas
suspeitas e que estas declaradas culpadas de crenças proibidas, estejam expostas
a punição exemplar. Quando não se consegue acordo completo por outra forma, o
massacre de todos os que não pensem de certa maneira tem-se mostrado meio muito
eficaz de igualar as opiniões em um país. Se o poder de assim agir não bastar,
que seja preparada uma lista de opiniões – com a qual homem algum com a mínima
independência de pensamento poderia concordar – e que os fiéis sejam
conclamados a aceitar essas opiniões, para que possam ver-se segregados tão
radicalmente quanto possível da influência do resto do mundo.
Esse método tem sido,
desde os primeiros tempos, um dos principais meios de sustentar corretas
doutrinas teológicas e políticas e de preservar-lhes o caráter católico ou
universal. Em Roma, especialmente foi praticada desde os tempos de Numa
Pompílio até os de Pio IX. Este é o mais perfeito exemplo histórico; mas, onde
quer que tenha surgido um clero – e nenhuma religião dele prescindiu – esse
método foi utilizado em maior ou menor escala. Onde quer que haja uma
aristocracia, grêmio profissional ou associação de classe, cujos interesses
dependam de ou suponha-se que dependam de certas proposições, encontram-se
inevitavelmente, traços desse produto natural do sentimento coletivo. O sistema
sempre se acompanha de crueldade e, quando coerentemente imposto, os
procedimentos cruéis adquirem, aos olhos de qualquer homem racional, as
proporções de atrocidades de pior espécie. E isso não deve causar surpresa,
pois o defensor de uma sociedade não vê justificativas para sacrificar o
interesse dessa sociedade no altar da mercê, onde sacrificaria interesses
individuais. Natural, portanto, que a simpatia e a amizade levem, por esse
caminho, ao mais brutal exercício de poder.”
Peirce denomina o método de fixar
crença pelo Estado de método da
autoridade e, reconhece a sua imensa superioridade mental e moral sobre o
método da tenacidade. Isso poderá ser observado nas fés organizadas sendo que,
nenhum credo dessas fés permanece idêntico a si mesmo, pois sua transformação é
muito lenta tornando-se imperceptível durante uma vida humana; a crença
individual permanece, no que é sensível, fixa. Para a massa da humanidade é,
talvez, o método mais eficiente:
“Se o mais intenso
impulso que experimentam os leva a serem escravos intelectuais, escravos devem
continuar.”
As Instituições só regulamentarão
opiniões acerca dos assuntos mais importantes, quanto ao resto deixarão às
causas naturais. Essa imperfeição continuará enquanto os homens permanecerem
num estado em que as opiniões não se influenciem reciprocamente, isto, é,
enquanto não souberem somar suas ideias. Nos Estados onde haja um maior domínio
clerical, surgirão indivíduos que ultrapassam aquela condição. Estes indivíduos
são dotados de um aguçado sentimento social, percebem que existem outras
comunidades, regiões, homens que cultivam doutrinas muito diversas daquelas em
que foram ensinados a professar; atribuindo a um mero acidente seus
ensinamentos e de os terem rodeados de hábitos de certos grupos o que o levaram
a ter determinada crença e não algo diferente. Assim, a dúvida surge nos
espíritos.
Destarte, esses homens perceberão
que as dúvidas desse jaez podem penetrar os espíritos com referência a qualquer
crença, seja ela brotada deles próprios ou de causa externa, isto é, dos que
fizeram surgir as opiniões populares. Portanto, a adesão a uma crença por
imposição arbitrária deve ser abandonada.
Créditos
Peirce, Charles
Sanders. Semiótica e Filosofia. Tradução de Octanny Silveira da Mota e
Leonidas Hegenberg, São Paulo, Cultrix, 1975.