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Pansophia

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segunda-feira, 24 de agosto de 2015

A informação na formação moral humana – Sêneca


Sêneca – Carta 88 – As Artes Liberais.
por Osvaldo Duarte

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 Os gregos tinham por ignorância (agnoia) algo feio (aisxoç), uma deformação da alma que deveria ser alijada através do ensinamento (didaskalikh).  A Arte (texnh) surge como possibilidade de um ensinamento que pode ou não dirigir para um saber, na medida em que tenha um caráter universal. A Paidéia (paideia), traduzida como formação, e ainda  pela qual os sofistas foram guiados, era  educar com vistas a falar  sobre todas as coisas.
À sua época, Sêneca, na epístola 88 retoma esta questão e, como bom estóico, sua crítica têm matizes da Moral, a saber, todas as ações humanas devem ser voltadas para o aperfeiçoamento do homem enquanto humano, tornando-o virtuoso.
Considerando Posidónio, o filósofo estóico informa que há quatro tipos de artes: as vulgares e inferiores, as recreativas, as educativas e as propriamente ditas, liberais.
Por artes vulgares, entendiam as manuais, fabricação de objetos (artesãos), as recreativas, seriam aquelas cujo objeto é o prazer dos olhos e ouvidos (Teatro), educativas eram as artes que tinham algo de comum com a liberais, que os gregos chamavam de “enciclopédicas”, e liberais, as que são verdadeiramente livres, cujo objetivo é a virtude.
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Ao contrário de alguns que viam no estudo liberal uma maneira de formar homem de bem, Sêneca afirmava que não era esse tal propósito, pois os mestres sequer ensinavam a virtude e, tampouco, poderiam transmiti-las.
“O que há de liberal, pergunto eu, nestes indivíduos que vomitam em seco, que quanto mais engordam o corpo mais deixam o espírito macilento e letárgico?”
Sêneca entendia por virtude:

A Coragem;
A lealdade;
A temperança;
A simpatia humana;
A modéstia;
A moderação;
A frugalidade ou parcimônia;
A clemência.

 Ao compreender o seu tempo, sua análise torna-se extemporânea na medida em que dá aos que se interessam por este tema, a possibilidade de um olhar atual, a saber, a quantidade de informação e, principalmente, da sua utilidade na formação humana, . Para ilustrar recortamos um exemplo da Carta 88:
“O gramático Dídimo escreveu quatro mil livros: eu já teria pena dele se se tivesse limitado a ler tanta bagatela! Num dos livros investiga qual a Pátria de Homero, noutros qual foi a verdadeira mãe de Eneias; noutros se Anacreonte se entregou mais à vida de prazer ou à bebida; noutros se Safo foi prostituta; em suma, coisas que se a soubéssemos, deveríamos esquecer.”
Ainda assim...
“(...) apesar de tudo sempre é melhor saber uma coisa supérflua do que não saber nada!"
E assim conclui o nosso autor:
Tenho de saber tudo isso? O que posso ignorar então?”
“Saber mais do que o necessário é uma forma de intemperança.”

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As Artes Liberais, segundo o nosso filósofo, são assim chamadas, por serem dignas de um homem livre, mas o único estudo liberal, por ser elevado, magnânimo e enérgico é o da sabedoria.
“A sabedoria cinge-se às ações, não às palavras (...). A sabedoria é algo de grande e de vasto; exige para si todo o espaço; temos de nos debruçar sobre o divino e humano, sobre o passado e o futuro, sobre o transitório e o eterno, sobre o tempo."
Devemos aproveitar melhor o nosso tempo!
“Já te dispuseste a pensar quanto tempo te é roubado pelos problemas de saúde, pelos deveres oficiais, pelos teus deveres particulares, pelos teus deveres quotidianos, pelo sono? Mede a duração da sua vida: não cabe lá muita coisa.”
Se os estudos liberais não tornam os homens virtuosos, não conduz a alma humana à sua plenitude, por que deveríamos então, nos instruir em tais estudos?
Para responder esta questão, devemos ter em mente que o que está em jogo aqui, é a téchné como possibilidade de formação moral; Sêneca, enquanto filósofo estóico, está olhando noutra perspectiva, isto é, está voltado para a dimensão moral, e não vê aí qualquer utilidade dos estudos liberais.  Ainda que a arte liberal não possibilite ao homem o aprendizado da virtude, sequer o torna melhor enquanto humano, é importante em outros aspectos, máxime nas artes manuais (fabricação de objetos para uso cotidiano).
 “Queres saber o que eu penso das “artes liberais”: não admiro, nem incluo entre os bens autênticos um estudo que tenha por fim o lucro.”

Créditos/Obras consultadas:
HEIDEGGER, M. Platão: O Sofista. Trad. M. A. Casanova. Forense Universitária. Rio de Janeiro, 2012.
PRIETO, M. H et al., Índices de Nomes Próprios Gregos e Latinos, Lisboa: Fund. Calouste Gulbenkian,1995.
PETERS, F. E., Termos Filosóficos Gregos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1977.
SÊNECA, L. A., Cartas a Lucílio. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009.

domingo, 21 de junho de 2015

O pensamento de Hípon

por  Leandro Morena

Pouco se sabe da vida do filósofo grego Hípon, mas provavelmente foi no final do século V a.C. que esteve em atividade. O próprio filósofo Aristóteles (385 a.C.- 322 a.C.) considerava-o como um filósofo de pensamento medíocre. Apenas poucos fragmentos sobraram dos seus escritos, mas o bastante para inseri-lo na história da filosofia como um pensador e tanto.

Na mesma linha do pensamento de Tales de Mileto (624 a.C.- 546 a.C.), Hípon acredita que tudo tem origem da água, o próprio fogo provém da água. Embasado nisso, o filósofo cria uma argumentação acerca do úmido/seco. Segundo o filósofo, a umidade tem como o princípio a água, por sua vez, o calor vive da umidade, referindo-se a todas as criaturas vivas, as sementes e a própria comida, pois a degustação dela torna-se boa por ter umidade. As coisas mortas são ressecadas justamente pela falta da umidade.

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Para explicar a saúde do corpo, Hípon baseia-se na própria dicotomia úmido/seco, e analisa que somos possuidor de uma umidade que se adapta bem, gerando algo benéfico, segundo Barnes, a capacidade de perceber e em razão da nossa existência. Quando a umidade encontra-se num nível demasiado bom, o ente, por sua vez, é saudável, caso contrário, quando ocorrer um desequilíbrio na umidade, gera o ressecamento e com isso perece. Hípon afirma que os homens idosos faltam-lhes umidade, por esse motivo são secos e a percepção deles é comprometida por esta falta.

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Em outro fragmento, o filósofo afirma que a umidade pode sofrer alterações que podem levar a um desequilíbrio, ou seja, quando ocorrer excesso de frio, ou  excesso de calor, acaba gerando as enfermidades, ele não especifica quais são essas enfermidades. De um modo geral, tem que existir o equilíbrio no frio e no calor para que a umidade possa ser benéfica ao ente.

Observamos que tudo que faz parte da natureza tem que ter um equilíbrio, o corpo humano e dos animais, as plantas, o ar, o fogo, a água, um pequeno desequilíbrio gera uma condição negativa de proporções catastróficas.

A meu ver, o pensamento de Hípon foi uma “fagulha” para o desenvolvimento da lógica, embora seja com Aristóteles que a lógica fosse disseminada, aqui podemos observar que Hípon criou um “Sistema Dicotômico” que serviu de base para os filósofos posteriores.

Créditos: Obra consultada

BARNES, Jonathan. Filósofos Pré-Socráticos. Trad. Julio Fischer. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2003.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

O Sistema Planetário na visão do filósofo Filolau (470 a.C.-385 a. C.)

 

por Leandro Morena 

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Filolau de Crotona (Φιλόλαος), filósofo grego, foi um grande seguidor do pensamento pitagórico. Segundo consta, é atribuído a ele escrever sobre a doutrina pitagórica,, ao qual conseguiu sobreviver à contemporaneidade e os historiógrafos afirmam que o pensamento platônico foi influenciado por essas escritas.

Filolau foi um dos primeiros pensadores que afirmou que a Terra não é o centro do universo e a própria movimenta-se ao redor de um fogo que se situa na parte central, esse centro é como se fosse uma potência demiúrgica, pois é desse centro que cria-se a vivacidade para a Terra, no qual muitos acreditavam, inclusive Filolau, de ser a moradia do supremo, a divindade Zeus. O Fogo Central não se trata do Sol, mas sim de um fogo que não podia ser visto redundante, pois estava do lado oposto a Terra, pois segundo Filolau, aparecia nas regiões mediterrâneas onde não era habitado e por isso o povo grego nunca conseguia vê-lo. Entre o Fogo Central e a Terra, existe um planeta paralelo, invisível, que Filolau alcunhou de Antiterra.

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Para o discípulo de Pitágoras a Terra tinha uma órbita de 24 horas em torno do Fogo Central, e sempre volta à face para o exterior, o lado oposto, por isso a dificuldade de observar esse fenômeno. Já as órbitas do Sol e da Lua e dos cinco corpos celestes, a saber: Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno, estavam bem mais distantes, estes, por sua vez, eram chamados de “astros vagabundos”, pós esses corpos celestes, seguiam-se as estrelas fixas, um fogo que seria externo e, por fim, o infinito.

 

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 Filolau explica como ocorre a luz do Sol, este é iluminado pela luz do fogo externo, e com isso ilumina todo universo visível; já a Lua recebia a luz do Sol, e o brilho dela é prateado, e isso se deve ao reflexo do Fogo Central. Com essa teoria, ele explicou porque os eclipses lunares eram mais habituais que os eclipses solares, pois concebe como a sombra da Terra projetada na Lua e a sombra do planeta Antiterra.

O Sistema Planetário de Filolau foi composto por dez corpos celestes, uma analogia ao número 10 que é considerado um número místico/divino para os pitagóricos, no qual, denomina-se a perfeição (ver o artigo: O pensamento Pitagórico: Os Números).

 

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Créditos/Obras Consultadas:

MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento Antigo. Trad. Lívio Teixeira. Ed. Mestre Jou, São Paulo, 1964.

Coleção: A descoberta do mundo vol.I. editor: Victor Civita. Editora Abril, São Paulo, 1971.

terça-feira, 17 de março de 2015

Sêneca, uma breve notícia

por Leandro Morena

 

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Lúcio Aneu Sêneca (4 a.C.- 65 d.C.), filósofo romano, filho de uma família ilustre da época. Quando criança foi estudar em Roma onde aprendeu retórica ligada à filosofia. Seus estudos eram rigorosos e com isso causou um problema de saúde e por esse motivo foi passar algum tempo no Egito, voltando a Roma no ano de 31. Ingressou na carreira de advogado e orador e entrou  para o senado romano. Na política o filósofo romano atingiu o ápice e com esse fato causou uma certa inveja no imperador Calígula(12-41),e este pretendeu assassinar Sêneca, mas a salvação é que a saúde dele estava frágil, pois acreditava-se que ele morreria logo.  Calígula foi quem morrera rápido, e com isso o filósofo pôde viver tranquilamente. No ano de 41, no entanto, foi acusado pela esposa do imperador Claúdio (10 a.C.- 54 d.C.) de ter cometido adultério com a sobrinha do mesmo, Sêneca viu-se numa situação ruim e foi para o exílio para a Córsega onde levou uma vida restrita. No ano de 49 a esposa de Cláudio que acusara Sêneca viu-se em desgraça e condenada à morte, e com isso, o imperador Cláudio veio casar-se com Agripina e através desta nova esposa do imperador, mandou chamar de volta Sêneca para educar o seu filho Nero (37-68). No ano de 54 Nero torna-se imperador e o filósofo foi seu grande conselheiro. No ano de 62 Sêneca já não agradava mais o imperador e no ano de 65 o próprio obriga o filósofo cometer suicídio.

            Na filosofia, Sêneca adotara elementos epicuristas com ideias estoicistas e isso pode ser observado na obra As Cartas Morais de Sêneca. Escreveu doze ensaios morais além de escrever nove tragédias. Fez duras críticas e satiriza o comportamento vulgar da sociedade naquela época.

 

 

Créditos/Obras consultadas:

EPICURO, SÊNECA e outros. Os Pensadores.Traduções:Agostinho da Silva, Amador Cisneiros e e outros. Ed. Abril, São Paulo, 1980.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Democracia Republicana - Montesquieu

por Osvaldo Duarte

“O povo na democracia, é, sob certos aspectos, o monarca, sob outros, o súdito.”

A democracia republicana é caracterizada na sua melhor expressão pelo sufrágio universal; e não foi por aleatoriedade que, Montesquieu, observou que as leis que estabelecem o direito ao sufrágio são, no entanto, fundamentais para este regime de governo. Com efeito, prossegue o autor, essas leis regulam como, por quem, a quem, e sobre o que os sufrágios devem ser dados.
 É, portanto, uma República democrática, quando o povo tem o poder soberano e a sua vontade se manifesta através do sufrágio.
Tal era a importância que davam os gregos à soberania que: “Em Atenas um estrangeiro que se intrometesse na assembleia do povo era punido de morte”. Não admitiam a usurpação do direito de soberania.

Do sufrágio por sorte (voto):

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Sendo o sufrágio por sorte de natureza democrática, dá aos cidadãos a oportunidade de servir à pátria. Como a sorte também tem lá o seu revés, para corrigi-la, Sólon, sabiamente determinou que o magistrado fosse examinado pelos juízes e, que todos poderiam acusá-lo de indigno. Ao término da sua magistratura, era novamente submetido a um novo julgamento para avaliar o seu desempenho no decorrer mandato.

“O povo é admirável para escolher aqueles a quem deve confiar qualquer parte da sua autoridade. Tem que determinar-se unicamente por coisas que não pode ignorar, e por fatos palpáveis. Sabe, perfeitamente, que tal homem esteve muitas vezes na guerra, teve tais ou quais êxitos, é, portanto, muito capaz de eleger um general. Sabe que tal juiz é assíduo, que muitas pessoas se retiram do seu tribunal satisfeitas com ele, que não foi acusado de corrupção: eis o bastante para que seja eleito um pretor (...)”.

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Da educação para a cidadania:

É através da educação que se prepara os homens para serem bons cidadãos, que se inspira a virtude política, sendo esta o amor da pátria e das leis.
O amor da república, numa democracia, é o amor da própria democracia, isto é, o amor pela igualdade.

“Este amor é singularmente peculiar às democracias. Só nestas, o governo é confiado a cada cidadão. Ora, o governo é como todas as coisas do mundo: para conservá-lo é necessário amá-lo.”

A ideia de que um povo ignorante é bom para o governo, só é compreensível num governo despótico que, ao invés de estabelecer a virtude política, se incute o temor nos corações dos súditos. Por outro lado, não é sábio educar os cidadãos apenas para o mercado de trabalho, como é muito comum neste país, a verdadeira democracia  contempla, primeiramente, a educação para a cidadania.

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Créditos/Obras consultadas:
MONTESQUIEU, Do Espírito das Leis;. Trad. H. Barbosa. Edições Cultura, São Paulo, 1945.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Brasil: “Só por cima do meu cadáver”

por Osvaldo Duarte

 

“A virtude política é a mola que faz mover o governo”

 

É próprio da filosofia trabalhar com conceitos universais, o que não nos impede da utilização de exemplos particulares para ilustrar melhor a nossa exposição.

 

Esclarecemos que, não se trata aqui de levantar bandeiras “do contra ou a favor”, mas de tão-somente abordar o direito ao amparo da lei que todas as camadas (principalmente as minoritárias) da sociedade têm, ou que pelo menos deveria tê-lo! Isso independe se as mesmas têm muita ou pouca representatividade no Congresso ou Câmara, pois acreditamos viver sob um regime democrático e laico.

 

Recentemente aqui em nosso país observamos fato notório que, embora aplaudido por muitos, põe em risco a própria democracia, referimo-nos ao presidente da Câmara que se recusa levar ao plenário alguns temas, a saber, como a legalização do aborto e a união civil de pessoas do mesmo sexo. Ao que tudo indica, ou pelo menos o motivo que nos leva a crer, salvo engano,  a recusa se deu em face das questões religiosas.

 

Pretendemos aqui, lembrar o conceito de virtude política, pois entendemos como conceito chave para esclarecer ao leitor menos atento, onde o deputado falha como político no cumprimento do seu dever.

 

 

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Ensina-nos Montesquieu, que virtude, ao menos na República, não se trata de virtude moral ou virtude cristã, mas  virtude política, o que significa o amor da Pátria e da igualdade, sendo esta virtude, a mola que faz mover o governo.

 

Ora, o nobre deputado está confundindo ou possivelmente desconhece tais conceitos. Em um Estado democrático e laico, a virtude política deve sempre prevalecer, independentemente da religião ou crença que o político possa ter, ainda que seus eleitores comunguem a mesma crença. Tal atitude fere o princípio da igualdade, negando aos envolvidos não só a legalização ou regulamentação dos seus direitos, como também, um debate mais abrangente e esclarecedor junto a sociedade. Se infelizmente as demais questões do mesmo naipe tiverem o mesmo fim, a igualdade será a mesma da Revolução dos Bichos.

 

“Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros

                                                                                                           George Orwell

 

 

Créditos/Obras consultadas:

 

MONTESQUIEU, Do Espírito das Leis;. Trad. H. Barbosa. Edições Cultura, São Paulo, 1945.

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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Deixemos isso para amanhã! – Governo - Montaigne

Ou do “eu não sabia”

 

por Osvaldo Duarte

 

“Nas ações humanas é difícil dar preceitos atinados cujo fundamento seja a razão: O acaso joga sempre um papel importante em todas elas.”

 

 

 

 

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Hoje em dia é muito comum ouvir de governantes ou representantes e de toda a esfera pública a alegação de que desconheciam certos fatos que, de certa forma, influenciam sobremaneira o nosso cotidiano não apenas financeiramente, o que já é um pesado fardo, mas sobretudo nas questões éticas. Por outro lado, compreendemos e aceitamos como verossímil tal ignorância dos fatos, pois, é inaceitável, inadmissível e nada digno de um governo, independentemente do regime político, a omissão, a coadunação com a corrupção ou algum ato lesivo, dentre outros, que coloque em risco a soberania e a sobrevivência da nação.

 

Para ilustrar a nossa analogia, recorremos a Montaigne que, na sua obra Ensaios, através de Plutarco, nos faz recordar algumas anedotas sobre o comportamento de alguns personagens em posse de certas informações.

 

Assim nos narra Montaigne:

 

“O vício contrário à curiosidade é a indiferença, para qual me inclino por natureza, e conheci alguns homens que a levaram a tal extremo, que guardavam no bolso, sem as abrir, as cartas que tinham recebido três ou quatro dias antes.”

 

Prossegue o nosso filósofo:

 

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E assim conclui o nosso autor:

 

“(...) quando se trata de homens que exercem funções públicas, adiar o conhecimento das notícias que recebem para não interromper a comida ou sono, parece-me falta que não tem desculpa possível. Na Roma antiga, o lugar que os senadores ocupavam na mesa era o mais acessível às pessoas que, de fora, pudessem comunicar-lhes notícias, o que era claro testemunho de que por se acharem em comidas ou banquetes, aqueles magistrados não abandonavam o governo dos negócios, e tampouco deixavam de se informar das coisas imprevistas.”

 

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Oxalá pudesse o governo como um todo, seguir o exemplo dos senadores romanos, afinal, vivemos na era da informação.

 

 

Créditos/Obras consultadas:

 

MONTAIGNE, M. Ensaios, São Paulo: Otto Pierre, Editores, Ltda., 1980.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Lei divina e lei humana, uma possível dicotomia - Antígona.

por Osvaldo Duarte

Não, não implores ninguém; aos mortais não é dado libertar-se do destino que lhes incumbe.

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Não há dor, nem desgraça ou desonra e, nem mesmo vergonha, que a desditosa família de Édipo não tenha visto!
Antígona é mais uma das sagas sofridas pela descendência de Édipo. Escrita provavelmente em 442 a.C., esta belíssima tragédia, de Sófocles, ainda hoje é objeto de inúmeros estudos. Pretendemos aqui, ainda que superficialmente, recortar para reflexão o embate entre a lei humana e a lei divina, para tanto, evitamos dar detalhes desta obra, solo fértil para tantos outros temas, mas tão-somente extrair apenas o que nos interessa como elemento de uma possível leitura, a saber, Creonte, proclama um édito que diz respeito aos dois filhos varões de Édipo – Etéocles e Polinices, ambos em combate, perecem no mesmo dia um pelas mãos do outro. Pelo édito, Etéocles, por defender Tebas, dar-se-á sepultura com todos os rituais sagrados, já a Polinices, por ter intentado contra a sua própria pátria, deverá ficar insepulto, sujeito a servir de repasto às aves de rapina e aos animais selvagens; quem infringir tal lei sofrerá pena capital.
Antígona, consternada pela má sorte de seu irmão, Polinices, decide prestar-lhe homenagens fúnebres, lançando sobre o cadáver uma camada de pó, transgredindo aquela lei.


Creonte e Antígona

Creonte, o tirano, inflexível diante da dureza da lei escrita, representa a encarnação da lei humana. Sem leis a cidade perece.

E ousaste, de verdade, tripudiar sobre as leis?
(...) Em toda a cidade, foi a ela só que eu apanhei em ato de flagrante desobediência. Não me farei passar por mentiroso perante o país.
Não há calamidade maior do que a anarquia...

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Antígona, a piedosa, nascida para amar, se recusa obedecer ao édito. Uma vez descoberta e levada à presença do tirano, assume o seu ato piedoso. Em sua defesa, apela à lei divina em detrimento da lei humana. É mister notar a antiguidade desta lei, pois possivelmente é anterior à pólis e denota a relação humana com o sagrado e ainda,  uma possibilidade da continuidade da vida pós morte.

É que essas não foi Zeus que as promulgou,
nem a Justiça, que coabita com os deuses infernais,
estabeleceu tais leis para os homens.
(...) Porque essas não são de agora, nem de ontem,
mas vigoram sempre, e ninguém sabe quando surgiram,
(...) Por causa das tuas leis, não queria eu ser castigada
perante os deuses, por ter temido a decisão de um homem
(...) Mas se eu sofresse que o cadáver do filho morto da minha mãe
ficasse insepulto, isso doer-me-ia ...


O sagrado

Sem a execução da cerimônia fúnebre, o morto não conseguiria transpor as portas do Hades. Na impossibilidade de efetuar a cerimônia, bastava cobrir o cadáver com uma camada de pó. Tão forte era esta crença entre os gregos que, se alguém passasse por um cadáver insepulto e não lançasse sobre ele um punhado de terra, incorria numa maldição. Para os mortos no mar, construíam um cenotáfio.

A relação com os deuses para os gregos não era de fé, sobretudo uma relação de saber.
Tirésias representa o sagrado. Como profeta e conselheiro, vem em auxílio de Creonte, seus conselhos ainda que debalde diante da teimosia do tirano, o obriga a revelar-lhe os augúrios:

(...) não demorará muito tempo que surjam no teu palácio gemidos de homens e de mulheres...

Diante daquelas revelações e ouvindo a opinião do Coro, Creonte cede, mas tarde demais, pois o destino já estava selado e a sentença prestes a ser cumprida: a morte de seu filho e da esposa por não suportar a perda deste.

Lei divina e lei humana

Antígona fora condenada e assim as penalidades da lei humana, cumprida. Por outro lado, a transgressão da lei divina por Creonte não fica impune, pois paga um alto preço!
 Uma possível leitura do texto, é que no descumprimento tanto da lei positiva como da lei divina há punição. No entanto, da lei escrita é possível saber de antemão as suas sanções, o que muitas vezes não ocorre com a lei divina, como no caso, em que precisou recorrer a um adivinho. Outro ponto, é que na lei humana quem sofre diretamente as penalidades é o transgressor; já na lei divina, nem sempre! No presente caso, Creonte não respeitou a lei natural, e as terríveis consequências recaíram sobre sua família que, sequer estava envolvida diretamente na questão, mas ainda assim, sua punição foi o sofrimento com a perda dos amados entes.
Não podemos afirmar que a lei natural está acima da lei positiva, pois esta, embora artificial, é necessária para manutenção da ordem e da felicidade da pólis. Nesta lei divina, é no cuidado do outro que se assegura o cuidado de si, noutras palavras, é na perpetuação do rito sagrado fúnebre que se poderá ter o mesmo tratamento quando da morte, garantindo a todos a passagem pelas portas do Hades.


Créditos/Obras consultadas:

SÓFLOCLES. Antígona. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

O pensamento Pitagórico; Os Números

por Leandro Morena

 

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Para Pitágoras (571 a.C.-496 a.C.) e seus discípulos, os números têm uma relevância muito importante para o pensamento filosófico, pois eles foram os primeiros que fizeram a matemática ter uma ascensão. Eles acreditavam que os princípios da matemática seriam os princípios de todas as coisas, e parecem perceber nos números, mais do que no fogo, na terra e no ar, muitas semelhanças com as coisas que existem e as que são geradas. Com esses princípios, os pitagóricos afirmavam que compreendiam a ordem e a unidade do mundo, e o número tornar-se-ia o modelo que dará origem das coisas. O conceito de número no pensamento pitagórico, expressa uma ordem dimensível que permite extinguir a ambigüidade entre significado aritmético e significado espacial.

O significado verdadeiro vai ser demonstrado na figura   tetraktys (tétrada):  

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Essa figura representa o número 10, um triângulo que possui o 4 como lado, pois se observarmos a figura, vemos que a base possui 4, o lado esquerdo da base até o ápice contém 4, e , por sua vez, o lado direito da base ao ápice contém 4.  . O número 10 era visto pelos pitagóricos como algo sacro, pois estava contido nele os quatro elementos: fogo, ar, água e terra, ou seja, 1+2+3+4 = 10.

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O número é a substância das coisas, todas as oposições das coisas se diminuem a oposições entre números. A oposição fundamental das coisas com respeito à ordem dimensível que constitui a sua substância é a de limite e de ilimitado. Com o limite vai tornar a medida possível, e o ilimitado vai excluí-la. A esta oposição corresponde a oposição fundamental dos números pares e ímpares; ímpar corresponde ao limitado e o par ao infinito.Já o número 1 deriva de ambos, ou seja, é considerado par e ímpar ao mesmo tempo. Os pitagóricos afirmam que à oposição do ímpar e do par correspondem a outras nove oposições:

1.      Finito/Infinito;

2.      Ímpar/Par;

3.      Unidade/Quantidade;

4.      Direita/Esquerda;

5.      Macho/Fêmea;

6.      Repouso/Movimento;

7.      Reta/Curva;

8.      Luz/Trevas;

9.      Bem/Mal;

10.  Quadrado/Retângulo;

O limite, ou seja, a ordem vai ser considerada a perfeição. Em suma, tudo que se encontra do mesmo lado, na sequência dos opostos, é definido como o bom, e, por sua vez, o que se encontra do outro lado, é considerado ruim.

A luta travada pelos opostos vai ser conciliada através de um princípio de harmonia, isto é, este último como vinculo dos mesmos opostos, vai compor para eles o sentido último das coisas.

 Créditos/Obras Consultadas:

MONDOLFO, Rodolfo. O pensamento Antigo. Trad. Lívio Teixeira. Ed. Mestre Jou, São Paulo, 1964.

SANTOS, José Trindade. Antes de Sócrates. Gradiva, Lisboa, 1992.

BARNES, Jonathan. Filósofos Pré-Socráticos. Trad. Julio Fischer. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2003.

Pré-Socráticos.Os Pensadores.Traduções:José Cavalcante de Souza e outros. Ed. Abril, São Paulo, 1978.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Uma visão ilusória da Terra – Diálogo Fédon, Platão.

 

 

por Osvaldo Duarte

No diálogo Fédon, Sócrates, na prisão, nos seus últimos instantes de vida, acreditara que a sua alma sobreviveria à morte, pois sempre vivera uma vida digna e santa dedicada à Filosofia. Enfrentou a morte com coragem, confortou e tranquilizou seus discípulos sobre sua partida, pois tinha certeza de que pela sua conduta, viveria ao lado dos deuses. É em meio a este clima que nos narra esse mito que encerra o Fédon:

“Para começar, principiou, fiquei convencido de que se a Terra é de forma esférica e está colocada no meio do céu, para não cair não precisará nem de ar nem de qualquer outra necessidade da mesma natureza (...).”

 

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Lebrun recupera este excerto pouco lido do texto platônico. Nesse recorte o comentador atribui esta falsa percepção espacial à ignorância. Nós vivemos, isto é, habitamos um buraco aqui na Terra, mas não nos damos conta disso. A esta ignorância o professor vai se servir da palavra grega amathía, que significa não uma ignorância qualquer, mas sim, aquela ignorância acrescida de estupidez (nada saber e crer que sabe). A bem da verdade, Lebrun faz uma leitura conjugada ao Mito da Caverna, esse texto apenas complementa a sua análise.

Se nos atentarmos para o texto em questão, veremos que as palavras “indolência e fraqueza” são usadas por Sócrates para explicar o porquê da nossa imaginação. Essa indolência é uma disposição do nosso caráter, pois preferimos as aparências a enxergar o verdadeiro Sol e as estrelas como são na realidade, sequer sabíamos sobre a esfericidade da Terra. A fraqueza é uma debilidade da nossa Alma, que nos permite ser arrastado pelas paixões, preferindo os prazeres do corpo aos deleites da Alma.

Estamos acostumados a viver nessa cratera, a olhar este céu embaçado, essa terra onde as pedras e toda região que nos circunda não são perfeitas, estão corroídas, há cavernas, lamaçal e lodo por todos os lados e, ainda assim nos damos por satisfeitos.

Por não percebermos que habitamos uma dessas concavidades, imaginamos viver na superfície terrestre; falta-nos coragem para subir e contemplar o verdadeiro céu, a verdadeira luz, a verdadeira Terra.

Amantes do corpo, da fama e do dinheiro,  tememos perder tais prazeres. Ousar subir à superfície seria abrir mão das nossas inclinações prazerosas.

A Alma atrelada ao corpo é fraca, e cada vez mais se submete aos apetites corpóreos; enquanto estiver presa, mais dificuldades terá em voar até a superfície. Para que consiga tal proeza terá de ser temperante, numa palavra, desprender do corpo em uma espécie de morte.

“(...) ensina-nos a experiência que, se quisermos alcançar o conhecimento puro de alguma coisa, teremos de separar-nos do corpo e considerar apenas a alma como as coisas são em si mesmas.”

 

Créditos/Obras consultadas:

LEBRUN, G. A Filosofia e sua História, Cosacnaify, 2006.

PLATÃO. Diálogos Vol. IV, Tradução. Carlos. Alberto Nunes. Pará: Univ. Fed. Pará, 1980.

PEREIRA, Isidro. Dicionário Grego-Português e Português Grego. Porto: Ed. Apostolado da Imprensa 1984.