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Pansophia

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segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Da Dúvida e da Fixação da Crença – Charles Sanders Peirce (1839-1914)


por Osvaldo Duarte

Neste pequeno texto procuramos abordar através de excertos, dois métodos de fixação de crença: método da tenacidade e o método da autoridade, segundo Peirce.

Para Peirce, sabemos que há diferença entre formular uma pergunta e formular um juízo, pois há uma diferença propriamente dita entre a sensação de dúvida e a de crer. Entretanto, existe uma diferença, prática, sendo que nossas crenças orientam nossos desejos e dão contornos a nossas ações, por exemplo: Os sequazes do velho da montanha precipitam-se para a morte à sua mais leve palavra de ordem. Duvidassem, não teriam agido assim.

A dúvida é um estado desagradável, incômodo, do qual lutamos para libertarmos e atingirmos o estado de crença, pois este estado é de tranquilidade e satisfação, eis o estado que desejamos e, não queremos evitar ou transformar a crença em algo diverso. Pelo contrário, desejamos não apenas crer, mas crer no que cremos.

Assim, tanto a dúvida como a crença, segundo Peirce, têm sobre nós efeitos positivos, embora muito diversos. A Crença, por sua vez, tem um efeito ativo, isto é, não nos leva a agir de imediato, mas nos coloca em situação que, chegado o momento, nos comportaremos de certo modo. A dúvida não tem este efeito ativo, mas estimula-nos a indagar até vê-la completamente destruída. Na verdade, este estímulo é um esforço da dúvida para chegar ao estado de crença. A este estímulo denominamos Investigação.

A investigação é, pois, o único motivo imediato que a dúvida faz para chegar à crença. É conveniente que nossas crenças orientem devidamente as ações de forma a satisfazermos nossos desejos; esta reflexão nos leva a rejeitar toda crença que não possa assegurar este resultado. Com a dúvida o esforço começa, e termina quando cessa a dúvida. A investigação, portanto, tem por objeto único o acordo de opiniões, não bastando apenas uma opinião, mas sim, a opinião verdadeira. Tão logo alcançamos a crença nos damos por satisfeitos por completo, seja esta crença verdadeira ou falsa. O acordo de opiniões, como dissemos, sendo o único objetivo das opiniões constitui proposição importantíssima, pois afasta de imediato diversas concepções vagas e errôneas.

Muitas vezes o homem adota o procedimento de que algo é verdadeiro e não deseja acreditar que não o seja; a indecisão do espírito e o horror à dúvida faz com que se apegue a posições já adotadas, achando sem titubeio que sua crença será inteiramente satisfatória. A fé sólida proporciona grande paz no espírito. Quanto às questões religiosas, o homem retira o prazer de sua fé sobrepujando as inconveniências que possam decorrer de seu aspecto menos favorável. Se for verdade que ao morrer irá para o céu, contanto que se observem certos preceitos nesta vida, gozará de um prazer trivial que não se acompanhará de algum desapontamento.

Frequentemente se ouve dizer que “Não posso crer nisso ou naquilo, pois seria desgraçado se acreditasse”. Esta atitude lembra o avestruz que enterra a cabeça na areia, escolhendo o caminho mais fácil, dissimulando o perigo dizendo que tal perigo não existe. Assim, pode o homem atravessar sua vida afastando seus olhos daquilo que possa levá-lo a mudar de opinião. Quem adota este método de fixar uma crença não se propõe a ser racional, pois tal qual o avestruz está escolhendo o caminho mais fácil. Este método de fixar crença pode ser denominado método da tenacidade, sendo incapaz de sustentar-se na prática, pois a corrente social lhe é contrária. O homem que adotar este método encontrará outros homens com posições diferentes, observando que existem opiniões tão boas quanto as suas, isso abalará a confiança na crença que possui. Essa concepção, isto é, de que pensamento ou sentimento de outro homem possa ser tão procedente como o seu é uma conquista nova e altamente importante. Nasce de um impulso demasiadamente forte, cuja supressão colocará em risco a destruição da humanidade. Peirce, desviando seu olhar do problema da fixação de crença individual passa a analisar o problema na comunidade.

Quando opera a vontade do Estado e não a do indivíduo:

“Crie-se uma instituição que terá por meta oferecer à atenção do povo as doutrinas corretas, reiterando-as continuadamente, transmitindo-as à juventude e tendo, ao mesmo tempo, o poder de impedir que doutrinas contrárias sejam ensinadas, advogadas ou proclamadas. Que todas as possíveis causas de mudança de ideia sejam afastadas, deixando de ser motivo de apreensão para os homens. Que eles se mantenham ignorantes e não conheçam razão alguma que os leve a pensar diversamente do como pensam. Que suas paixões sejam recenseadas para que eles possam encarar, com aversão e asco, opiniões individuais incomuns. Que todos os homens que repelem a crença estabelecida se vejam condenados ao silêncio. Que o povo apontem esses homens o os unte de alcatrão e cubra de penas ou que se institua uma inquisição para perquirir de maneira de pensar de pessoas suspeitas e que estas declaradas culpadas de crenças proibidas, estejam expostas a punição exemplar. Quando não se consegue acordo completo por outra forma, o massacre de todos os que não pensem de certa maneira tem-se mostrado meio muito eficaz de igualar as opiniões em um país. Se o poder de assim agir não bastar, que seja preparada uma lista de opiniões – com a qual homem algum com a mínima independência de pensamento poderia concordar – e que os fiéis sejam conclamados a aceitar essas opiniões, para que possam ver-se segregados tão radicalmente quanto possível da influência do resto do mundo.

Esse método tem sido, desde os primeiros tempos, um dos principais meios de sustentar corretas doutrinas teológicas e políticas e de preservar-lhes o caráter católico ou universal. Em Roma, especialmente foi praticada desde os tempos de Numa Pompílio até os de Pio IX. Este é o mais perfeito exemplo histórico; mas, onde quer que tenha surgido um clero – e nenhuma religião dele prescindiu – esse método foi utilizado em maior ou menor escala. Onde quer que haja uma aristocracia, grêmio profissional ou associação de classe, cujos interesses dependam de ou suponha-se que dependam de certas proposições, encontram-se inevitavelmente, traços desse produto natural do sentimento coletivo. O sistema sempre se acompanha de crueldade e, quando coerentemente imposto, os procedimentos cruéis adquirem, aos olhos de qualquer homem racional, as proporções de atrocidades de pior espécie. E isso não deve causar surpresa, pois o defensor de uma sociedade não vê justificativas para sacrificar o interesse dessa sociedade no altar da mercê, onde sacrificaria interesses individuais. Natural, portanto, que a simpatia e a amizade levem, por esse caminho, ao mais brutal exercício de poder.”

Peirce denomina o método de fixar crença pelo Estado de método da autoridade e, reconhece a sua imensa superioridade mental e moral sobre o método da tenacidade. Isso poderá ser observado nas fés organizadas sendo que, nenhum credo dessas fés permanece idêntico a si mesmo, pois sua transformação é muito lenta tornando-se imperceptível durante uma vida humana; a crença individual permanece, no que é sensível, fixa. Para a massa da humanidade é, talvez, o método mais eficiente:

“Se o mais intenso impulso que experimentam os leva a serem escravos intelectuais, escravos devem continuar.”

As Instituições só regulamentarão opiniões acerca dos assuntos mais importantes, quanto ao resto deixarão às causas naturais. Essa imperfeição continuará enquanto os homens permanecerem num estado em que as opiniões não se influenciem reciprocamente, isto, é, enquanto não souberem somar suas ideias. Nos Estados onde haja um maior domínio clerical, surgirão indivíduos que ultrapassam aquela condição. Estes indivíduos são dotados de um aguçado sentimento social, percebem que existem outras comunidades, regiões, homens que cultivam doutrinas muito diversas daquelas em que foram ensinados a professar; atribuindo a um mero acidente seus ensinamentos e de os terem rodeados de hábitos de certos grupos o que o levaram a ter determinada crença e não algo diferente. Assim, a dúvida surge nos espíritos.

Destarte, esses homens perceberão que as dúvidas desse jaez podem penetrar os espíritos com referência a qualquer crença, seja ela brotada deles próprios ou de causa externa, isto é, dos que fizeram surgir as opiniões populares. Portanto, a adesão a uma crença por imposição arbitrária deve ser abandonada.

Créditos

Peirce, Charles Sanders. Semiótica e Filosofia. Tradução de Octanny Silveira da Mota e Leonidas Hegenberg, São Paulo, Cultrix, 1975.

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